Se
o mandato presidencial pode ser violado assim, até os empresários estão
inseguros

Nessa
segunda-feira (18), o Conversa Afiada conversou por telefone com o
Governador do Maranhão, Flavio Dino, do PCdoB.
Paulo
Henrique Amorim – Como explicar esse resultado de 367 x 137, ontem, na Câmara?
Flávio
Dino – Houve uma reunião de forças bastante poderosas do grande capital, forças
sociais e políticas interessadas no retrocesso. Não conseguindo isso através
das urnas, que é o caminho legítimo, acabaram por trilhar essa estrada tortuosa
do golpismo e da violação daquilo que a Constituição prevê. Infelizmente, é
algo que acontece de tempos em tempos na nossa atribulada vida republicana. Nós
achávamos que isso havia saído de moda após o desastre da longa noite da
Ditadura militar. E, infelizmente, vimos que não. Essa estratégia de chegar ao
poder pela ruptura da via constitucional e democrática continua bastante atual
na cabeça de uma parte da elite brasileira.
O
senhor acha que o resultado no Senado pode ser diferente e o governo da
presidenta Dilma sobreviver no Senado?
É
claro que as condições são bastante difíceis, mas creio que é não só um direito
– como um dever – que a presidenta Dilma tem, e todos os democratas, de
continuarem coerentemente sustentando a legalidade democrática e o respeito à
Constituição. Falei com a presidenta Dilma hoje pela manhã e a minha posição
pessoal é que ela prossiga na defesa da causa correta, de que não houve nenhum
crime de responsabilidade e, por isso mesmo, não é possível levar adiante
qualquer processo de impeachment. E me comprometi a continuar a dar sustentação
política e o meu apoio jurídico, porque realmente é algo inusitado. Na história
do Presidencialismo no mundo jamais se assistiu a um processo tão equivocado
por um crime de responsabilidade absolutamente inexistente. Acho que a
presidenta deve seguir na defesa, tanto no Senado quanto no Supremo Tribunal
Federal.
Existe
um grupo de políticos e autoridades ligadas à presidenta Dilma que sugere que
ela renuncie e faça um acordo para antecipar as eleições. O que o senhor acha
dessa ideia ?
Isso
só seria possível mediante um amplo entendimento nacional, por todas as forças
políticas. Acho que, do ponto de vista constitucional, seria necessário que
isso valesse para todos. Como, aliás, é no Parlamentarismo. Quando há uma
situação anômala como essa – uma espécie de voto de desconfiança, na prática,
que foi votado na Câmara – porque ninguém debateu o crime de responsabilidade
na sessão. Haveria, por conseguinte, também a dissolução do próprio Parlamento.
É assim no Parlamentarismo. Então para ser coerente com esse absurdo, só seria
possível repará-lo mediante eleições gerais. E isso exigiria um acordo pleno,
de todas as forças. Me parece um caminho bastante difícil, de difícil execução.
O
senhor acha que essas forças que derrotaram o Governo ontem, diante da
dificuldade de serem eleitas pelo voto popular, podem tentar montar o sistema
de Parlamentarismo no Brasil, já?
Acho
que diante do que a Nação assistiu, horrorizada, na sessão da Câmara, tenho
impressão não é uma tese que vá ter muita simpatia popular. De modo que me
parece muito difícil trilhar esse caminho, porque nós teríamos, inclusive, que
chancelar essa alternativa mediante um plebiscito. Porque a opção pelo Presidencialismo
foi adotada no plebiscito emanado diretamente da Constituição de 1988, que
determinou que em 1993 o povo deliberaria acerca de qual sistema de governo
mais indicado. Houve o plebiscito e a imensa maioria dos brasileiros optou pelo
Presidencialismo.
Acho
que tanto essa tese, do possível Parlamentarismo, quanto a de supostas eleições
gerais, exigiriam uma premissa: que todas as forças políticas pactuassem isso.
E me parece muito difícil, porque os golpistas se sentem equivocadamente
vencedores. Quando, na verdade, vencida foi a Nação. O que virá em seguida, de
continuidade desse quadro lamentável, irá infelizmente atingir a todos. Eu
tenho insistido nessa tese do diálogo nacional. Pode ser que das trevas, da
escuridão, nasça a luz.
Dessa
sua conversa com a Presidenta hoje, o senhor extraiu – se é possível revelar –
alguma decisão dela sobre o que fazer agora?
Tanto
na conversa por telefone que eu tive com ela, quanto na reunião que ela teve
com a bancada do nosso partido (PCdoB) na Câmara, ela reiterou a determinação
de proceder a defesa da legalidade democrática e do mandato constitucional que
ela conquistou nas urnas. E me parece que esse é o caminho mais correto, o
caminho mais adequado. Até para que, perante a opinião pública nacional e internacional,
e perante o tribunal da História, fique patenteada e sublinhada a dimensão da
violência inconstitucional que infelizmente estão tentando perpetrar nesse
momento.
E
essa acusação que faz parte da denúncia da oposição – essa denúncia do jurista
Miguel Reale Junior – de que as pedaladas formam crime de responsabilidade… O
senhor, como Governador, diria o que dessa premissa de que pedalada é crime?
Primeiro,
que há bastante tempo esses instrumentos de execução orçamentária e de
operações que são feitas ao longo do ano fiscal acabam por ser utilizadas.
Então, a presidenta Dilma não foi a primeira que utilizou esses caminhos.
Governantes, inclusive em nível estadual, também já recorreram a esses
instrumentos. Há vastos estudos quanto isso. Assim como também antecessores da
presidenta Dilma. Isso torna o processo ainda mais surpreendente, porque seria
de se imaginar, portanto, na linha do que ontem foi equivocadamente chancelado
na Câmara, nós teríamos que ter agora processos por crime de responsabilidade contra
dezenas de pessoas, ações de improbidade administrativa – porque isso é
imprescritível – contra presidentes da República.
Eu
fico muito curioso de saber se as instâncias de controle, como o Ministério
Público, vão em busca dessa responsabilização, por exemplo, por ato de
improbidade administrativa. Acho que isso serve também para demonstrar o quanto
é inconsistente isso tudo, e afronta muito visceralmente qualquer consciência
jurídica e democrática, inclusive porque há uma desproporcionalidade nisso tudo.
É
como se diante de um acidente de trânsito se pretendesse aplicar a pena de
morte. Essa assimetria inclusive agride o conceito de crime responsabilidade
que está contido na Constituição. De modo que apenas lesões muito graves ao
texto constitucional podem ensejar processo de crime de responsabilidade. E não
um debate de natureza puramente contábil, que sequer é novo. Então há nisso
tudo uma nota inequívoca de surrealismo.
O
que acha que será – ou seria – um governo do presidente Temer? O que acontecerá
no Brasil?
Esgotada
essa fase no Senado e no Supremo, é claro que o vice-presidente Michel Temer
vai procurar formar o seu governo através das forças que o apoiaram. E isso é o
que me preocupa, porque evidentemente essas forças que planejaram e intentaram
esse Golpe de Estado têm um programa. E esse programa tem medidas a serem
apresentadas à Nação. E o que vem se debatendo até aqui são propostas em
sentido contrário àquilo que a população precisa, que é a extensão de serviços
públicos, a manutenção de políticas sociais. Eu tenho ouvido basicamente teses
da restrição de direitos, de passos atrás, no que se refere a políticas
sociais. A tese do Estado Mínimo, tão fora de moda nos países de capitalismo
central, aparentemente ela é muito adorada anacronicamente por aqueles que
sustentam esse hipotético governo.
De
modo que eu vejo com muita preocupação, porque acho que é preciso continuar
avançando em direção à justiça social, ao crescimento com distribuição de
renda. E não vejo nessas forças de Direta – de ultra-Direita, inclusive –
disposição para isso, obviamente. Assim como também me preocupo muito com a
elevada instabilidade, inclusive do ponto de vista de investidores. Não foi um
ou dois empresários, Paulo Henrique Amorim, que me disseram quanto a
insegurança de seus investimentos, porque num país em que o mandato
presidencial pode ser violado desta forma, dá a impressão a quem está do outro
lado dos oceanos, que tudo pode acontecer. E isso não é bom para o Brasil,
inclusive para a realização de investimentos privados. De modo que eu vejo
infelizmente com muita preocupação isso tudo. E, por isso, continuo a sustentar
com muita firmeza que esse não é um caminho bom para Brasil.
E,
só como detalhe, neste momento e ao longo do dia de hoje, a Bolsa de Valores de
São Paulo fechou em queda, apesar da vitória política que os supostos
empresários tiveram ontem…
Isso
há de significar alguma coisa. Significa que, para além das especulações
imediatas, como se diz na linguagem popular, caiu a ficha. Realmente isso vai
conduzir o país para um caminho absolutamente inesperado e inusitado. Nós vamos
ter que trabalhar muito para evitar um desastre de grandes proporções.
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