Levantamento do GLOBO analisou
as últimas folhas salariais dos 13.790 servidores da Justiça comum
POR
EDUARDO BRESCIANI / ANDRÉ DE SOUZA
O
Globo
BRASÍLIA
- Três de cada quatro juízes brasileiros receberam remunerações acima do teto
constitucional, revela levantamento feito pelo GLOBO analisando as últimas
folhas salariais dos 13.790 magistrados da Justiça comum brasileira, a maioria
de agosto. São 10.765 juízes, desembargadores e ministros do Superior Tribunal
de Justiça que tiveram vencimentos maiores do que os R$ 33.763 pagos aos
ministros do Supremo Tribunal Federal. Pela Constituição, esse deveria ser o
maior valor pago aos servidores, e lá está expresso que nesse limite estão
incluídas “vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza”.
Para
driblar o teto, porém, os tribunais pagam aos magistrados recursos a títulos
variados de “indenizações”, “vantagens” e “gratificações”, com respaldo legal
dado por decisões do próprio Judiciário ou resoluções dos conselhos Nacional de
Justiça (CNJ) e da Justiça Federal (CFJ), que têm a atribuição de fiscalizar
esse poder.
O
levantamento revela que a média das remunerações recebidas por magistrados da
Justiça comum é de R$ 39,2 mil. Esse valor exclui, quando informado pelas
cortes, os pagamentos a que fazem jus todos os servidores dos Três Poderes:
férias, 13º salário e abono permanência, montante pago a todo servidor que
segue na ativa mesmo já podendo ter se aposentado.
MÉDIA DE RENDIMENTOS DE R$ 39,4
MIL
A
média dos rendimentos nos tribunais estaduais ficou em R$ 39,4 mil, acima da
obtida na Justiça Federal, de R$ 38,3 mil. No entanto, no âmbito federal nove
em cada dez magistrados (89,18%) ultrapassaram o limite constitucional,
percentual maior que os 76,48% registrados nos tribunais estaduais. No STJ, 17
dos 31 ministros receberam mais do que os ministros do STF, graças a
indenizações como auxílio-moradia e ajuda de custo.
Um
grupo seleto de cortes chama atenção pela vastidão do descumprimento: nos
tribunais de Justiça de Distrito Federal, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Minas
Gerais, e no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que tem sede no Recife
(PE) e abrange seis estados do Nordeste, mais de 99% dos magistrados recebem
vencimentos acima do recebido pelos ministros do Supremo. Por outro lado,
apenas em dois estados, Bahia e Pernambuco, menos da metade dos magistrados
recebe acima do teto. Além disso, são os dois únicos tribunais em que a média
dos vencimentos ficou abaixo dos R$ 33.763 obtidos pelos ministros da Suprema
Corte.
A
maior média foi registrada em Sergipe, com R$ 54 mil, seguido de Mato Grosso do
Sul e Mato Grosso. Nesses casos, porém, os tribunais recusaram-se a informar
quais magistrados receberam férias, antecipação do 13º salário ou abono
permanência em agosto, o que pode levar à redução na média dos vencimentos.
Entre os que forneceram os dados detalhadamente, Rondônia foi o estado que
pagou as maiores remunerações, com média de R$ 41,2 mil por magistrado.
O
levantamento identificou dezenas de casos de magistrados país afora que
ultrapassaram R$ 70 mil em vencimentos (mais que o dobro do teto) e até um
desembargador, em Rondônia, que ganhou R$ 111.132,44, acumulando gratificações,
licença não gozada convertida em salário extra, e pagamentos retroativos de
auxílio-moradia. Trata-se do maior vencimento entre os estados que detalham o
pagamento de férias, 13º e abono. Entre as cortes que não subdividem as
informações, o recorde ficou com Sergipe, onde um desembargador recebeu em
agosto R$ 141.082,20 — isso após serem descontados R$ 4.325,89, a título de
“abate-teto”.
No
Rio, descontados os que receberam férias, a maior remuneração foi de um juiz de
Valença: R$ 62,9 mil. Ele teve direito a gratificações por acumular a função em
mais de uma vara e por ministrar aula na Escola Superior de Administração
Judiciária, que pertence à Corte. Há ainda o caso de nove desembargadores e uma
juíza que receberam mais de R$ 60 mil. O tribunal não identificou o tipo de
vantagens que formaram esses vencimentos.
DRIBLE MAIOR ENTRE DESEMBARGADORES
Quando
se observam só os desembargadores, verifica-se que a norma constitucional do
teto vem sendo driblada de forma ainda mais frequente. Só 51 dos 1.671
desembargadores do Brasil receberam nas folhas analisadas remunerações abaixo
do teto. A média dos vencimentos dos desembargadores foi de R$ 46,6 mil. Em 13
estados e em três dos cinco tribunais federais, todos receberam mais do que os
ministros do STF. Em 11 estados e em outro tribunal federal, mais de 90% dos
desembargadores ficaram acima dos R$ 33.763. Entre os juízes, foram 75,5% os
que receberam mais do que os ministros do STF, com média de vencimento de R$
38,2 mil.
Atual
secretário do Programa de Parceria de Investimentos do governo federal, o
ex-deputado Moreira Franco foi o responsável por relatar a emenda
constitucional que fixou o teto, promulgada em 1998. Ele ressalta que a
intenção era justamente evitar que fossem utilizadas manobras para aumentar os
vencimentos.
—
Lembro que eu sempre insistia: teto é teto, não pode ter claraboia. Com o
tempo, e uma certa leniência com o rigor na fiscalização, foi se gerando essa
deformação. As categorias mais vinculadas ao mundo jurídico foram incorporando
muitas vantagens; em alguns estados, chega-se a ter dois contracheques para tentar
evitar o teto — disse Moreira, referindo-se a fato que ainda hoje ocorre no
Mato Grosso do Sul.
Ex-ministra
do STJ e ex-conselheira do CNJ, Eliana Calmon se destacou ao fazer críticas às
tentativas de driblar o teto quando ainda estava na ativa:
— Isso
acaba desgastando a imagem do Judiciário. Auxílio-moradia: todo mundo mora. Por
que o juiz vai receber? Auxílio-alimentação: todo mundo se alimenta. Por que só
o juiz vai receber? Então é ridículo. E isso desmerece o Judiciário.
Ela
recorda que sofreu forte resistência dos juízes federais quando, em 2013, deu o
voto que levou o Conselho da Justiça Federal a rejeitar o pagamento de
auxílio-moradia a esses magistrados.
— Os
juízes entendiam que os salários estavam congelados e precisavam de aumento. Como
o governo não dava aumento, então se arranjaram esses penduricalhos — afirmou
Eliana Calmon.
LEVANTAMENTO CUIDADOSO NAS
CORTES
Para
conseguir realizar uma radiografia das remunerações pagas aos juízes, O GLOBO
debruçou-se durante cinco semanas sobre as folhas de pagamentos de 13.790
magistrados da Justiça comum brasileira. Trata-se não apenas dos 27 tribunais
de Justiça dos estados e do Distrito Federal, mas também do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) e dos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs) e suas 27
seções judiciárias, responsáveis por abrigar as ações que envolvam direta ou
indiretamente a União.
Foram
verificadas as últimas folhas salariais que estavam disponíveis nos portais de
transparência dos tribunais em 15 de setembro, quando o trabalho foi iniciado.
A maioria delas era relativa aos vencimentos do mês de agosto. Como em diversos
portais não há a possibilidade de consultar a folha de pagamentos de forma
integral, foi necessário, nesses casos, fazer a coleta individual dos dados
sobre cada magistrado.
Para
evitar distorções, foram retirados da base de cálculo, sempre que possível, os
adicionais a que todos os servidores públicos têm direito: férias, 13º salário
e o chamado “abono permanência”, valor pago aos funcionários que já teriam
direito a se aposentar e permanecem na ativa. São, inclusive, os únicos
benefícios adicionais pagos aos ministros do STF.
Todos
os tribunais foram procurados há cerca de duas semanas para que informassem
detalhadamente os gastos com esses três itens. No entanto, 15 tribunais de
Justiça estaduais se negaram a fornecer essas informações individualizadas.
Há na
base de cálculo de todas as cortes alguns benefícios eventuais, pagos a
magistrados em um mês específico, mas que não significam que estarão
permanentemente atrelados a seus vencimentos. É o caso, por exemplo, de
licença-prêmio, ajuda de custo para quem mudar de cidade e pagamentos
adicionais por substituição de outros magistrados e convocações.
No
entanto, esse tipo de benefício foi contabilizado, pois muitas delas são
vantagens que não se aplicam ao funcionalismo em geral. Além disso, esses pagamentos
são práticas dos tribunais mês após mês, ainda que se alternem os
beneficiários.
POLÊMICA NO PARANÁ
O
debate sobre a remuneração de magistrados no Paraná levou profissionais da
“Gazeta do Povo” a uma verdadeira peregrinação por fóruns no primeiro semestre
deste ano. Após publicarem reportagens sobre o tema, a equipe foi alvo de 48
processos e teve de participar, em três meses, de 25 audiências. O périplo só
foi encerrado quando a ministra Rosa Weber reconsiderou uma decisão anterior e
concedeu uma liminar suspendendo todos os processos até que o Supremo Tribunal
Federal (STF) analisasse o caso.
Os
magistrados paranaenses desejavam receber indenizações por terem tido seus
nomes citados no material, que apontava a existência de pagamentos acima do teto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário