quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

JÁMENES CALADO DEIXA UMA LACUNA NO JORNALISMO E NA ADVOCACIA

Conheci Jámenes Ribeiro Calado no início de minha carreira como radialista, na década de 90, na Rádio Timbira, onde ele atuava como comentarista esportivo. Com ele aprendi muito sobre a profissão. Sempre o tive como exemplo de retidão e determinação. Deixa uma lacuna enorme. Nesse momento de dor, os pêsames à família do destemido Jámenes.

No dia 17 de novembro de 2006, Jámenes escreveu a seguinte carta ao site do jornalista Mário Lincoln, no momento em que se aproximava o pleito para a escolha de um novo comando para OAB:

CARTA ABERTA AO PORTAL MLB

RENASCER(*)

Jámenes Calado
Advogado e jornalista

Naquela primavera de 1969, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Maranhão, funcionando no atual anexo do tribunal de Justiça, realizava meu sonho profissional, prestava compromisso como noviço na Advocacia.Recordo aquela manhã ensolarada, quando o professor Antenor Bogéa, então presidente da OAB-MA, tomava-me o juramento, profissão de fé eterna e eu, feliz, diante de Deus e de minha consciência, cheio de orgulho, era o mais novo integrante da Instituição.

Fiz da Advocacia uma das minhas razões e da OAB meu templo sagrado.E o tempo passou. Faoro, em Brasília, defendendo o Brasil e seu povo diante do arbítrio de aventureiros que o vento levou.Antenor Bogéa, José Cunha Oliveira, Doroteu Ribeiro, Carlos Nina, a Ordem.

Infelizmente tudo passa, inclusive as pessoas. Os grandes ideais e compromissos, se não passam, arrefecem. Foi assim com a OAB Maranhão.Ainda que ela, a OAB-MA, não tenha passado, sua presença, imagem, atuação em defesa de sua obstinação histórica perderam a cor, sua mística, mudou de trajetória.

Quem sabe, alguns novos e já velhos condutores trocaram de roteiro e ao invés da luta coletiva em defesa das grandes causas da Profissão, preferiram tornar-se em instrumento de promoção pessoal ou grupos a serviço de outros destes. Cansados da mesmice de vários anos que se repetiam e sem esperanças de conquistas do avanço social, econômico etc., bem como de procedimentos negativos, os baianos e os maranhenses decidiram mudar.

Decidiram RENASCER. Por que nós, Advogados maranhenses, não decidimos Renascer?Renascer para nós é dizer ao Maranhão que a OAB-MA existe, que o ideário do Advogado Maranhense não é o da omissão, do abandono, do clientelismo profissional, da OAB-MA para poucos. O nosso ideário é aquele que se identifica com a própria razão de ser de cada ADVOGADO, a luta pelo Direito, a consagração da Justiça, o triunfo da ETICA, da decência, das grandes causas, da vitória do bem contra o mal.

No mesmo post o advogado Carlos Nina escreveu o seguinte sobre Jámenes Calado:

O PARLAMENTO DO ADVOGADO

O advogado Jámenes Calado é um dos mais dignos cidadãos já nascidos no Maranhão, onde, simplesmente como pessoa, com seu exemplo, ou como jornalista, advogado ou autoridade pública nos cargos que tem ocupado, tem dado uma contribuição como poucos a sua comunidade. Decente, honrado, respeitado pelo seu caráter e sua conduta, decidiu, mais uma vez, colocar-se à frente de mais uma iniciativa louvável, desta feita voltada especificamente para propiciar aos advogados uma oportunidade de se exercitarem para melhor desempenharem suas atividades e ampliarem seus espaços para outras atividades que requeiram a habilidade da oratória.

Ao mesmo tempo, abre um espaço para o debate sobre a importância da advocacia, a responsabilidade do advogado e temas de interesse da comunidade. Falo do Parlamento do Advogado, idéia decorrente do Parlamento Escola, que Jámenes Calado presidiu na velha Faculdade de Direito da Rua do Sol.

Adaptando as normas do Parlamento Escola, o Parlamento do Advogado funcionará no Salão do Júri do CEUMA, cedido pelo Reitor Aldy Mello, cuja sensibilidade, aliada ao fato de ter sido um dos presidentes do Parlamento Escola, compreendeu a grandeza do empreendimento e dispôs-se a apoiá-lo, inclusive integrando o Parlamento do Advogado. Como previa Jámenes, a recepção esperada não era outra, à vista da experiência e visão de educador competente que Aldy Melo tem demonstrado nas instituições de ensino por onde tem passado, antes na UFMA, depois em Brasília e agora no CEUMA, onde realiza trabalho reconhecido. Advogado criminalista por excelência, Jámenes Calado quer que o Parlamento do Advogado estimule e propicie a formação de outros criminalistas, especialistas na atuação perante o Tribunal do Júri.

Quer Jámenes, também, que o Parlamento sirva para valorizar a questão ética, completamente abandonada como requisito indispensável para a credibilidade da advocacia, notadamente pela omissão de dirigentes da própria OAB, que, em vez de zelar pelo disciplinamento dos maus advogados, dão eles mesmos o exemplo da indignidade. Quer Jámenes Calado contribuir para aperfeiçoar o ensino jurídico, estimular o estudo sobre as mais diversas doutrinas do Direito e propiciar o exercício do debate democrático.

Lembro, com justa dose de vaidade, de um livro – As misérias do processo penal, de Francesco Carnelutti – que, em julho de 1997, recebi de um dos meus mais competentes, respeitados e admirados mestres, Alberto Tavares Vieira da Silva, nome que integra a lista seleta dos magistrados que dignificaram a magistratura nacional, cuja dedicatória dizia: “Observe a sabedoria do mestre Carnelutti, especificamente nas considerações de fls. 20, 45, e 46. Qualquer semelhança com o que ocorre no Brasil não é mera coincidência.” Na página 20, lê-se: “A publicidade do processo penal, a qual corresponde não somente à idéia do controle popular sobre o modo de administrar a justiça, mas ainda, e mais profundamente, ao seu valor educativo, está, infelizmente, degenerada em um motivo de desordem. Não tanto o público que enche os tribunais ao inverossímil, mas à invasão da imprensa, que precede e persegue o processo com imprudente indiscrição e não de raro descaramento, aos quais ninguém ousa reagir, tem destruído qualquer possibilidade de juntar-se com aqueles aos quais incumbe o tremendo dever de acusar, de defender, de julgar.

As togas dos magistrados e dos advogados, assim, se perdem na multidão. Sempre mais raros são os juízes que têm a severidade necessária para reprimir esta desordem.” Às fls. 45 se lê: “A crônica judiciária e a literatura policial servem, do mesmo modo, de diversão para a cinzenta vida cotidiana. Assim a descoberta do delito, de dolorosa necessidade social, se tornou uma espécie de esporte; as pessoas se apaixonam como na caça ao tesouro; jornalistas profissionais, jornalistas diletantes, jornalistas improvisados não tanto colaboram quanto fazem concorrência aos oficiais de polícia e aos juízes instrutores; e, o que é pior, aí fazem o trabalho deles.

Cada delito desencadeia uma onde de procura, de conjunturas, de informações, de indiscrições; policiais e magistrados de vigilantes se tornam vigiados pela equipe de voluntários prontos a apontar cada movimento, a interpretar cada gesto, a publicar cada palavra deles. As testemunhas são encurraladas como a lebre de cão de caça; depois, muitas vezes sondadas, sugestionadas, assalariadas. Os advogados são perseguidos pelos fotógrafos e pelos entrevistadores e muitas vezes, infelizmente, nem os magistrados logram opor a este frenesi a resistência, que requeria o exercício de seu mister austero. Esta degeneração do processo penal é um dos sintomas mais graves da civilização em crise.
É até difícil representar todos os danos devidos à falta daquele recolhimento que a nenhum outro dever é necessário quanto aquele que deve ser demonstrado. Não mais grave, mas certamente o mais visível, é aquele que resguarda o respeito ao acusado.” E às fls. 46: “O homem, quando é suspeito de um delito, é jogado ás feras, como se dizia uma vez dos condenados oferecidos como alimento às feras. A fera, a indomável e insaciável fera, é a multidão.

O artigo da Constituição, que se ilude de garantir a incolumidade do acusado, é praticamente inconciliável com aquele outro que sanciona a liberdade de imprensa. Logo que surge o suspeito, o acusado, a sua família, a sua casa, o seu trabalho são inquiridos, investigados, despidos na presença de todos. O indivíduo, assim, é feito em pedaços. E o indivíduo, assim, relembremo-nos, é o único valor da civilização que deveria ser protegido.” O livro a que me refiro é uma edição de 1995, da Conan Editora, de Campinas – SP, traduzida da edição original de 1951. Para reagir à perpetuidade dessas situações e na tentativa de contribuir para resgatar a dignidade do indivíduo é que se reveste de grande significado e importância a iniciativa de Jámenes Calado ao criar e fazer funcionar o Parlamento do Advogado. Se conseguir despertar o sentimento ético em um único advogado já terá valido a pena.

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