"O PT não soube reconstruir seu projeto desde o fim do governo Lula. Ficou excessivamente vinculado às limitações de uma frente tradicional com o PMDB, fundamentada em velhas práticas que a sociedade não aceita mais."
BERNARDO MELLO FRANCO
COLUNISTA DA FOLHA
Ministro da Justiça no segundo governo
Lula, o petista Tarso Genro acusa o juiz Sergio Moro de adotar "métodos de
exceção" contra investigados da Lava Jato.
Ele diz que o magistrado reproduz o
ideário de Carl Schmitt (1888-1985), jurista e filósofo alemão que colaborou
com o nazismo.
Líder da segunda maior corrente interna
do PT, Tarso cobra reformas no partido e diz que o atual ciclo de poder do
petismo, inaugurado em 2003, está chegando ao fim.
O ex-ministro recebeu a Folha na manhã
de sexta (4), em seu apartamento de veraneio no Rio, enquanto Lula prestava
depoimento à Polícia Federal em São Paulo.
Ele protestou contra a condução
coercitiva, mas evitou discutir o mérito das suspeitas contra o aliado.
"Assim como o ex-presidente Lula não conhece minha vida financeira
privada, eu não conheço a dele", disse.
Folha
- Como o sr. avalia a condução da Lava Jato?
Tarso
Genro - O Ministério Público e a Polícia Federal devem
investigar toda suspeita de corrupção. Este sentido da Lava Jato é estratégico
para o país. Nós sabemos que temos um processo de corrupção sistêmica na
política brasileira que vem de décadas.
O outro aspecto da Lava Jato é que ela
tomou uma dimensão fundamentalmente política contra uma facção da sociedade. É
nítido nas investigações e nas declarações do juiz Moro. Primeiro apontam uma
pessoa, depois tratam de produzir provas contra ela. Isso é um procedimento de
exceção à margem da legalidade constitucional. Está gerando um direito
paralelo, uma Constituição paralela.
Em
que sentido?
Veja o despacho de prisão preventiva do
João Santana e da sua esposa. O juiz Moro diz o seguinte: embora tenha críticas
pontuais a essas prisões, a corrupção é sistêmica e profunda. Por isso,
impõem-se as prisões preventivas para debelar o agravamento progressivo do
quadro criminoso.
Certamente isso será revisto no futuro.
Essa concepção do Moro está inscrita na filosofia política de um jurista do
nazismo, Carl Schmitt. É o império que o Estado deve ter sobre a lei, inclusive
descartando os procedimentos legais. Esse é o grande problema que estamos
enfrentando hoje com essa desnecessária condução do ex-presidente Lula para
depor.
O Ministério Público tem o direito de
ouvir o presidente Lula, como já ouviu várias vezes, mas o que está ocorrendo é
a afirmação de uma Constituição de fato, em que os direitos individuais começam
a ser violados. Isso é perigoso para a democracia e pode comprometer a própria
finalidade da Lava Jato. Se esses elementos forem apreciados por uma instância
superior, todos os processos são anulados.
Até
aqui, os tribunais superiores têm referendado a maioria das decisões do juiz.
Existe um processo de distorção
generalizada do Estado de Direito no Brasil, e a Justiça está aceitando isso. O
exemplo mais claro são as delações premiadas. Deixar uma pessoa na prisão
indefinidamente para ela falar é uma forma quase medieval de obter confissões.
Isso era feito na Inquisição e está sendo feito na Lava Jato.
O fato de o Supremo Tribunal Federal
acolher isso agora não quer dizer que ele vai chancelar a sentença depois. A
conjuntura política pode mudar. Muitos desses processos podem ser anulados,
inclusive por ter sido prejudicado o direito à ampla defesa.
O
juiz e os procuradores da Lava Jato contestam a tese de direcionamento
político. Eles costumam dizer que investigam fatos, e não pessoas.
Se eles investigassem fatos que depois
culminassem no indiciamento ou na denúncia de pessoas, o juiz Moro estaria
correto. Agora, quando se trata do presidente Lula e de protagonistas próximos
a ele, o que se faz é primeiro denunciar o indivíduo e depois apurar os fatos e
a responsabilidades para denunciá-lo. É uma inversão flagrante.
Ninguém está acima da lei, todos os
ex-presidentes podem e devem ser investigados, mas na mesma medida.
O
sr. acredita na honestidade do ex-presidente Lula?
Posso falar do tempo em que convivi com
ele. Tenho a postura dele como republicana. Agora, assim como o ex-presidente
Lula não conhece a minha vida financeira privada, eu não conheço a dele. A
transparência em relação a isso é fundamental, e ele terá a oportunidade de
mostrar essa transparência.
Tenho o ex-presidente Lula como um homem
honesto e responsável com suas finanças e sua vida privada. Mas uma
investigação contra ele que tenha caráter excepcional é uma investigação
persecutória. Por que não se faz com outros ex-presidentes? Por que não se faz
com o Geraldo Alckmin, com o Fernando Henrique? São pessoas de tanta
responsabilidade política quanto o Lula.
Setores
do PT acusaram o ministro José Eduardo Cardozo, que acaba de deixar a pasta da
Justiça, de não "controlar" a PF. Como viu essas críticas?
Não compete ao ministro da Justiça
controlar a PF. Ele não tem e nem deve ter este poder. O que se deve fazer,
junto com a corregedoria, é investigar se existe desvio no funcionamento
autônomo da instituição. Houve uma visão um pouco ansiosa de setores do PT que
não têm formação jurídica sedimentada.
Agora, o Cardozo foi ministro de um
governo que deu escassos rumos políticos à sua pasta. Ele foi uma peça numa
engrenagem vazia de orientações políticas.
Na
época do mensalão, o sr. defendeu uma refundação do PT. E agora, como vê o
futuro do partido com o petrolão?
O PT dificilmente vai ter perspectivas
de poder nacional no próximo período. Isso não é uma consequência específica
das operações. É o fim de um ciclo econômico, social e político do Brasil que
foi levado ao esgotamento.
O PT não soube reconstruir seu projeto
desde o fim do governo Lula. Ficou excessivamente vinculado às limitações de
uma frente tradicional com o PMDB, fundamentada em velhas práticas que a
sociedade não aceita mais.
O PT vai ter que se refundar, vai ter
que se reformar profundamente, se quiser continuar com um ator político
importante. Mas a maioria que dirige o partido, e não estou me referindo ao
presidente Rui Falcão, até agora não se moveu para fazer essas reformas.
O
sr. não foi à última reunião do diretório nacional do PT. Pensa em deixar o
partido?
Abandonar o projeto do PT sem aproveitar
a crise para se reciclar me parece uma coisa precipitada. Eu pergunto aos meus
companheiros: sair do PT e ir para onde?
A Rede [novo partido da ex-senadora
Marina Silva] não tem coerência programática, esteve junto com o Aécio Neves.
Respeito o PSOL, mas ele tem mais correntes internas que o PT e quem sabe 5% do
seu eleitorado. Ir para onde?
A
presidente Dilma é capaz de reagir à crise? Ela consegue terminar o mandato?
A última vez em que falei com ela foi no
dia seguinte à sua reeleição. Embora eu seja um apoiador dela, e defenda a
continuidade de seu mandato porque ela foi eleita democraticamente, não tenho a
mínima ideia da capacidade de reação do governo.
Não sei que propostas o governo pode
apresentar à sociedade para defender uma saída da crise. Vejo o governo com
posições muito contraditórias.
O
que o preocupa mais?
Não gostaria de me aprofundar sobre isso
no momento. Se eu aprofundar uma visão crítica, pode parecer que a gente está
querendo sair fora do barco e não assumir as nossas responsabilidades.
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