Alan Mansur, do Ministério
Público Federal do Pará, avalia que Lava Jato podia não ter dado certo no
Brasil de 15 anos atrás.

POR JULIA AFFONSO
O Estado de São Paulo
A delação premiada, alma da
Operação Lava Jato – mais de 55 acordos já foram firmados -, é uma importante
ferramenta contra o crime do colarinho branco. Para o procurador da República
Alan Mansur, do Ministério Público do Pará, a colaboração ‘quebra a ética do
crime’.
“Aquelas pessoas que cometem
crimes, principalmente de colarinho branco, que tem uma ética muito fechada, de
cumplicidade, hoje se vê que a delação é uma coisa que vem quebrar essa ética
do crime. Essas pessoas estão muito preocupadas que o Brasil consiga esclarecer
esse tipo de criminalidade”, destaca Alan Mansur.
As consequências das delações da
Lava Jato têm se mostrado tão impactantes que alguns projetos de lei pretendem
limitar os acordos. Um deles, o PL 4372/2016, impõe como condição para a
homologação judicial da colaboração premiada o investigado estar respondendo em
liberdade ao processo ou à investigação.
“Acho que existem vários
movimentos nacionais, de alguns parlamentares e algumas pessoas prejudicadas
que tentam atentar contra a Lava Jato e outras iniciativas de combate à
corrupção nacional. Essa não é uma coincidência, de que há vários projetos de
lei com tentativas de diminuir a capacidade de investigação, nesse caso, de
impedir a delação de quem tá preso, que impede o exercício do direito de quem
tá preso. Quem está preso vai ter menos direito de defesa, neste caso, de
entregar as pessoas, os demais responsáveis pelo caso, do que quem tá solto.
Não tem lógica nenhuma”, afirma.
O procurador também aponta para
a vigilância que a sociedade tem feito às investigações sobre corrupção, classificada
como ‘fundamental’. Alan Mansur afirma que a cobrança popular ‘tem grande
participação e melhora do sistema criminal brasileiro, na agilidade e em uma
atuação muito mais firme de todos os envolvidos nisso’.
“Essa vigilância da sociedade é
o motivo que a gente tem hoje um melhor combate à corrupção. A Lava Jato, não
sei se teria espaço no Brasil há 15 anos atrás, no sentido da sociedade
vigilante”, diz.
LEIA
A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA
ESTADÃO:
A Operação Mãos Limpas sofreu com reformas do Legislativo na Itália. No Brasil
alguns projetos chegaram ao Congresso na tentativa de restringir investigações.
Um deles é o que tenta alterar a lei da delação premiada. É uma ofensiva contra
a Lava Jato?
PROCURADOR DA REPÚBLICA ALAN
MANSUR: Eu acho que existem vários movimentos nacionais, de alguns
parlamentares e algumas pessoas prejudicadas que tentam atentar contra a Lava
Jato e outras iniciativas de combate à corrupção nacional. Essa não é uma coincidência,
de que há vários projetos de lei com tentativas de diminuir a capacidade de
investigação, nesse caso, de impedir a delação de quem tá preso, que impede o
exercício do direito de quem tá preso. Quem está preso vai ter menos direito de
defesa, neste caso, de entregar as pessoas, os demais responsáveis pelo caso,
do que quem tá solto. Não tem lógica nenhuma. Eu acredito que essas iniciativas
estão nesse bolo de tentar frear medidas de investigação. Evidentemente, a mais
importante delas hoje é a Lava Jato. Mas tem outras a Zelotes, tem operações em
todo lugar do Brasil, que vão afetando prefeitos, deputados. Isso aparenta
muito com o que aconteceu na Itália, pós Operação Mãos Limpas. Claro que a
realidade do Brasil é diferente da Itália. A gente não pode fazer uma mistura
igual. Mas certamente muitas medidas na Itália vieram prejudicar as
investigações e o combate à corrupção. Muitas vezes, não a iniciativa da pessoa
que a apresentou o projeto seja de má fé, mas certamente muitas pessoas estão
apoiando esse grupo prejudicado com a Lava Jato e frear a Lava Jato e as
investigações que estão acontecendo neste momento e as que virão. Aquelas
pessoas que cometem crimes, principalmente de colarinho branco, que tem uma
ética muito fechada, de cumplicidade, hoje se vê que a delação é uma coisa que
vem quebrar essa ética do crime. Essas pessoas estão muito preocupadas que o
Brasil consiga esclarecer esse tipo de criminalidade.
ESTADÃO:
A delação premiada é um bom instrumento contra o crime do colarinho branco?
ALAN MANSUR: É um instrumento
fundamental, decisivo contra o crime do colarinho branco, que não deixa rastro.
Muitas vezes é feito em casas, apartamentos, não passa recibo. Ninguém passa
recibo de propina. É necessário que haja pessoas que tenham participado do
crime e que possam esclarecer as informações ao Ministério Público, Polícia
Federal. A delação só pela delação não tem eficácia probatória muito forte. Ele
vai trazer dados, movimentação bancária, gravações, arquivos de computador,
assinaturas, comprovações de que aquela reunião feita naquele restaurante de
fato aconteceu, uma série de documentos. A delação isoladamente não tem força
probatória, porque é uma declaração do réu. Agora quando esse réu traz
elementos, documentos, provas, aí, sim, se torna uma prova robusta para que o
Ministério Público possa propor as medidas legais, dando o benefício legal,
muitas vezes diminuição da pena, mas também esclarecendo toda a organização
criminosa. É sintomático que a Lei, de 2013, agora a gente tenha uma grande
linha de delações. Só com a delação premiada, o termo correto é colaboração
premiada, se consegue uma eficácia maior para crimes de colarinho branco, para
quebrar essa ética criminosa.
ESTADÃO:
Colegas seus da Lava Jato avaliam que a corrupção no Brasil é endêmica. Qual é
a sua avaliação?
ALAN MANSUR: O sentimento que a
gente tem é que a corrupção não é privilégio de partido A ou partido B. A
corrupção é algo que, infelizmente, está em vários locais, vários governos,
órgãos públicos. O corrupto, muitas vezes, se aproveita da fragilidade do
sistema de controle prévio quanto do sistema criminal posterior de repressão.
Ele faz o cálculo: a corrupção vale a pena, porque meu antecessor foi corrupto,
conseguiu enriquecer, e eu vou fazer a mesma coisa e não vai pegar nada para
mim. Esse raciocínio muitas vezes se coloca na prática. A corrupção acaba sendo
facilitada pelo sistema fraco de controle que o Brasil tem hoje em vários
momentos e vários lugares.
ESTADÃO:
O projeto 10 medidas está parado na Câmara. A que o sr. atribui essa paralisia?
Isto preocupa?
ALAN MANSUR: Preocupa. São
projetos que foram apresentados pelo Ministério Público Federal, mas são
projetos da sociedade, já temos mais de 2 milhões de assinaturas. É prejudicial
esse tipo de paralisação, falta só a assinatura do presidente da Câmara para
que seja criada a Comissão especial para avaliar o projeto. É um pacote
anticorrupção que precisa ser aprovado para que a gente tenha um aperfeiçoamento
e uma agilidade na prestação jurisdicional na área criminal, para um processo
mais rápido e eficaz. Quando é rápido e eficaz o processo penal, como as ’10
Medidas’ visam apresentar, é bom porque pune mais rápido o criminoso, mas
também absolve mais rápido aquela pessoa que responde ao processo penal e que
seja inocente. É bom para todo mundo. O inocente que está sendo processado vai
ter uma resposta mais rápida e vai se livrar daquilo.
ESTADÃO:
O sr acha que a sociedade está mais vigilante? O apoio popular tem sido
importante para as investigações contra a corrupção avançarem?
ALAN MANSUR: Acredito que sim.
Hoje o controle social é quase que online. As pessoas têm voz, têm opinião, se
utilizam de jornais, da mídia convencional, mas também de redes sociais, de
blogs. A sociedade está cada vez mais bem informada e cobrando as informações.
Eu acho que essa vigilância da sociedade é o motivo que a gente tem hoje um
melhor combate à corrupção. A Lava Jato, não sei se teria espaço no Brasil há
15 anos atrás, no sentido da sociedade vigilante. A sociedade vigilante
cobrando e exigindo uma resposta rápida certamente tem grande participação e
melhora do sistema criminal brasileiro, na agilidade e em uma atuação muito
mais firme de todos os envolvidos nisso. A sociedade é fundamental. Neste
ponto, acho que a sociedade está se aperfeiçoando, com mais instrumentos de
transparência na internet, com buscas, todo mundo sabe exatamente o que o
governo gasta o dinheiro, pode questionar como o governo gasta o dinheiro e
isto é importante.
ESTADÃO:
Prisão e confisco de bens não inibem os corruptos? Qual a saída?
ALAN MANSUR: A corrupção de
forma geral tem vários fatores, sociais, de educação, de formação, de
cidadania. Mudar a cultura é muito complicado. Só prisão e confisco, sem a
mudança cultural, sem mudança da legislação, como o Ministério Público defende
nas ’10 Medidas’, sem reformas estruturais de órgãos públicos também,… Quando
as pessoas sentem que essa repreensão penal, com confisco e prisão, acontece,
certamente vai haver uma mudança cultural maior. As pessoas vão sentir que o
Estado está funcionando e isso vai ser uma resposta muito interessante. Isso
traz algumas outras medidas. Por exemplo, uma prática que não existia no
Brasil, o compliance. A Petrobrás, até 2014, não tinha sistema de compliance,
que é o controle interno das empresas. A partir da Lava Jato, a Petrobrás
começou a adotar o compliance. O compliance permite que haja um setor interno
daquela empresa que possa conhecer tudo o que acontece na empresa, fiscalizar
internamente, antes que o problema surja. É uma análise preventiva. Isso é uma coisa
importante que talvez em algum momento vá diminuir o tipo de crime e a forma. A
prisão e o confisco são importantes, sim, no combate à corrupção.
ESTADÃO:
A eleição de outubro não terá financiamento privado de campanha. O sr acha que
haverá problemas por causa disso? Como vê o pleito?
ALAN MANSUR: É uma interrogação.
Todos os trabalhos eleitorais, nós imaginamos que vai ser uma nova forma de
fazer campanha. Não vai ter formalmente financiamento privado de empresas. As
pessoas físicas podem doar. As eleições do TSE estabelecem um limite para cada
cargo, vereador ou prefeito. O que se imagina que pode haver de fraude? Uma
pulverização de gastos em CPFs de laranjas para que justifique aquele dinheiro
vindo de fonte ilegal, essa é uma possibilidade. Outra também que se imagina é
que como a campanha diminuiu o número de dias vai ser uma campanha mais barata.
Essa é uma perspectiva otimista. Não sei se vai ter um barateamento tão grande
das campanhas eleitorais no Brasil. O que pode haver é que alguns candidatos
vão continuar gastando muito mais do que o limite, não vão colocar os valores
lá, vão continuar fazendo caixa 2 e cabe ao Ministério Público e a Justiça
combaterem esse tipo de prática e fazer ações de abuso de poder econômico.
ESTADÃO:
Que tipo de malfeito na gestão pública é mais comum no Pará?
ALAN MANSUR: A gente tem falta
de prestação de contas de recursos federais, corrupção pelo superfaturamento de
obras públicas e corrupção em geral – propina para que aquela obra seja feita,
direcionamento de licitação.
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