EDUARDO GERAQUE
FERNANDA MENA
FOLHA DE SÃO PAULO
As toneladas de lama que vazaram no rompimento há
dez dias de duas barragens da empresa Samarco em Mariana (MG) são protagonistas
do maior desastre ambiental provocado pela indústria da mineração brasileira –a
Samarco é empresa fruto da sociedade entre a Vale e a anglo-australiana BHP
Billiton.
Sessenta bilhões de litros de rejeitos de mineração
de ferro –o equivalente a 24 mil piscinas olímpicas– foram despejados ao longo
de mais de 500 km na bacia do rio Doce, a quinta maior do país.
Segundo ecólogos, geofísicos e gestores ambientais,
pode levar décadas, ou mesmo séculos, para que os prejuízos ambientais sejam
revertidos.
Destruídos pelo tsunami marrom, que deixou ao menos
sete mortos e 15 desaparecidos, os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de
Baixo devem se transformar em desertos de lama.
"Esse resíduo de mineração é infértil porque
não tem matéria orgânica. Nada nasce ali. É como plantar na areia da praia de
Copacabana", diz Maurício Ehrlich, professor de geotecnia da Coppe-UFRJ
(centro de pesquisa em engenharia da Federal do Rio).
"Nada se constrói ali também porque é um
material mole, que não oferece resistência. Vai virar um deserto de lama, que
demorará dezenas de anos para secar", diz.
Segundo ele, a reconstituição do solo pode levar
"até centenas de anos, que é a escala geológica para a formação de um novo
solo".
RIO DOCE

Especialistas que conhecem a região descrevem o
cenário como "assustador".
Para Marcus Vinicius Polignano, presidente do Comitê
de Bacia do rio das Velhas e professor da UFMG (Federal de Minas Gerais), um
dos mais graves efeitos do despejo do rejeito nas águas é o assoreamento de
rios e riachos, que ficam mais rasos e têm seus cursos alterados pelo aumento
do volume de sedimentos, no caso, de lama. "É algo irreversível. Fala-se
em remediação mas, no caso da lama nos rios, não existe isso. Não tem como
retirá-la de lá."
Enquanto está em suspensão no rio, a lama impede a
entrada de luz solar e a oxigenação da água, além de alterar seu pH, o que
sufoca peixes e outros animais aquáticos. A força da lama ainda arrastou a mata
ciliar, que tem função ecológica de dar proteção ao rio.
"A perda da biodiversidade pode demorar décadas
para ser reestabelecida. E isso ainda vai depender de programas montados para
esse fim", diz Ricardo Coelho, ecólogo da UFMG. "Existe ainda a
possibilidade de espécies endêmicas [que existem só naquela região] serem
extintas."
"Há espécies animais e vegetais ali que podemos
considerar extintas a partir de hoje", diz o biólogo e pesquisador André
Ruschi, diretor de uma das mais antigas instituições de pesquisa ambiental no
país, a Estação de Biologia Marinha Augusto Ruschi.
Ele chama a atenção para o fato de que o rompimento
das barragens coincidiu com o período de reprodução de várias espécies de
peixes. "É o maior desastre ambiental da história do país", avalia.
Mariana entra para a história como uma "ferida
aberta", diz Polignano. "É a prova de que nossa gestão ambiental está
falida."
DANO BILIONÁRIO

Na última sexta-feira, dia 13, a Justiça de Minas
Gerais determinou o bloqueio de R$ 300 milhões na conta da Samarco. A decisão
liminar decorre de ação civil pública do Ministério Público Estadual, que listou
mais de 500 desabrigados pelo rompimento das barragens. O valor deve ser
revertido para reparação dos danos às vítimas.
Ainda assim, segundo estimativa de Alessandra
Magrini, professora de planejamento energético e ambiental da Coppe-UFRJ e
especialista no cálculo de prejuízos em desastres ambientais, os danos causados
pelo desastre de Mariana "serão da ordem de bilhões".
"É preciso contabilizar a produção sacrificada,
ou seja, pesca, criações, plantações e outras atividades econômicas perdidas,
mas também os danos aos recursos naturais, à fauna e à flora e às funções
ambientais que eles exercem", declara.
Magrini foi uma das responsáveis pelo cálculo da
indenização do acidente que despejou 1,3 milhão de litros de óleo pela
Petrobras na baía de Guanabara em 2000. À época, a reparação foi avaliada em
cerca de R$ 350 milhões.
Segundo ela, "recursos naturais são de
valoração pouco trivial". "Quanto custa a perda de uma espécie, de um
rio ou de um manguezal?"
Ela destaca o acordo feito há menos de dez dias
entre EUA e a petroleira BP, responsável pelo vazamento de óleo no Golfo do
México: US$ 20 bilhões (R$ 76,7 bilhões).
"Para se chegar a este valor, são necessários
estudos do impacto do desastre que levem em conta não só a extensão do dano no
espaço mas também o prejuízo ao longo do tempo", diz. "Isso deveria
ser feito no caso de Mariana", avalia.
DESOVA DE TARTARUGAS
Desde o dia 5, quando as barragens romperam,
toneladas de lama tomaram o rio Doce em direção a sua foz, no litoral do
Espírito Santo.
O movimento vem sendo monitorado pelo Serviço
Geológico do Brasil, órgão do governo federal, e a lama está prevista para
chegar à cidade de Linhares (ES) na próxima terça-feira, dia 17.
Essa zona costeira é área de desova da
tartaruga-de-couro, espécie que mede até 170 centímetros de comprimento e que
está ameaçada de extinção. O mês de novembro corresponde justamente ao pico da
desova da espécie.

TÓXICO OU ATÓXICO?
O rejeito de mineração de ferro, segundo
especialistas, é composto por terra, areia, água e resíduos de ferro, alumínio
e manganês.
Apesar de a composição não ser considerada tóxica
para humanos, a lama funciona como uma "esponja" e arrasta para
dentro do rio outros poluentes. Essa é uma das explicações possíveis para os
altos níveis de mercúrio encontrados em amostras de água coletadas em
Governador Valadares (MG).
"Elementos como mercúrio têm efeito cumulativo.
Uma vez ingeridos, vão passando de um ser vivo a outro na cadeia alimentar,
concentrando-se cada vez mais", explica o biólogo André Ruschi.
A contaminação dos organismos por determinados tipos
de metais e outros poluentes pode demorar para aparecer. "Mas esse impacto
pode permanecer durante anos em todo o rio Doce", completa o biólogo da
UFMG Ricardo Coelho.
Para Denis Bessa, coordenador do Núcleo de Estudos
sobre Poluição Aquática da Unesp, "a esperança é que os riachos que
deságuam no rio Doce tenham muitas espécies de forma que possam repovoar toda a
extensão do rio atingida pela lama".
Colaborou ALEX CAVALCANTI, de Vitória
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