"Em menos de 24 horas, todo aquele respaldo que ele me havia garantido, ele me retira. Me determina que eu criasse uma manobra, um artifício, uma chicana, como se diz no mundo jurídico, para que o caso fosse levado à AGU", disse Calero ao "Fantástico".
Jaílton
de Carvalho e Isabel Braga
O
Globo
BRASÍLIA - O ex-ministro da Cultura
Marcelo Calero acusou o presidente Michel Temer de propor que fosse feita uma
"chicana", manobra jurídica para conseguir, via Advocacia-Geral da
União (AGU), uma decisão que fosse boa "para todos" no caso do
embargo proposto pelo Instituto Nacional do Patrimônio Artístico Nacional
(Iphan) à construção do edifício La Vue, em Salvador, onde o ex-ministro Geddel
Vieira Lima tinha comprado um apartamento. Em entrevista ao
"Fantástico", da Rede Globo, Calero contou que a orientação de Temer
foi dada numa reunião para a qual o presidente o havia convocado no Palácio do
Planalto.
Um dia antes dessa reunião, ao receber o
primeiro relato de Calero sobre a questão, Temer teria dado outra orientação,
dizendo que não era preciso atender ao pleito de Geddel.
- Em menos de 24 horas, todo aquele
respaldo que ele me havia garantido, ele me retira. Me determina que eu criasse
uma manobra, um artifício, uma chicana, como se diz no mundo jurídico, para que
o caso fosse levado à AGU - disse Calero ao "Fantástico".
A interferência da AGU no caso seria uma
tentativa de revogar decisão da direção nacional do Iphan, que mandou parar a
obra por questões de preservação do patrimônio em Salvador, depois que a
representação do órgão na Bahia, controlada por Geddel, havia liberado a
construção do prédio de 31 andares.
Calero disse que gravou uma ligação
telefônica que fez a Temer para pedir demissão, mas assegurou que a conversa é
formal. O ex-ministro evitou confirmar se também gravou conversas telefônicas
com Geddel e o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, mas fontes ouvidas pelo
GLOBO confirmam que Calero usou um gravador digital para registrar conversas
com Temer, o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e Geddel.
As conversas estão sendo transcritas
pela Polícia Federal e deverão servir de base para futura decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) sobre pedido de investigação de Geddel por suposta advocacia
administrativa, entre outros crimes. O STF deverá decidir se a investigação é
extensiva a Padilha e Temer.
Ontem, antes de a entrevista do
ex-ministro ser divulgada, Temer classificou de indigna a decisão de Calero de
gravar secretamente uma das conversas que os dois tiveram sobre o assunto.
- Com toda franqueza, gravar
clandestinamente, sempre algo desarrazoável, é indigno. Um ministro gravar o
presidente da República é gravíssimo - disse Temer. - Se gravou, eu espero que
essa gravação logo venha à luz, vou exigir que venha à luz. Vocês sabem que sou
cuidadoso nas palavras, jamais diria algo inadequado.
Apesar de dizer que não defendeu nenhum
interesse privado do ex-ministro Geddel, Temer admitiu que soube que ele era
dono de um apartamento do La Vue na quinta-feira da semana retrasada, um dia
antes de Marcelo Calero se demitir do Ministério da Cultura. O apartamento de
Geddel estaria avaliado em mais de R$ 2 milhões.
- Eu não estava patrocinando nenhum
interesse privado, data venia - disse.
O presidente disse que, a partir de
agora, examinará se pede ao Gabinete de Segurança Institucional para gravar
todas as suas audiências. Afirmou ainda que está analisando nomes para substituir
Geddel na Secretaria de Governo.
- O perfil será com alguém de lisura
absoluta; por outro lado, alguém que tenha uma boa interlocução com o Congresso
- disse.
Ao "Fantástico", Calero
rebateu as acusações de que agiu errado ao gravar as conversas:
- Eu vi algumas declarações dizendo que
eu teria sido desleal. Eu acho que o servidor público tem que ser leal, mas não
pode ser cúmplice. Leal, mas não cúmplice.
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