Corte
formou maioria para declarar inconstitucionais as batidas em universidades às
vésperas da eleição
Os ministros do Supremo Tribunal
Federal, por unanimidade, enviaram uma forte mensagem nesta quarta-feira contra
o autoritarismo e a repressão, por parte do Estado, das liberdades de expressão
e acadêmica.
A Corte declarou inconstitucionais
várias ações realizadas a pedido de Tribunais Regionais Eleitorais em ao menos
35 universidades às vésperas da eleição. Sob a justificativa de coibir
propaganda eleitoral irregular, estas batidas apreenderam material que não
mencionava candidatos, impediram a realização de aulas, debates e interrogaram
professores e alunos.
A maioria das operações visou material
de cunho antifascista, tema frequentemente associado ao presidente eleito Jair
Bolsonaro (PSL). "Estas práticas contrariam a Constituição (...)
Dificultar a manifestação plural de pensamento é amordaçar professores e
alunos. A única força que deve ingressar nas universidades é a força das
ideias", afirmou a ministra Cármen Lúcia.
Quando a sessão foi encerrada, oito
ministros tinham acompanhado o voto de Lúcia, relatora do processo, formando
unanimidade e definindo a questão. Vários magistrados criticaram as ações
dentro das universidades, fazendo comparações com a ditadura militar
(1964-1985) e com o nazismo. Lúcia afirmou que todos sabem que "onde vai
dar [este tipo de ação] não é o caminho do direito democrático", e que o
"exercício de autoridade não pode se transformar em ato de
autoritarismo".
As declarações se carregaram de peso
político na primeira sessão do STF desde a eleição de Bolsonaro, que é o
defensor o regime militar e cujo filho afirmou, em julho, que bastaria "um
cabo e um soldado" para fechar a corte –o presidente eleito se desculpou e
disse buscar a harmonia entre os Poderes.
A decisão do Supremo também aconteceu no
mesmo dia em que foi retomada em uma comissão da Câmara a análise do projeto
"Escola Sem Partido", defendido por Bolsonaro e aliados, que pretende
impor várias restrições ao que se pode ou não ensinar em sala de aula,
especialmente em temas ligados à educação sexual, à história e à política. Os
analistas projetam que o Supremo vai ser espécie de dique de contenção contra
eventuais propostas extremas do futuro Governo e proposta para ensino está
entre elas.
O Supremo analisou o assunto porque na
sexta-feira a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, protocolou um
pedido de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, pedindo a
nulidade destas ações de agentes do Estado nos campi.
No dia seguinte, Cármen Lúcia concedeu a
liminar, afirmando que o tema seria discutido posteriormente no plenário da
corte. A inclusão do tema tão prontamente na pauta do Supremo, uma prerrogativa
do presidente Antonio Dias Toffoli, reforça a leitura de que os ministros
queriam falar publicamente sobre os temas.
Houve um rara sintonia em um plenário marcado
por divergências e rugas nos últimos tempos. Nesta quarta-feira, Gilmar Mendes
fez coro à Carmen Lúcia, e afirmou que "estes episódios ligados à presença
da polícia nas universidades trazem memórias tristes na história do
mundo".
"Basta lembrar a queima de livros
realizada em várias cidades da Alemanha em maio de 1933, de autores que não se
alinhavam com os ideias do regime nazista". Já Luís Roberto Barroso disse
“não serem razoáveis ou legítimas as cenas de policiais irrompendo em salas de
aula ou retirando faixas que refletem as opiniões dos alunos”, referindo-se a
um cartaz onde se lia "Direito contra o fascismo" retirado da
Universidade Federal Fluminense. Segundo ele, estes atos “remetem a um passado
que não queremos que volte”.
“Em nome da religião, da segurança
pública, do anticomunismo, da moral, da família, dos bons costumes ou outros
pretextos, a história brasileira na matéria tem sido assinalada pela
intolerância, pela perseguição e pelo cerceamento da liberdade”, seguiu
Barroso.
Mendes chegou a fazer uma crítica direta
à deputada estadual eleita Caroline Campagnolo, do PSL de Bolsonaro em Santa
Catarina, que montou uma plataforma para que alunos gravassem e
"denunciassem" seus professores em sala de aula. “A divulgação
massificada de vídeos com professores atentam contra liberdades acadêmicas e
tutelares”, afirmou o ministro.
"Necessitamos que [estas
iniciativas] sejam afastadas, são violação ostensiva das liberdades
constitucionais de ensino". Ele pediu que fosse incluído na votação um dispositivo
para evitar não apenas "intervenções do Estado" na liberdade
acadêmica, mas também "de entes privados" como no caso da parlamentar
eleita.
O ministro Alexandre de Moraes também
fez referência velada ao Escola Sem Partido. “Se o professor que falar sobre
nazismo, comunismo, ele tem o direito de falar, e os alunos têm o direito de
debater e questionar", afirmou o magistrado.
"Não é a autoridade pública que vai
exercer um filtro. Como uma autoridade pode proibir a realização de uma aula
que ainda irá ocorrer? Isso é censura prévia”, disse. O ministro disse ainda
que no Brasil existe um "ranço paternalista" do poder Judiciário
"de querer decidir o que o eleitor pode ou não pode saber". Ele
também elogiou um episódio ocorrido na Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, quando guardas civis metropolitanos foram impedidos por alunos,
professores e o diretor da universidade de retirar uma faixa antifascista.
"Foi um exemplo de reação da cidadania".
Informações do El País
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