Por
NAIEF HADDAD
FOLHA
DE SAO PAULO
Uma passada de olhos sobre uma livraria
deixa ver "A República da Propina" em meio a biografias do juiz
Sérgio Moro. Pode parecer mais uma obra lançada em virtude do barulho da Lava
Jato. Não é o caso, porém.
Advogado especialista em direito
eleitoral e um dos criadores da Lei da Ficha Limpa, Márlon Reis esbarra na
promiscuidade das relações entre políticos e empresários, comportamento que
está no centro das investigações da força-tarefa de Curitiba. Mas não está aí
seu principal alvo.
Como diz nas primeiras linhas do
prefácio, "somos culpados pela eleição das pessoas que deploramos".
Ou seja, a realidade política brasileira também é fruto da leviandade dos
eleitores, seja por desatenção, seja por oportunismo, principalmente.
O livro ganha interesse ao explorar
episódios insólitos que Márlon tem acompanhado de perto há quase 20 anos.
Esses casos não surgem em
livro-reportagem ou obra acadêmica. Aparecem por meio da história de Cacá
Furtado, sujeito graduado em geografia que entra para o serviço público
disposto a agir com o rigor imposto por uma consciência moldada no centro
acadêmico da faculdade.
Não demora, contudo, para que suas
convicções arrefeçam. Torna-se assessor do deputado Cândido Espinheira em um
primeiro passo de ascensão na carreira política.
Ainda que nomes, locais e datas sejam
fictícios, os episódios não vêm da imaginação do autor.
Em um deles, Dona Esmeralda prometeu
votar em Tibiriçá, candidato a prefeito, desde que recebesse um tanque de lavar
roupa. Ganhou.
Após a derrota nas urnas, Tibiriçá soube
que ela estava na festa da vitória do adversário. Transtornado, ordenou que
seus capangas acertassem as contas com Dona Esmeralda, que dizia, aos berros,
que era sua irmã gêmea, Ametista, quem festejava.
Não adiantou. Além de arrancar o tanque,
os brucutus mataram os gatos da mulher.
Embora sejam frequentes, casos assim não
são os mais eficientes. Esse é o varejo, mas, como ensina Cacá Furtado, é
preciso operar no atacado. "Como se compram votos de baciada? Aliciando
pessoas influentes na comunidade", diz o personagem.
A partir desse ponto, Furtado se
relaciona com o que chama de "intermediários", especialmente
sindicalistas, líderes evangélicos e blogueiros, cujas estratégias de
manipulação são distintas, mas igualmente detestáveis.
A bem da verdade, "República da
Propina" incomoda com platitudes. "Aqui, convivemos dia a dia com
amostras de que ser honesto equivale a ser otário" é uma delas.
Mas prevalece a capacidade de
surpreender e esclarecer o leitor sobre um sistema danoso de troca de favores.
Iniciativas para alterar esse quadro
podem nascer da sociedade civil, como aconteceu com a Ficha Limpa. Mas a adesão
do Poder Executivo faria a diferença. FHC, Lula e Dilma prometeram reformas
políticas, mas os avanços foram tímidos. Temer fará algo?
A REPÚBLICA DA PROPINA
AUTOR Márlon Reis
EDITORA Planeta
QUANTO R$ 35 (173 págs.)
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