domingo, 8 de março de 2009

DEU NO ESTADÃO DESTE DOMINGO: SARNEY PRESSIONA POR TOMBAMENTO DE SEU SÍTIO

Órgão responsável diz que não há interesse histórico no local, mas pedido conta com a simpatia do secretário de Cultura e do governador do Distrito Federal

Rosa Costa e Felipe Recondo

Uma casa de três quartos, com campo de futebol e piscina, a 35 quilômetros de Brasília, pode entrar para a lista de obras tombadas como patrimônio histórico do Distrito Federal. O Sítio São José do Pericumã, onde José Sarney (PMDB-AP) passava os finais de semana quando era presidente da República, entrou para a lista de candidatos a patrimônio preservado pelo poder público por pressão do próprio senador. Sarney até convidou o arquiteto Oscar Niemeyer para preparar um projeto para a área.

Da época em que era presidente para cá, Sarney foi diminuindo suas visitas ao sítio. No final do ano passado, aproveitou a valorização dos imóveis em Brasília para vender 500 hectares da propriedade para a construção de um condomínio de luxo. Entre os sócios do empreendimento, além de Sarney, está o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakai. Ele conta que entrou no negócio como parte dos honorários recebidos por defender a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA) no caso Lunus, como ficou conhecida a suspeita de que ela, então pré-candidata à Presidência, teria sido favorecida pelo desvio de recursos do Estado para sua campanha. "Não sabia desse pedido de tombamento", disse.

De volta à Presidência do Senado, Sarney passou a pressionar o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), por intermédio de um colaborador antigo, Silvestre Gorgulho, ex-assessor de imprensa da Presidência durante seu mandato e atual secretário de Cultura do DF. Ele apoia o pedido de Sarney e a sua posição é a mesma de Arruda, de acordo com a assessoria do governador. Segundo o presidente do Senado, a proposta de tombar o sítio foi acordada com Arruda. A ideia seria criar um roteiro turístico que incluísse as casas dos antigos presidentes: a Fazendinha de Juscelino Kubitschek, o Catetinho, o Pericumã e a Casa da Dinda, do ex-presidente Fernando Collor de Mello.

PRECEDENTE

A dificuldade maior para viabilizar o tombamento é saber como passar por cima do parecer técnico da Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal (Depha), órgão competente para avaliar se a casa tem algum valor para a história da cidade. E o documento ridiculariza o pedido feito por Sarney.

Na cidade em que estão tombadas pelo Patrimônio Histórico Nacional apenas obras de Oscar Niemeyer e o Catetinho, a residência oficial de JK na época da construção de Brasília, o Depha classifica o próximo patrimônio histórico de Brasília como uma simples "casa de fazenda" com traços arquitetônicos típicos de uma "propriedade destinada ao lazer de finais de semana".Do ponto de vista histórico, argumenta o Depha, a casa não traz à memória nenhum fato que justifique o tombamento. Mas a maior preocupação do órgão é o precedente que o tombamento do sítio de Sarney pode abrir na cidade.

"Do ponto de vista político, se por um lado o tombamento estreita as relações do Executivo local com o Legislativo, por outro lado abre precedentes para que ex-presidentes reivindiquem por motivos similares a tutela de sua propriedade. E a oposição não se furtará a utilizar o tombamento para expor o GDF (governo do Distrito Federal) a comentários maldosos, a banalização do tombamento, o poder de barganha e outros, sobretudo em épocas de eleição", sentencia o parecer.

HISTÓRIA

Uma alternativa sugerida pelo departamento para agradar Sarney e evitar a banalização dos processos de tombamento seria preservar somente o acervo da biblioteca da casa. Mas Sarney resiste à alternativa: se fosse tombada sua biblioteca, não poderia mais pegar os livros que quisesse e na hora em que desejasse.

Apesar das recomendações técnicas, Arruda está disposto a dizer sim para Sarney. As razões são expostas pelo secretário de Cultura do DF: "O Pericumã foi palco de decisões fundamentais para o restabelecimento do Estado de Direito no País", alega. "No Pericumã, o presidente da Nova República recebeu o primeiro presidente eleito depois da Constituição de 1988", acrescenta. E, por fim, no Pericumã se reuniram as lideranças do governo militar e do Congresso que "fundaram" a Nova República, como ficou conhecida a fase do País que sucedeu a ditadura dos generais.

CLÃ DÁ NOME A PONTE, AVENIDA E RODOVIÁRIA

Até neta de senador, então com 6 anos, batizou escola no Maranhão

Rosa Costa e Felipe Recondo

A tentativa de impor o culto ao clã Sarney ocorre em todos os locais do Maranhão, sobretudo em São Luis. É na capital do Estado que estão a maternidade Marly Sarney, o Fórum Desembargador Sarney Costa, o Tribunal de Contas Palácio Roseana Sarney, a Ponte José Sarney, a Rodoviária Kiola Sarney (mãe do senador), a Avenida José Sarney e o Fórum trabalhista José Sarney. Para morar há três vilas "Sarneys": Vila Sarney Filha, Vila Kiola e Vila Roseana Sarney.

Há, ainda, as escolas Roseana Sarney, Marly Sarney e José Sarney. A homenagem se estendeu até mesmo a uma neta do senador, que na época tinha 6 anos. Fica no município de Bom Jardim e se chama "Escola Fernanda Sarney". A família comandou o Maranhão por 37 anos. O Estado é mais pobre do que Alagoas, conforme o ranking do índice de Desenvolvimento Humano (IDH).Além de todos os prédios públicos com seu sobrenome, Sarney ainda é o único ex-presidente que, em vida, já conta com seu mausoléu. Em 1990, o então governador Epitácio Cafeteira, hoje senador pelo PTB, doou à família Sarney o Convento das Mercês, um prédio do século XVII tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional. Neste caso, Sarney não precisou exercer pressão alguma. O local passou então a se chamar Convento das Mercês Memorial José Sarney. Em entrevista concedida em 2005, Sarney disse que o local poderá se tornar futuramente um "ponto de peregrinação".

José Sarney foi deputado, governador e presidente da República no período de 1985 a 1990, quando substituiu Tancredo Neves, morto antes de tomar posse. Está no quinto mandato de senador. Roseana Sarney começou a carreira política em 1990, eleita deputada federal. Foi governadora do Maranhão de 1994 a 2002 e exerce o primeiro mandato como senadora. Se forem recusados os recursos do atual governador Jackson Lago para reverter a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que cassou o seu mandato, ela governará o Estado pela terceira vez.
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Sobre a venda do Sítio São José do Pericumã, a revista Veja, edição de 18 de dezembro de 2002, publicou o seguinte:

Sarney vende o Pericumã

coluna Radar/Lauro Jardim

Sarney: sua fazenda será loteada

Em meio a sua campanha para presidir o Senado, José Sarney encontrou um tempinho para uma transação imobiliária. Sarney acaba de vender o Sítio de São José do Pericumã, seu refúgio a 35 quilômetros de Brasília. O "sítio", na verdade, é uma fazenda: são 500 hectares, com centenas de cabeças de gado. Não se sabe o valor do negócio nem quem são os dez cotistas do consórcio comprador, que irá transformar o Pericumã num loteamento. Na transação, Sarney conseguiu a garantia de que serão tombados a confortável casa-sede de três quartos e o pomar cuidadosamente plantado por dona Marly.

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