Mensagens obtidas pelo site The
Intercept Brasil e analisadas por VEJA citam 'encontros fortuitos' entre
procurador e desembargador do TRF4
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Dallagnol, chefe da força-tarefa em Curitiba: “Tem como sondar se absolverão assad?” |
Por Fernando Molica, Glenn Greenwald,
João Pedroso, Leandro Resende e Roberta Padua
Há um mês o site The Intercept Brasil
começou a divulgar conversas comprometedoras e com claras transgressões à lei
entre o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e o ex-juiz Sergio Moro,
o atual ministro da Justiça. Tais diálogos eram travados fora dos autos e
dentro de um sistema de comunicação privada, o Telegram.
Em parceria com o site, VEJA publicou em
sua última edição uma reportagem de capa que mostra que a colaboração era ainda
maior do que se imaginava. Na prática, Moro atuava como o chefe da
força-tarefa, desequilibrando a balança da Justiça em favor da acusação. Um
novo pacote de conversas obtidas pelo Intercept e analisadas em parceria com
VEJA traz fortes indícios de que os diálogos impróprios dos procuradores nos
chats do Telegram também ocorreram com um dos membros do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF4), órgão encarregado de julgar em segunda instância
os processos da Lava-Jato em Curitiba.
O desembargador em questão é João Pedro
Gebran Neto, que atua como relator dos casos da operação. Parte dos diálogos
nos quais Gebran é citado se refere a Adir Assad, um dos operadores de propinas
da Petrobras e de governos estaduais, preso pela primeira vez em março de 2015.
Em setembro, ele acabou condenado pelo então juiz Sergio Moro a nove anos e dez
meses de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de
quadrilha.
Cinco meses antes do julgamento do caso em
segunda instância no TRF4, o procurador Deltan Dallagnol, chefe da
força-tarefa em Curitiba, comenta em um chat com outros colegas do MPF: “O
Gebran tá fazendo o voto e acha provas de autoria fracas em relação ao Assad”.
O assunto é tema de outra conversa, de 5 de junho de 2017, entre Dallagnol e o
procurador Carlos Augusto da Silva Cazarré, da força-tarefa da Procuradoria
Regional da República da 4ª Região, que atua junto ao TRF4. No diálogo,
ocorrido às vésperas do julgamento da apelação de Assad, Dallagnol mostra-se
novamente preocupado com a possibilidade de Gebran absolver o condenado.
Naquele momento, em paralelo, a
força-tarefa negociava com o condenado um acordo de delação (esse acordo seria
fechado em 21 de agosto de 2017). Daí a preocupação do MPF com a possibilidade
de Assad ser absolvido e voltar atrás nas conversas sobre delação.
No chat, Dallagnol aciona Cazarré, que
fica em Porto Alegre, sede do TRF4. “Cazarré, tem como sondar se absolverão
assad? (…) se for esse o caso, talvez fosse melhor pedir pra adiar agilizar o
acordo ao máximo para garantir a manutenção da condenação…”, escreve
Dallagnol. “Olha Quando falei com ele, há uns 2 meses, não achei q fisse (sic)
absolver… Acho difícil adiar”, responde Cazarré. Na sequência, Dallagnol volta
a citar Gebran: “Falei com ele umas duas vezes, em encontros fortuitos, e ele
mostrou preocupação em relação à prova de autoria sobre Assad…”. Dallagnol
termina pedindo ao colega que não comente com Gebran o episódio do encontro
fortuito “para evitar ruído”.
DELATOR – Adir Assad:
colaboração depois da condenação de Moro e Gebran
Nos chats, há sempre a possibilidade de os
participantes exagerarem situações ou se portarem de forma fanfarrona, fingindo
intimidade com pessoas importantes. Considerando-se, no entanto, o histórico
dos diálogos, nos quais fica evidente um grau indesejável de promiscuidade entre
autoridades que deveriam manter independência, é mais provável que as conversas
entre Dallagnol e Gebran tenham realmente acontecido. Se confirmada essa
hipótese, a falha é gravíssima.
“Um juiz, independente do grau em que
atue, jamais pode abrir seu voto antes de finalizá-lo, e a decisão só pode ser
comunicada nos autos”, afirma o criminalista Renato Stanziola Vieira, autor do
livro Paridade de Armas no Processo Penal. “Se eu sei que o desembargador está
achando fraca uma parte da minha tese, claro que vou tentar fortalecê-la. Ou
seja, saber antes do momento adequado o que o juiz está pensando sobre o caso
concreto coloca uma das partes em vantagem.”
As provas de autoria que Gebran, a
princípio, teria considerado “fracas” são depósitos feitos por ex-empresas de
Assad em contas do próprio Assad. O operador de propinas apresentava como álibi
o fato de já ter vendido as empresas à época em que foram usadas para escoar
dinheiro desviado da Petrobras. Ocorre que, apesar de não ser mais o dono
oficial, Assad continuava recebendo depósitos delas. Em sua sentença, Moro
concluiu que ele permanecia no comando e, portanto, deveria ser
responsabilizado. Em 27 de junho de 2017, Gebran confirmou a condenação de
Assad, e seu voto foi seguido pelos outros dois desembargadores da Oitava Turma
do TRF4. Às provas utilizadas na condenação de primeira instância, Gebran
acrescentou em sua decisão depoimentos da delação premiada do empreiteiro
Ricardo Pessoa — que ainda estava em sigilo quando Moro assinou a sua sentença.
Parece mais uma vez a Lava-Jato
desdobrando-se, a todo custo, para manter um criminoso na prisão (Assad cumpre
hoje pena em regime aberto). Uma parte dos brasileiros delicia-se com a frase
acima. O problema é que isso ocorre com indícios de atropelos da legalidade.
“Caso confirmadas as conversas, fica
evidente que Gebran atuou de forma absolutamente parcial. O aconselhamento de
partes é proibido pelo Código de Processo Penal e pode dar margem à suspeição e
anulação de processos”, afirma Breno Melaragno Costa, professor de direito da
PUC-Rio.
Procurado por VEJA, Dallagnol não quis se
manifestar sobre o caso. Gebran respondeu por e-mail às questões enviadas pela
revista. “Em relação ao réu Adir Assad (ou qualquer outro réu), trata-se de
questão processual e que somente autoriza manifestação nos autos, pelo que
nunca externei opinião ou antecipei minha convicção sobre qualquer processo em
julgamento.” Gebran e Dallagnol ainda fizeram questão de registrar que não
atestam a autenticidade dos diálogos.
O caso das conversas entre membros do MPF
e o desembargador do TRF4 reforça que, a despeito do incontestável sucesso
obtido pela Lava-Jato na condenação de políticos e empresários poderosos,
ocorreram irregularidades que não podem ser varridas para debaixo do tapete. A
luta contra a corrupção precisa continuar, mas sempre respeitando as normas
constitucionais.
Citado em um dos diálogos por Deltan Dallagnol,
que escreve para colegas do MPF “Aha uhu o Fachin é nosso” após um encontro
entre os dois, Edson Fachin, durante um evento no Paraná realizado no dia 8,
disse à plateia: “Ninguém está acima da lei, nem mesmo o legislador, nem o
julgador, muito menos o acusador”. O discurso parece sob medida para a dupla
Moro e Dallagnol — e pode servir também para Gebran.
Colaborou Victor Pougy
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