"O teto é baixo e bem rigoroso. Isso por um lado é pedagógico, propicia uma reinvenção na forma de abordagem entre candidato e eleitor, na forma de expor ideias, apresentar propostas. Por outro lado, potencializa o caixa dois"

MÁRCIO FALCÃO
AGUIRRE TALENTO
FOLHA DE S. PAULO/DE BRASÍLIA
O vice-procurador-geral
eleitoral, Nicolao Dino, defendeu, em entrevista à Folha, que o Congresso faça
nova reforma política após as eleições municipais de outubro e, dentre as
medidas a serem implantadas, limite a criação de partidos.
Dino afirmou ainda que a disputa
eleitoral deste ano será um teste para ajustes no sistema, mas apontou ser
contrário ao reestabelecimento do financiamento empresarial de campanhas.
Confira a íntegra da entrevista.
Folha
- A principal mudança na eleição é o financiamento?
Nicolao Dino - O que tem mais
impacto é o rigor mais evidente no que se refere ao financiamento de campanha.
Vai ser uma boa experiência para verificar se essa é a opção correta. De
partida, eu acho que o não financiamento de pessoa jurídica já é uma boa pedida.
Como
avalia o financiamento misto, com limites para doação de empresa?
O ideal seria não haver doação
de pessoas jurídicas. Por várias razões: eu acho que em uma linha de concepção
de funcionamento do Estado, o titular da soberania é o povo, são as pessoas. O
eleitor, o cidadão é o principal protagonista da cena eleitoral, ele escolhe,
delega, constitui mandatos. [...] A doação por pessoa jurídica favorece o toma
lá, dá cá. Há uma expectativa de retorno de obtenção de vantagem futura e isso
é o ponto de partida para os problemas com os quais estamos convivendo hoje na
nossa democracia. É um caminho acertado a vedação de doação de pessoa jurídica.
Com
essas mudanças, o senhor vê risco no aumento de caixa dois?
É uma preocupação. Não só pela
limitação da pessoa jurídica, mas pelo limitador do financiamento em si, o teto
de gasto. O teto é baixo e bem rigoroso. Isso por um lado é pedagógico,
propicia uma reinvenção na forma de abordagem entre candidato e eleitor, na
forma de expor ideias, apresentar propostas. Por outro lado, potencializa o
caixa dois. O que nos leva a um problema de início que é o problema de modelo
das campanhas. Institui-se em algum momento em nosso país que a campanha boa é
a campanha rica, que tenha profusão de dinheiro. Isso não me parece correto.
O
Ministério Público consegue rastrear o caixa dois sem uma confissão?
É possível. Para que isso se dê,
alguns passos foram adotados para esta eleição, com o compartilhamento de
informações sobre movimentações financeiras, cruzamento de bancos de dados que
apontam movimentação de recursos. Para isso, o Ministério Público estabeleceu
acordo de cooperação com o TSE, e o TSE com vários órgãos públicos: Coaf,
Receita Federal. Eu quero crer que com essa rede que se estabelece nós teremos
mais condições de reprimir o caixa dois.
Se
houver um fracasso na mudança para essas eleições, o senhor acha possível
remodelar tudo novamente?
Eu acho que essa eleição com
esse modelo de arrecadação e financiamento vai ser um bom momento de
experiência e certamente vai nortear o Parlamento no ano que vem no que se
refere às alterações a serem implementadas.
Acha
que há abuso no uso do fundo partidário? O Estado realmente tem que bancar os
partidos?
A questão não é bancar os
partidos. É dever primário do Estado garantir o funcionamento da democracia, e
se a democracia se viabiliza a partir de partidos políticos, é intuitivo que os
partidos devam funcionar a partir de dinheiro que vem para um fundo público,
que é o fundo partidário. O problema é o mau uso do dinheiro.
A
questão aí seria o número de partidos?
Sim, esse é um ponto importante.
A adoção de uma cláusula de barreira ao funcionamento partidário é um tema
importante. O Congresso vai pensar certamente sobre isso. Há um número imenso
de partidos políticos e muitos sem representatividade mais consistente. Não sei
até que ponto essa profusão de partidos políticos é saudável para a democracia.
Voltando
ao fundo partidário, acredita que precisaria ter regras mais rígidas para
cobrar dos partidos a devolução desses recursos?
Poderia haver mais rigor na
legislação em relação à utilização desses recursos, inclusive no que se refere
às consequências para o partido na irregularidade da aplicação dos recursos,
inclusive com consequências para o seu funcionamento nas eleições seguintes. A lei deveria instituir sanções
mais rigorosas aos partidos políticos.
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