Para governador aliado de Dilma, PT
perdeu 'energia vital' para liderar recomposição da esquerda.
Ele defende a criação de uma nova legenda para abrigar, com autonomia, as siglas progressistas e movimentos sociais.

Mariana Schreiber
da BBC em Brasília
Na linha de frente da defesa da
presidente Dilma Rousseff, o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), disse
que o presidente do Senado, Renan Calheiros, ao dar encaminhamento ao trâmite
do impeachment, optou pelo caminho mais "fácil" de seguir a decisão
da maioria, "independentemente das regras" do Estado de Direito.
Em entrevista à BBC Brasil, Dino atacou
a decisão de Calheiros de não aceitar a anulação da votação da Câmara sobre o
impeachment, anunciada pelo presidente interino da Casa, Waldir Maranhão na
segunda-feira, mas revogada pelo mesmo no mesmo dia.
"Renan fez uma opção que está na
moda, de seguir a vontade da maioria qualquer que seja ela. É isso que está
presidindo esse processo insensato desse suposto impeachment. A questão de
fundo é essa: a maioria, num Estado de Direito, pode fazer o que quiser,
independentemente das regras?", argumentou.
"Acho até que talvez a convicção
dele fosse outra, mas preferiu aderir à maioria. Fazer parte dessa marcha da
insensatez é mais fácil do que tentar contê-la", acrescentou.
Para o governador, o caso sobre o
impeachment deve ser levado mais à frente à Corte Interamericana de Direitos
Humanos, pois aquele tribunal já tem decisões nessa linha.
Questionado sobre o futuro da esquerda
no Brasil, Dino disse que será papel desse grupo continuar defendendo o mandato
da presidente e os direitos sociais e trabalhistas.
Além disso, defendeu a criação de um
novo partido político que funcione como uma frente ampla de esquerda, que
agregaria partidos como PT, PCdoB e eventualmente também PDT e PSOL, além de
movimentos sociais. No entanto, cada grupo continuaria existindo com autonomia
de organização interna.
Para Dino, o PT perdeu "energia
vital" para sozinho liderar a recomposição no campo político da esquerda.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil: Como recebeu a decisão de
Waldir Maranhão de recuar da anulação? O que motivou esse recuo?
Flávio Dino: Muito certamente a decisão
do Renan de seguir o processo e a pressão que ele sofreu do partido dele (PP),
muito intensa. Aí foi uma avaliação dele, da qual discordo, mas respeito, de
que ele não tinha condição de sustentar a decisão.
Ele me comunicou, e eu disse que
discordava, mas respeitava a decisão dele. Certamente, se o Renan tivesse
decidido de outro modo, acho que ele iria manter a decisão.
BBC Brasil: E qual sua avaliação sobre a
decisão de Renan de ignorar a decisão de Maranhão?
Dino: O Renan fez uma opção que está na
moda de seguir a vontade da maioria qualquer que seja ela. É isso que está
presidindo esse processo insensato desse suposto impeachment. A questão de
fundo é essa: a maioria, num Estado de Direito, pode fazer o que quiser,
independentemente das regras?
A resposta até agora tem sido sim, a
maioria pode fazer o que quiser. O Renan seguiu nessa linha. Acho até que
talvez a convicção dele fosse outra, mas preferiu aderir à maioria. Até porque
se opor à maioria não é o mais cômodo. Fazer parte dessa marcha da insensatez é
mais fácil do que tentar contê-la.
BBC Brasil: Quais devem ser os próximos
passos do governo? Pode recorrer ao STF sobre o encaminhamento dos votos ou
mais alguma questão?
Dino: Essa questão é muito consistente,
porque você tem dois precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
em casos similares. Acho que ela não só pode, como deve questionar isso (o
encaminhamento dos votos) inicialmente e aguardar o julgamento do Senado para
depois decidir, mais adiante, entrar com outra ação discutindo vários aspectos,
como por exemplo a flagrante inexistência de motivos para o processo de
impeachment.
BBC Brasil: Após a decisão de dezembro,
o STF tem se mostrado pouco inclinado a intervir no andamento do impeachment.
Não parece difícil uma vitória no STF?
Dino: Na verdade, quando foi ocorrer a
votação na Câmara, houve uma das ações propostas pelo Zé Eduardo (José Eduardo
Cardozo, advogado-geral da União, responsável pela defesa de Dilma) que chegou
a ter placar de cinco a cinco no Supremo (o questionamento sobre a ordem de
votação estabelecida por Eduardo Cunha). Isso mostra que ainda há sim um certo
espaço no Supremo.
E há esse elemento novo da Corte porque
a Corte Interamericana é um tribunal brasileiro. Muita gente diz, "ah é um
tribunal internacional". Não, é um tribunal brasileiro. Na medida em que o
Brasil aderiu aos tratados internacionais que regulamentam a Corte, ela está
incorporada ao ordenamento jurídico nacional, suas decisões têm caráter vinculante
e obrigatório.
Se o Supremo eventualmente disser que
não é com ele (não quiser intervir em decisão do Congresso), o que parece ser a
linha de alguns (ministros), isso fortalece ainda mais a tese de ir à Corte
Interamericana porque você terá um vazio, quer dizer o tribunal supremo do país
disse que não é com ele. Então isso fortalece a atuação da Corte
Interamericana. Acho que é um recurso sem dúvida extremo, mas é um caminho
digamos natural, diante dessas controvérsias.
BBC Brasil: E um recurso à Corte pode
ser algo rápido? Se demorar, fica mais difícil reverter um eventual
impeachment?
Dino: Provavelmente a dificuldade que se coloca é exatamente essa.
Porque (para ser mais rápido) a tramitação na Corte teria que ser concomitante
à tramitação no Senado. Enquanto eu acho que seria melhor antes se fazer o
debate no Senado.
Então provavelmente a decisão da Corte
seria bem posterior ao julgamento do Senado. O que é um complicador, mas não é
um impeditivo absoluto. Até porque, nos precedentes que há, a Corte anulou os
impeachments de juízes (no Peru e Equador).
BBC Brasil: Há controvérsia se as
pedaladas são crime de responsabilidade, mas concretamente isso gerou um rombo
nas contas públicas. Não vale uma autocrítica aí? Não faltou responsabilidade
fiscal do governo Dilma?
Dino: Acho que esse é um debate que não
é jurídico, é político. Você pode gostar ou não de determinada política
econômica. O que você não pode é dizer que uma determinada política econômica
configura crime de responsabilidade. Isso é um absurdo.
Essa é uma primeira questão. A segunda:
acho que a política econômica que foi feita atendeu a uma certa expectativa de
retomada de crescimento que levaria a que esse rombo deixasse de existir. Essa
retomada não ocorreu. Porque houve uma movimentação de reduções tributárias,
mais redução da taxa de juros, e supostamente a soma dessas medidas
contracíclicas levaria a investimentos privados e, com isso, você teria o
crescimento da economia, que garantiria o fechamento da equação fiscal.
Não houve o crescimento, e isso gerou o
desequilíbrio. Eu te diria assim: foi uma aposta que não se confirmou, mas
quantas vezes isso já não ocorreu na história brasileira, quantas vezes
políticas econômicas foram tentadas e depois se revelaram equivocadas? É o
primeiro caso na história brasileira em que alguém vai ser punido como se
tivesse praticado um crime por uma circunstância normal, que já aconteceu com
tantos planos e políticas econômicas ao longo da história. Isso dá pra citar
desde o encilhamento de Rui Barbosa, ao suposto milagre econômico dos anos 70,
até os planos heterodoxos dos anos 80, Cruzado e outros tantos.
Então, a Dilma não é a primeira a tentar
algo que depois você tem que corrigir. O problema é que não estão dando tempo
(para que ela possa reverter).
BBC Brasil: Hoje o cenário mais provável
é de interrupção do governo petista, com chances pequenas de retorno de Dilma.
Qual o papel da esquerda nessa nova conjuntura?
Dino: Primeiro, continuar essa luta em
defesa da ordem constitucional, da autoridade da Constituição. Acho que isso é
um dever, a esquerda tem que continuar defendendo o mandato da Dilma em todas
as instâncias possíveis. Em segundo lugar, deve ser uma atitude de defesa dos
direitos sociais, dos direitos dos trabalhadores. E terceiro é preciso fazer um
movimento de revisão organizativa.
É o momento de, por exemplo, debater se
não é o caso de uma saída meio uruguaia ou chilena, de uma frente ampla
institucional com todos os segmentos progressistas, em que você tem a
incorporação de partidos, mas também de movimento sociais, para recompor uma
nova expressão institucional para a esquerda. Acho que é uma tese que deve ser
debatida.
É uma frente ampla em que você reuniria
o PT, PCdoB, eventualmente o PDT, acho que o PSOL poderia ser convidado para
isso, e os movimentos sociais. Acho que a Frente Brasil Popular e a Frente Povo
Sem Medo são bons embriões dessa nova organicidade da esquerda, porque acho que
o PT perdeu energia vital para sozinho liderar a recomposição do nosso campo
político.
BBC Brasil: Mas na prática como isso
funciona?
Dino: Você cria um partido novo, com uma
expressão jurídica própria, autônoma, e dentro você mantém a liberdade
organizativa.
BBC Brasil: Então haveria uma nova
legenda guarda-chuva?
Dino: Isso, exatamente. É uma frente
política mesmo, como a Frente Ampla (uruguaia), como foi feito na Itália
também, a frente Ulivo, a Concertación (chilena). Não é uma forma nova. É uma
saída, quando você está numa conjuntura de revisão histórica. Me parece
adequado fazer uma nova institucionalidade, que seria em termos práticos isso:
nós teríamos uma legenda, que vai disputar as eleições com uma agenda comum,
mas cada partido mantém a sua agenda histórica. Você mantém isso mais no plano
interno e tem uma frente que disputa eleições.
BBC Brasil: Isso ainda é muito
embrionário?
Dino: Sim. É a tese de poucos hoje, pois
nem é ainda o debate atual. Quando eventualmente se confirmar esse desfecho
indesejável (de impeachment da Dilma), esse debate vai ganhar uma maior
expressão, com certeza.
BBC Brasil: E para concorrer à
Presidência? O nome principal continua sendo o Lula para 2018?
Dino: O Lula é o candidato mais forte,
sem dúvida, indiscutivelmente, pela enorme força popular que ele possui. Agora,
tem muitos "ses" no meio do caminho, a começar pelo primeiro
"se", que é se ele próprio deseja. É uma questão que vai ser
respondida mais adiante. E hoje nós temos dois nomes que merecem toda atenção,
um é o próprio Lula e outro é o Ciro (Gomes, hoje no PDT).
BBC Brasil: O senhor vê força do Ciro
Gomes para aglutinar a esquerda?
Dino: Acho que ele tem legitimidade para
isso. Um quadro preparado, tem muita experiência administrativa. Governou o
Estado (do Ceará), foi ministro da Fazenda, foi prefeito de uma grande cidade
(Fortaleza). Tem boas formulações sobre o Brasil. Acho que é um cara muito
preparado. Não sendo o Lula, acho que ele seria um nome natural.
BBC Brasil: Algumas pessoas falam no
prefeito de São Paulo, Fernando Haddad?
Dino: O Haddad teria que partir de uma
premissa, que ele vença a eleição para (se reeleger neste ano) prefeito de São
Paulo. Se ele vencer, sem dúvida ele passa a ser um nome também.
Um outro "se" é a
possibilidade de Lula ser condenado. Com o impeachment de Dilma, pode ser que o
caso dele retorne para a vara de Sergio Moro. É sem dúvida uma questão
relevante que vai se colocar mais adiante.
BBC Brasil: O senhor e José Sarney,
presidente de honra do PMDB, são profundos opositores. O senhor vai dialogar
com um eventual governo Temer?
Dino: Há uma questão conceitual: um
governo estadual não pode ser ele próprio oposição ao governo federal. Isso é
impossível no sistema constitucional. Primeira questão, governo do Estado do
Maranhão vai dialogar com o governo federal? Sim, claro, em todos os momentos.
Até porque eu fui eleito para isso, tenho legitimidade, direito e dever de
fazê-lo.
Em segundo lugar, isso altera minha
visão política ideológica? Claro que não, é pública, notória e continua. Vai
ser expressada em todos os momentos que eu discordar, como ator político,
representante de uma corrente partidária, de uma determinada decisão.
Na minha cabeça, isso é muito claro. Uma
coisa é o diálogo institucional, administrativo, a outra é, bom, politicamente
vou me alinhar com um governo com o qual eu não concordo? Claro que não.
BBC Brasil: Mas o senhor espera a
possibilidade de um bom diálogo institucional?
Dino: Acho que sim, porque o nosso
governo é sério, responsável, transparente, respeitado. Nós temos apoio
popular, nós vencemos as eleições, são sete milhões de brasileiros, não vejo
como isso será ignorado.
BBC Brasil: O colunista Fernando
Rodrigues diz que Waldir Maranhão votou contra o impeachment em troca do seu
apoio para concorrer ao Senado. Isso procede?
Dino: Não. Na verdade o Waldir tem
externado o desejo de ser senador como tantos do nosso lado. Há uns quatro ou
cinco políticos, deputados, que me apoiaram e querem ser senadores, o que é um
bom sinal. O Waldir é um deles. É uma pessoa importante, preside atualmente a
Câmara. Sem dúvida ele é uma cara importante. Mas acordo mesmo é claro que não
houve.
BBC Brasil: E como foi a conversa com
ele antes dessa decisão de anular a votação do impeachment?
Dino: Ele me ligou dizendo que tinha
sido procurado pelo Zé Eduardo Cardozo, com a questão de um recurso, que a AGU
tinha proposto. Perguntou se eu podia vir a Brasília, eu disse que não podia,
porque tinha sábado inauguração de obra no interior do Maranhão.
Então ele veio sábado à noite, jantou
comigo aqui, me mostrou o recurso, dei minha opinião de que o recurso era
procedente. Ele me perguntou se eu podia ir à Brasília com ele, numa reunião
com o (deputado e vice-líder do governo) Silvio Costa e outros parlamentares.
Fui e participei do jantar. Minha posição foi de conselheiro, digamos assim, de
consultor jurídico gratuito. E eu faço isso há muito tempo.
BBC Brasil: E houve encontro entre você,
Maranhão e Cardozo?
Dino: Nós tivemos domingo à noite na
casa do Silvio Costa. O Zé Eduardo foi chamado no final da conversa.
BBC Brasil: Não pode parecer estranho
que o presidente da Câmara tome uma decisão favorável ao governo um dia após se
reunir com o Cardozo?
Dino: Não porque o Cardozo era o autor
do recurso e ele é o advogado-geral da União. É um recurso administrativo em
que não há uma outra parte. Ele não ouviu só a mim e ao Cardozo, ouviu outros
parlamentares, muita gente.
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