Jornal
do Brasil
Mauro
Santayana
A
morte de Neiva Moreira reclama algumas reflexões sobre o jornalismo e a
política. A imprensa nunca foi inocente. Os donos de jornais — mas, da mesma
forma, os jornalistas — atuam de acordo com seus interesses e suas ideias, e
dessa atuação não se ausenta a questão fundamental do homem, a do poder.
A
vida de Neiva Moreira foi a de excepcional jornalista engajado. Embora fosse de
uma grande família no Maranhão, nascera em seu ramo menos afortunado, filho de
modestíssimo comerciante, e em uma das mais pobres comunidades do Estado,
embora com o nome de Nova York. Como todo menino pobre que se torna órfão
— em seu caso beneficiado pela
sobrevivência da mãe professora, que incentivou suas leituras — Neiva teve que
trabalhar tão logo o corpo permitiu. Vendedor de quitandas, ajudante de
barqueiros, cobrador de mensalidades de pequena associação, ele se fez do
melhor barro humano.
Como
a maioria dos jornalistas daquele tempo, Neiva não chegou a concluir o curso
médio. Desde a adolescência, sua formação se fez nas redações. Quando São Luís
se tornou pequena para o jovem de 25 anos, que já se destacara como dos grandes
redatores da cidade, Neiva buscou o Rio. Nos anos seguintes seu nome se
firmaria como um dos mais atilados repórteres e analistas políticos brasileiros,
preocupado com o inquietante jogo do poder, em seu estado, no país e no mundo.
Neiva
se preservou, até o fim, fiel aos ideais de juventude, nas lutas políticas e no
jornalismo
Essa
preocupação o levou de volta a São Luís, e à direção de um jornal diário, o
Jornal do Povo, de oposição férrea ao então “dono” do Maranhão, Vitorino
Freire. Tornou-se líder na cidade e se elegeu deputado estadual três vezes,
antes de tornar-se deputado federal.
Conheci
Neiva nos anos cruciais de 1961 a 1964, que marcaram a nossa geração com a
esperança, a frustração e a luta que se seguiu até a redemocratização do
país. Como ele conta em suas memórias, O
pilão da madrugada e no prefácio que fez à biografia de Leonel Brizola, de Leite
Filho, coube-me a missão, entre outras, a mim confiadas por Brizola, de encontrá-lo em La Paz, ainda em 1964, e acompanhá-lo a Montevidéu. Fiz a viagem, clandestina, como
era necessário, em barco até Buenos Aires e o resto do trajeto por trem.
Neiva
não pôde se desembaraçar de compromissos urgentes — entre outros, o de sua
participação na assessoria de imprensa do presidente Paz Estenssoro, que ele
conhecia havia anos. Eu — também com a agenda comprometida — retornei a Buenos
Aires no prazo previsto.
Entre
suas lembranças marcou-lhe o fato de eu haver deixado com ele uma pistola
Luger, para que se protegesse em alguma eventualidade, durante seu futuro
deslocamento ao Uruguai. Eu ainda
possuía outras duas armas.
Meses
depois, o golpe de estado de Barrientos levou-o, e a outros companheiros nossos
que lá se encontravam, como José Serra, José Maria Rabelo, Marcelo Cerqueira,
Joel Rufino dos Santos, Paulo Alberto (Artur da Távola), a deixar a Bolívia. O
presidente Paz Estenssoro também foi obrigado a exilar-se. Três anos depois
disso, Guevara morreria na Bolívia.
Um
bom jornalista sempre encontra trabalho. Em La Paz e em Montevidéu, Neiva
sempre trabalhou, e muito. Em Montevidéu, chegou a editar o jornal Ahora, de
grande êxito, enquanto durou. Além desse encontro em La Paz, recordo outro, em
Havana, em 1965 ou 66, não registrei a data. Narro-o para mostrar outra face de
Neiva, a do amigo fraterno. Uma noite, bateram à nossa porta. Era um oficial do
Ministério do Interior, que me convidou a acompanhá-lo. Fomos em silêncio, até
que, duas quadras adiante, junto a um poste, Neiva me esperava.
O
cubano se afastou discretamente, e conversamos durante uns vinte minutos. Neiva
só queria saber como nos encontrávamos, com os nossos filhos. Se eu estava bem,
com meu trabalho como jornalista, se precisava de alguma coisa. Deu-me notícias
dos outros companheiros e de nossa luta. Não, não precisávamos de nada:
felizmente estávamos bem de saúde e no trabalho. Neiva era o amigo um pouco
mais velho, com seu afetuoso cuidado para conosco.
Em
Brasília, quando ele exerceu o mandato de deputado federal, a partir de 1991,
víamo-nos sempre. Era homem alegre, cheio de esperanças, de amor a nosso país e
de confiança em nosso povo.
Neiva
Moreira sempre teve um lado. Como recomenda Ricardo Kotscho, todos os
jornalistas devem ter seu lado. A narração fiel dos fatos não impede o
compromisso do homem e do cidadão para com suas ideias e para com sua forma de
ver e viver o mundo. Se houvesse — e felizmente não há, por mais que se
proclame essa inverdade — absoluta imparcialidade em algum jornalista, ele não
seria bom profissional, posto que
desprovido de emoção, essa condição essencial de nossa espécie. Seria uma forma
de andróide, não ser humano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário