Araguaína (TO) — Investigações da Polícia Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU) apontam indícios de sobrepreço, superfaturamento, fraude em licitações e tráfico de influência na construção da Ferrovia Norte-Sul em Tocantins e Goiás, uma obra de R$ 3 bilhões, incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O TCU aponta um sobrepreço de R$ 516 milhões, o que corresponde a 22% do valor total de 16 lotes investigados. A partir de escutas telefônicas, inquérito da PF aponta o envolvimento do diretor de Engenharia da Valec, Ulisses Assad, com empresários que teriam recebido subempreitadas na obra de forma irregular. O diretor é citado no inquérito como “homem forte” do grupo na área de licitações da Valec, estatal responsável pela construção da Norte-Sul. O inquérito registra que Assad teria sido indicado para o cargo pelo senador José Sarney (PMDB-AP) e foi diretor da Companhia de Águas e Esgotos do Maranhão (Caema), durante o governo Roseana Sarney. O líder do grupo seria o empresário Fernando Sarney, filho do senador Sarney. Durante o monitoramento telefônico, foram capturados diálogos que “deixam clara a participação de Ulisses no ‘esquema’ e que o mesmo seria um membro da organização criminosa infiltrado no governo”, diz o relatório da PF. A empresa Lupama, dos empresários Gianfranco Perasso e Flávio Barbosa Lima, ligados a Assad, recebeu uma subempreitada da construtora Constran, no valor de R$ 46,2 milhões, num trecho de 105 quilômetros entre Santa Isabel e Uruaçu, em Goiás. A Polícia Federal apurou que o endereço da empresa Lupama, sediada em Imperatriz (MA), é o de uma residência e que a construtora “não teria capital social sequer para construir uma ponte, quem dera assumir a parcela na construção de uma ferrovia, num contrato do patamar de R$ 250 milhões”.
DINHEIRO PÚBLICO
Desvio até no preço da britaExtração é feita em pedreira própria ao custo de R$ 21 o metro cúbico, mas que é cobrado a R$ 55. Dormentes estão superfaturados
Lúcio Vaz Enviado Especial
Araguaína (TO) — Os indícios de superfaturamento na construção da Ferrovia Norte-Sul foram encontrados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no pátio da Valec em Araguaína, no Lote 5. A análise do contrato do trecho entre Babaçulândia e Córrego Galvão, no valor de R$ 295 milhões, tocado pela SPA Engenharia, apontou um sobrepreço de 28,7% no orçamento-base elaborado pela Valec, estatal responsável pela obra. Esse sobrepreço teria resultado de preço excessivo dos dormentes, pagamento de brita extraída como se fosse brita comercial e índice excessivo de bonificações e despesas indiretas (BDIs), que fixa a margem de lucro das empresas. No pátio da Valec em Araguaína há uma montanha de brita que será utilizada no Lote 8. A equipe de auditoria observou que a empresa estaria sendo remunerada pelo transporte rodoviário da brita, quando na realidade realiza parte do transporte por via ferroviária, utilizando-se da própria linha e construção. O estoque de brita localizado no pátio de Araguaína está sendo transportado por meio de vagões ferroviários até o Lote 8, como o Correio pode comprovar. Além disso, a empresa estaria sendo remunerada a preço de brita comercial (R$ 55 o metro cúbico), embora esteja fazendo a extração em pedreira própria (R$ 21 o metro cúbico).A reportagem registrou a retirada da brita na pedreira de Babaçulândia. Segundo o TCU, tais acertos entre a construtora e os engenheiros da Valec não estariam sendo levados ao conhecimento do Conselho de Administração da entidade: “Informações constantes em documentos oficiais, como as justificativas de aditivos e medições, não se verificam em campo”. A auditoria cita que o Conselho de Administração aprovou um termo aditivo considerando que a brita a ser utilizada no Lote 8 seria obtida de uma pedreira comercial localizada a 87km, em Presidente Kennedy. “Ocorre que, na realidade, a brita está sendo extraída da pedreira Babaçulândia, localizada a cerca de 10km do pátio de Araguaína, onde o material está sendo estocado para posterior transporte ferroviário pela própria Ferrovia Norte-Sul, a um custo muito inferior”. Dormentes O tribunal informa que o item dormentes é o de maior peso nas obras de Norte-Sul, representando mais de 20% do valor dos contratos. Nas licitações dos lotes 5 a 9, a Valec não elaborava composições de preços unitários para fazer seus orçamentos-base. Considerava apenas médias de preços de certames anteriores, o que conduzia a “grandes distorções, reproduzindo os exageros contidos naquelas planilhas. A Valec propiciava às empresas a oportunidade de compor seus orçamentos da maneira que melhor lhes aprouvesse, inclusive aumentando preços já exorbitantes”. O preço da Valec variou de R$ 312 a R$ 319 por unidade, enquanto o preços das propostas vencedoras variou de R$ 312 a R$ 377. Para os lotes 12 a 15, a Valec estabeleceu o preço-base em R$ 370,75.
A SPA apresentou preço de 370,08, enquanto a Andrade Gutierrez propôs R$ 367,84. Apenas a Iesa apresentou proposta bem abaixo: R$ 313,20. O TCU apurou o custo de produção de cada dormente: R$ 223 em abril de 2007. Retroagindo à época da assinatura dos contratos, o preço caiu para R$ 195,07. Nos nove trechos analisados, o sobrepreço atingiu R$ 194 milhões. A auditoria também apurou o pagamento por dormentes não utilizados. Em média, em cada quilômetro são instalados 1.666 dormentes, com espaço de 60 cm entre um e outro. Em alguns trechos, havia pouco mais de 1,5 mil dormentes por quilômetro, mas a Valec fazia o pagamento como se fossem os 1.666. O Correio percorreu 40 quilômetros Lote 5 e confirmou a fraude. No Km 380, havia espaços de até 68cm entre os dormentes. No Km 404, onde estavam instalados apenas 1.551 dormentes, o espaço chegava a 74cm entre um e outro. A auditoria apurou que o Lote 15 teria sido licitado com um excedente no número de dormentes correspondente a 10 quilômetros (16,66 unidades). O TCU apurou que o BDI do Lote 5 foi fixado em 57,83%, muito superior ao valor de referência do Sicro (20,25%), que fixa os preços da construção civil. A construtora orçou a bonificação em 15,7% do custo direto, enquanto o Cicro considera um lucro de 6%. “Isto é, a Valec permite às construtoras uma lucratividade 163% superior àquela adotada em obras ferroviárias executadas pelo Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit)”, diz o relatório. O tribunal acrescentou que, e decorrência dos orçamentos-base “inflados”, tornou-se possível a apresentação, pelas empresas, desses elevados percentuais de BDI. Esses índices variaram de 35%, no Lote 15, da Iesa, a 96% no Lote 9, da Odebrecht.
Memória
De governo em governo - A Ferrovia Norte-Sul foi lançada em 1987, no governo do presidente José Sarney. Logo no início, reportagem da Folha de S.Paulo, revelou a farsa na licitação para a construção da ferrovia. O jornal antecipou, em anúncio cifrado publicado no jornal, o resultado da licitação. Com orçamento de R$ 3 bilhões (a preços de hoje), a obra foi paralisada dois anos depois de iniciada, por falta de dinheiro. Ficou pronto apenas o trecho de 96 quilômetros entre Açailândia e Imperatriz, no Maranhão, terra de Sarney. Os trabalhos foram retomados no governo Itamar Franco. O trecho de 215 quilômetros entre Estreito e Açailândia foi concluído e entrou em operação comercial em 1996.
Conectada à estrada de ferro Carajás, esse trecho permitiu o acesso ao porto de Itaqui, em São Luís. Até 2002, já no governo Fernando Henrique Cardoso, foram construídos mais 119 quilômetros, entre Imperatriz a Aguiarnópolis (TO). A Norte-Sul ganhou novo fôlego no governo Lula, recebendo uma injeção de R$ 700 milhões. Em maio do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou o trecho de 114 quilômetros de Aguiarnópolis a Araguaína (TO). O trecho Araguaína-Guaraí, com extensão de 226 quilômetros, tem conclusão prevista para o fim deste ano. A etapa entre Guaraí e a divisa com Goiás, totalizando 497 quilômetros, deve ser concluído até o fim do próximo ano.
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