Nova norma aumenta de 43 para 106
situações que podem configurar 'movimentação atípicas'
Fausto Macedo, de O Estado de S.Paulo
Em ano de eleições municipais, o Banco
Central vai apertar o cerco a "movimentações financeiras atípicas" de
marqueteiros e publicitários. O órgão decidiu ampliar a relação de operações e
situações que podem configurar indícios de crimes de lavagem de capitais e
ocultação de bens ilícitos, passíveis de comunicação ao Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf). A decisão consta da Carta Circular 3.542,
publicada no último dia 12.
Em episódio emblemático da histórica
recente do País, o publicitário Marcos Valério, operador do escândalo conhecido
como mensalão, foi acusado pela Procuradoria-Geral da República de ter feito
uso de duas agências de publicidade para captar valores não declarados para o
PT e para financiar partidos da base aliada do governo Lula no Congresso.
Valério e outros 37 personagens citados na trama estão no banco dos réus do
Supremo Tribunal Federal.
O caso também levou à Corte Suprema o
marqueteiro Duda Mendonça, responsável pela vitoriosa campanha do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Ele confessou à CPI do Mensalão ter recebido
R$ 10,5 milhões de caixa 2 do PT em conta secreta num paraíso fiscal.
Um trecho específico da nova norma do BC
(capítulo VIII) mira exatamente o marketing eleitoral, considerado o tipo de
serviço mais usado para caixa 2 de campanhas, pela dificuldade de mensurar a quantidade
e a qualidade dos próprios serviços. É tradição nessas épocas o emprego de
agências de propaganda por políticos para lavar dinheiro sujo de doações e
girar recursos da contabilidade paralela.
Transparência. "É uma modificação
extremamente importante porque traz maior transparência no controle dos gastos
de campanha eleitoral", avalia Pedro Barbosa Pereira Neto, procurador
regional eleitoral em São Paulo. "Os gastos (com agências de publicidade)
são um grande enigma, agregado ao fato de que é um tipo de serviço sobre o qual
encontramos muita dificuldade para estabelecer padrão de preços e se ele foi
efetivamente prestado", explica Pereira Neto.
Nada vai escapar do radar do Coaf. Nunca
o pente foi tão fino. A nova norma mais que dobrou o número de situações ditas
atípicas, ou seja, que podem caracterizar atos ilícitos e improbidade. Hoje há
43 situações classificadas como incomuns. O instrumento 3.542, que passa a
valer dia 14 de maio - a um mês do início da campanha e a seis meses do
primeiro turno das eleições -, estica a rede de atuação do Coaf. Passam a ser
consideradas suspeitas 106 condutas.
O BC informa que as novas regras
consolidam procedimentos para prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao
financiamento do terrorismo. Foram atualizadas normas sobre procedimentos a
serem adotados por instituições financeiras.
A medida, conforme o BC, atende ao
compromisso internacional de implementar as recomendações do Grupo de Ação
Financeira (Gafi) contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo
(Financial Action Task Force). Os técnicos do BC adotaram estudos técnicos,
experiências do mercado financeiro e recomendações internacionais de combate à
lavagem e ocultação de valores e bens.
Ficarão sob análise as operações
considerando as partes envolvidas, os valores, a frequência, as formas de
realização, os instrumentos utilizados ou a falta de fundamento econômico ou
legal que "podem configurar indícios de ocorrência" dos crimes
previstos na Lei 9.613/98 (Lei da Lavagem de Capitais).
Contratos com setor público. A nova
norma do BC também mira operações financeiras fruto de contratos com o governo.
Um dos capítulos (VIII) define expressamente "situações relacionadas com a
movimentação de recursos oriundos de contratos com o setor público". Ao
mencionar a Lei 8.429/92 (Lei da Improbidade), a norma prevê identificação de
fluxo de valores "por agentes públicos".
Espreita ainda a estratégia de políticos
para dissimular a origem de dinheiro de campanha. Manda as instituições
financeiras alertarem o Coaf sobre "movimentações atípicas de recursos por
pessoa natural ou jurídica relacionados a patrocínio, propaganda, marketing,
consultorias, assessorias e capacitação".
Os tentáculos do Coaf também estarão
direcionados a ONGs, mais especificamente a "movimentações atípicas de
recursos por organizações sem fins lucrativos".
O rastreamento de movimentações vitais
para a lavagem de dinheiro do tráfico de armas e de drogas e de outras faces do
crime organizado agora serão usadas para identificar um rol muito maior de
pessoas e empresas.
O BC definiu o padrão de movimentações
entre contas - depósitos de valores arredondados, recursos de alto valor,
várias contas destinadas a acolher depósitos de um só cliente - e enquadrou a
"ausência repentina de movimentação financeira em conta que anteriormente
apresentava grande movimentação".
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