Clarice
Spitz (clarice.spitz@oglobo.com.br)
RIO - Brasileiros com dívidas em atraso
têm enfrentado dificuldades que vão além dos entraves habituais de abrir uma
conta ou fazer um crediário. Isso porque muitas empresas decidem excluí-los de
processos seletivos ao saber pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e pela
Serasa da inscrição negativa (a consulta não é proibida por lei) do candidato.
A prática não é ilegal, mas fere direitos constitucionais, como o da
privacidade, segundo procuradores do Trabalho, e é objeto de dezenas de ações
na Justiça.
O administrador carioca C.B. não
imaginava que por causa do nome sujo seria barrado no processo seletivo de uma
grande multinacional. O comércio da família fechou as portas e seu nome, que
constava como fiador da empresa, foi para a lista negra. A eliminação do
processo nunca foi justificada - provar esse tipo de prática é muito complicado
- porém ele soube informalmente por um contato de uma empresa de recolocação de
profissionais.
- Foi excesso de sinceridade da minha
parte - lamenta. - Depois disso, apesar de estar indo bem nas entrevistas, não
me ligaram mais.
O Ministério Público do Trabalho
investiga, desde 2008, 53 denúncias só em São Paulo envolvendo empresas do ramo
de transporte rodoviário. As chamadas gerenciadoras de risco, que prestam
serviços para transportadoras são alvo da reclamação de caminhoneiros que
alegam ter o emprego negado por problemas financeiros. As gerenciadores são
empresas contratadas para minimizar o risco de perda das empresas, o que
significa que ao barrar, entre outras coisas, quem está com o nome sujo, a
intenção da empresa é eliminar candidatos que possam causar perdas ao negócio.
Ou seja, a empresa quer evitar ser vítima de roubo.
Em julho deste ano, a Porto Seguro foi
proibida pela Justiça do Trabalho da 2ª Região de fazer consulta a cadastro de
entidades de proteção ao crédito. A empresa admitiu a exigência de certidões
negativas, de crédito e criminais dos trabalhadores, alegando o alto índice de
roubos de cargas.
- Essa é uma prática discriminatória que
deflagra um ciclo vicioso. O fato de ter sido inscrito no SPC ou na Serasa não
significa que o trabalhador seja um devedor contumaz. No contrato de trabalho,
o objeto é a prestação de serviços - afirma a procuradora do Trabalho no Rio,
Luciana Tostes de Guadalupe e Silva.
O Sindicato dos Transportadores
Rodoviários Autônomos de Bens do Estado de São Paulo (Sindicam-SP) sustenta que
as irregularidades estão longe de ser uma exceção. Segundo o diretor jurídico,
Ailton Gonçalves, cerca de 60 novas denúncias em média são registradas todo o
mês no sindicato.
- Entendemos que a consulta não é
ilegal, mas a restrição ao trabalho por esse motivo, sim. Se a pessoa não pode
trabalhar, não vai nunca conseguir pagar a dívida - afirma.
O presidente da Associação Brasileira
das Empresas de Gerenciamento de Riscos e de Tecnologia de Rastreamento e
Monitoramento (Gristec), entidade que congrega 25 gerenciadoras de risco em
todo o país, Cyro Buonavoglia, reconhece que a consulta à Serasa ocorre como
prática regular, mas que faz parte de um conjunto de levantamentos de
informações que ajudam a reduzir o risco do transporte rodoviário.
- Não é um cadastro, mas o perfil do
motorista. Existem ferramentas que permitem afastar os bons motoristas dos
meliantes. Essa é apenas uma das informações. Analisamos o GPS e até as paradas
que os motoristas fazem- afirma.
Pesquisas de diversas entidades mostram
uma tendência de estabilidade dos índices de inadimplência no país em julho.
Segundo a Serasa Experian, a inadimplência do consumidor recuou 0,1% em julho,
ao cair para 103,4 pontos, a primeira queda mensal do indicador desde junho de
2010.
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