Uma das 3
promotoras do caso pediu para sair após repercussão de posts de apoio à
campanha de Bolsonaro em 2018. Corregedoria do MP instaurou procedimento para
análise das postagens. Em carta, ela citou 'reflexos negativos no ambiente
familiar e de trabalho'.
A promotora Carmen
Eliza Bastos de Carvalho pediu nesta sexta-feira (1º) o afastamento das
investigações do Ministério Público do Rio (MPRJ) sobre a morte de Marielle
Franco e Anderson Gomes, em 14 de março de 2018.
Carmen Eliza pediu
para deixar o caso após a repercussão de posts em redes sociais que mostram ela
apoiando a campanha do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro, em 2018. A
informação foi confirmada pelo MP e pela própria promotora, em carta aberta.
A
Corregedoria-Geral do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro instaurou
procedimento para análise das postagens de Carmen.
Saída um dia após
reunião tensa
Na noite de
quinta-feira (31), a cúpula do MP no Rio de Janeiro se reuniu para pedir o
afastamento. A TV Globo apurou que o encontro teve momentos tensos. O
afastamento de Carmen Eliza era dado como certo, mas a promotora se recusou a
sair do caso – é prerrogativa dos membros do MP decidir em quais investigações
desejam atuar.
No fim da tarde
desta sexta, a saída foi confirmada. Em nota, o MP disse que "reconhece o
zeloso trabalho" da promotora, "que nos últimos dias vem tendo sua
imparcialidade questionada (...) por exercer sua liberdade de expressão como cidadã".
A promotora Carmen
Eliza também divulgou um texto (leia a íntegra no fim da reportagem), no qual
diz que a "liberdade de expressão deve ser respeitada", que "um
promotor não perde seu direito de cidadão" e que, em 25 anos de carreira no
MP, "jamais" atuou sob "qualquer influência política ou
ideológica"
"Em razão das
lamentáveis tentativas de macular minha atuação séria e imparcial, em
verdadeira ofensiva de inspiração subalterna e flagrantemente ideológica, cujos
reflexos negativos alcançam o meu ambiente familiar e de trabalho, optei,
voluntariamente, por não mais atuar no Caso Marielle e Anderson", disse
Carmen Eliza.
Parentes de
Marielle e Anderson pediram permanência, diz MP
De acordo com o
Ministério Público, os pais de Marielle, Marinete da Silva e Antônio Francisco
da Silva, e a viúva de Anderson, Agatha Arnaus Reis, defenderam a permanência
de Carmen Eliza à frente do processo penal.
O MP diz ainda que
Carmen Eliza foi escolhida para o caso por "critérios técnicos" pela
sua "incontestável experiência" e pela "eficácia comprovada de
sua atuação em julgamentos no Tribunal do Júri".
A promotora foi
uma das três do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado
(Gaeco) que participou de uma entrevista coletiva sobre o caso na quarta-feira
(30). Na ocasião, elas afirmaram que um áudio provava que o ex-PM Élcio de
Queiroz, preso pelas execuções de Marielle e Anderson, teve sua entrada no
condomínio Vivendas da Barra, horas antes do crime, liberada pelo PM reformado
Ronnie Lessa, o outro preso pelos assassinatos.
Segundo as
promotoras, o áudio contradiz o que um porteiro que estava na guarita do
condomínio afirmou em dois depoimentos. Segundo o porteiro, ao chegar, Élcio
disse que ia para a casa 58, que pertence a Bolsonaro – Ronnie mora na casa 65.
Disse também que, ao interfonar, um homem que ele identificou como o "Seu Jair"
liberou a entrada.
O então deputado
Jair Bolsonaro estava em Brasília e marcou presença em duas votações na Câmara
dos Deputados, em horários muito próximos ao da chegada de Élcio ao condomínio
– por volta das 17h10. Portanto, segundo a investigação, não poderia estar no
condomínio e ter atendido o interfone.
Por citar o
presidente, o caso foi levado ao Supremo Tribunal Federal.
Nas redes, a
promotora também aparece ao lado do então candidato a deputado estadual pelo
PSL, Rodrigo Amorim, que ficou conhecido por quebrar uma placa em homenagem a
Marielle Franco durante um comício.
Carta aberta de
Carmen Eliza
"Tendo em
vista que alguns veículos de comunicação questionaram hoje (31/10) a
imparcialidade de minha atuação funcional no Caso Marielle e Anderson, venho
esclarecer que, como cidadã, exerço plenamente os direitos fundamentais a todos
assegurados pelo art. 5º da Constituição da República, com destaque para a
liberdade de expressão, que garante a livre manifestação de minha opção
política e ideológica.
A liberdade de
expressão deve ser por todos respeitada, pois somente assim podemos afirmar que
realmente vivemos em um Estado Democrático de Direito. É igualmente certo que a
opção política de cada pessoa, a exemplo de suas ideologias, deve ser exercida
no campo próprio, no legítimo exercício da cidadania. O Promotor de Justiça não
perde a sua qualidade de cidadão.
Durante toda a
minha vida funcional, que exerço há 25 anos no Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro, jamais atuei sob qualquer influência política ou ideológica.
Toda a minha atuação é pública e, portanto, o que afirmo pode ser constatado.
Sempre pautei
minha atividade profissional pela correta aplicação da lei, nunca me afastando,
por qualquer motivo, dos elementos do processo e da verdade dos fatos.
Trata-se de um
padrão existencial, delineado por uma atuação responsável e séria,
independentemente da opção política, religiosa e sexual do réu, da vítima ou de
qualquer outra pessoa envolvida na relação processual. Postura diversa
desonraria a atuação de um Promotor de Justiça.
Não há, nesses 25
anos, um só episódio que tenha sido apontado como comprometedor de minha
imparcialidade na atuação funcional. Ao contrário, são anos de luta isenta pela
punição de quem atenta contra o maior bem jurídico de cada um de nós: o direito
à vida.
A exemplo da vida,
a liberdade e a honra de todos nós devem ser igualmente respeitadas.
Nessa perspectiva,
em razão das lamentáveis tentativas de macular minha atuação séria e imparcial,
em verdadeira ofensiva de inspiração subalterna e flagrantemente ideológica,
cujos reflexos negativos alcançam o meu ambiente familiar e de trabalho, optei,
voluntariamente, por não mais atuar no Caso Marielle e Anderson.
Ressalto que fator
determinante para minha OPÇÃO de me afastar do caso reside no profundo respeito
aos pais da vítima, que já sofrem com a mais dura dor, que é a perda de um
filho. Não me permito que a esse sentimento se some qualquer intranquilidade
motivada pela condução da ação penal, que se espera exitosa."
O que diz o MP
"A
Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
(MPRJ) reconhece o zeloso trabalho exercido pela Promotora de Justiça Carmen
Eliza Bastos de Carvalho, que nos últimos dias vem tendo sua imparcialidade
questionada no que afeta sua atuação funcional, por exercer sua liberdade de
expressão como cidadã, nos termos do art. 5º da Constituição Federal. Assim
como Procuradores e Promotores de Justiça, no cumprimento diário de suas
funções, velam incansavelmente pela promoção dos Direitos Fundamentais, é
compromisso da Instituição defender o Estado Democrático de Direito e a livre
manifestação de pensamento, inclusive de seus membros.
O Grupo de Atuação
Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado do Rio
de Janeiro (GAECO/MPRJ) esclarece que as investigações que apontaram os
executores de Marielle Franco e Anderson Gomes foram conduzidas pelas
Promotoras de Justiça Simone Sibilio e Letícia Emile Petriz. Findas as
investigações, a Promotora de Justiça Carmen Eliza Bastos de Carvalho passou a
atuar na ação penal em que Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são réus, a partir do recebimento
da denúncia pelo 4ª Tribunal do Júri da Capital. Sua designação foi definida
por critérios técnicos, pela sua incontestável experiência e pela eficácia
comprovada de sua atuação em julgamentos no Tribunal do Júri, motivos pelos
quais Carmen Eliza vem sendo designada, recorrentemente, pela coordenação do
GAECO/MPRJ para atuar em casos complexos.
Cumpre informar
que, diante da repercussão relativa às postagens da promotora em suas redes
sociais, a Corregedoria-Geral do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
instaurou procedimento para análise.
Nesta sexta-feira
(01/11), o GAECO/MPRJ recebeu os pais de Marielle Franco, Marinete da Silva e
Antônio Francisco da Silva, e a viúva de Anderson Gomes, Agatha Arnaus Reis,
que defenderam a permanência de Carmen Eliza à frente do processo penal, em
andamento no Tribunal de Justiça.
No entanto, em
razão dos acontecimentos recentes, que avalia terem alcançado seu ambiente
familiar e de trabalho, Carmen Eliza optou voluntariamente por não mais atuar
no Caso Marielle Franco e Anderson Gomes, pelas razões explicitadas em carta
aberta à sociedade."
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