
Machado sabia o que o pedido
queria dizer. Teria de arrancar uma doação de algum fornecedor da Transpetro.
Estava acostumado a esse tipo de missão. Por esse motivo, figuras de proa do
PMDB no Senado, entre eles Renan Calheiros, José Sarney, Romero Jucá, Jader
Barbalho e Edison Lobão, haviam bancado em 2003 sua nomeação para a estatal. O
fornecedor que recusasse os pedidos de colaboração financeira com peemedebistas
seria excluído dos negócios da empresa pública. Uma ameaça sempre à mão nos 12
anos em que dirigiu a empresa, período no qual teria providenciado mais de 100
milhões de reais em propinas para seus padrinhos políticos e acumulado 70
milhões de reais, fortuna escondida no exterior com o apoio dos filhos.
A julgar pelas descobertas da
Operação Lava Jato sobre as relações entre o poder político e o econômico, os
relatos do cearense Machado, de 69 anos, soam verossímeis. Resta saber se os
fatos são reais. O peemedebista esforça-se para prova-los em um acordo fechado
com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em troca da possibilidade
de escapar da cadeia e de proteger os herdeiros. Recém-homologado pelo Supremo
Tribunal Federal, o explosivo conteúdo da delação premiada veio a público na
quarta-feira (15), um dia após o ministro Teori Zavascki, relator dos processos
da Lava Jato no STFm ter quebrado o sigilo do acordo. Um tiro de canhão no
governo provisório.
No caso da suposta propina
solicitada por Temer à campanha de Chalita há pistas desagradáveis para o
presidente interino. Em depoimento de quase seis horas a procuradores em 6 de
maio no Rio de Janeiro, Machado disse que, na reunião de 2012, acertou-se o
repasse de 1,5 milhão de reais ao candidato. “O contexto da conversa deixava
claro que o que Michel Temer estava ajustando com o depoente era que este
solicitasse recursos ilícitos das empresas que tinha contratos com a Transpetro”,
afirma um trecho da delação. Após o encontro, Machado procurou Ricardo de
Queiroz Galvão, então vice-presidente da Queiroz Galvão, e Ildefonso Colares,
ex-diretor da empresa, selou a contribuição e telefonou a Temer para relatar o
resultado. A doação seria repassada à Direção Nacional do PMDB e,
posteriormente, encaminhado á campanha de Chalita. Valor “oriundo de pagamento
de vantagem indevida pela Queiroz Galvão”, assinala outro trecho da delação.
A prestação de contas de Chalita
e da direção do PMDB entregues à Justiça Eleitoral reforçam o relato. Em
setembro de 2012, quando Machado e Temer se reuniram em Brasília, a Queiroz
Galvão doou no dia 28 ao partido 1,5 milhão de reais. Na mesma data, houve uma
transferência de 1 milhão de reais da direção para a campanha de Chalita. Em 2
de outubro foi feito repasse complementar de 500 mil reais.
A acusação desorientou Temer,
pego de surpresa no dia em que enviaram
ao Congresso uma proposta de engessamento de gastos públicos com saúde e
educação por 20 anos, um anúncio desenhado pelo interino para cativar o “mercado”
e produzir boas notícias em meios de comunicação conservadores. Em nota, o
interino chamou a história de “absolutamente inverídica”. Na quinta (16), fez
um pronunciamento no Palácio do Planalto para se defender. Classificou a
denúncia de “mentirosa e criminosa” e comentou:
quem pratica atos como os delatados por Machado “não tem condições de
presidir o Brasil”, Registro feito.
Horas depois, a delação provocou
outra baixa no ministério, a terceira desde a posse do governo provisório.
Henrique Eduardo Alves deixou a pasta do Turismo, saída cantada em prosa e
verso dadas as ligações do ex-deputado com Eduardo Cunha e aos “indícios
bastante seguros” contra ele, segundo Janot, À Procuradoria, Machado disse a
respeito de Alves: “Eu o ajudei sempre por meio de doações oficiais, cuja
origem eram vantagens indevidas pagas pelas empresas contratadas pela
Transpetro”. Segundo o delator, Alves recebeu 1,55 milhão de reais em propina
disfarçada de doações feitas pela Queiroz Galvão e Galvão Engenharia.
O ex-deputado, agora ao alcance
do juiz Sérgio Moro, pois não tem mais foro privilegiado como ministro nem
mandato no Legislativo, foi um dos inúmeros políticos auxiliados por Machado
nos 12 anos à frente da Transpetro, conforme o delator. Uma turma de agraciados
suprapartidários: os petistas Cândido Vacarezza, Edson Santos, Luiz Sérgio e
Ideli Salvatti, o pepista Francisco Dornelles, governador interino do Rio de
Janeiro, José Agripino, presidente nacional do DEM, e Heráclito Fortes, do PSB,
entre outros. Todos os citados negam irregularidades.
O uso de estatais para arrecadar
caixa de campanhas eleitorais e cobrar propina é práxis na política brasileira
desde 1946, segundo machado, filho de um ministro do presidente deposto João
Goulart (1964-1964) e líder tucano no Senado por cinco anos na gestão Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002). Um esquema do gênero na companhia mineira Furnas
testemunhado por Machado esteve no centro de uma operação do PSDB para eleger
quase cem deputados na campanha de 1998, aquela da reeleição de FHC, e em
seguida conquistar a presidência da Câmara para o líder da bancada, o mineiro
Aécio Neves, em 2001. Um plano bem-sucedido, graças ao apoio de um apadrinhado
de Aécio na diretoria de Planejamento, Engenharia e Construção de Furnas, Dimas
Toledo, responsável por irrigar o caixa de tucanos e seus aliados em 1998 e
2001 com verba arrancada de fornecedores da estatal. Toledo é o famoso
protagonista da Lista de Furnas, um episódio abafado pela influência dos
tucanos na Justiça e na mídia. Com a menção de Machado, somam-se seis os
delatores a citar Aécio Neves no esquema da Petrobras.
Mesmo a oposição, sem poder para
emplacar indicados em cargos públicos, tira proveito deste modus operandi. Em
2006, narra Machado, a Transpetro enfrentava dificuldades para obter do Senador
aval para elevar seu teto de endividamento. A autorização ficou um bom tempo
parada na gaveta do, à época, presidente da Comissão de Infraestrutura,
Heráclito Fortes, então no DEM. Este só permitiu a votação depois de Machado
acionar o senador Sérgio Guerra, presidente do PSDB na oportunidade, e combinar
a prospecção de 1 milhão de reais em doações para o tucano e outro tanto para
Fortes, anfitrião do QG secreto do impeachment de Dilma Rousseff em 2015 e
2016.

A delação complicou mais um
pouco a vida de Temer. E não só por acusa-lo de recorrer a propina para
socorrer um correligionário ou por conta de outra baixa na equipe ministerial.
Empurrado para o centro da Lava Jato, o PMDB, sigla de Temer e das maiores
bancadas na Câmara e no Senado, sai enfraquecido e reduz ainda mais a margem de
manobra de um governo de legitimidade contestada, dono de uma agenda impopular
e que ainda luta para se consolidar com a aprovação final do impeachment. Luta
não, desespera-se, a julgar por certas manifestações de homens de confiança de
Temer, como Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, e Moreira Franco, responsável
pelas privatizações, ambos ansiosos por um desfecho rápido da deposição.
De quebra, o avanço da Lava Jato
sobre a porção da legendo no Senado adiciona incertezas ao caótico quadro
político e atrapalha a tentativa de Temer de mostrar força para aprovar seu
duro pacote. No sistema financeiro, o Senador é visto como o ponto mais frágil
da articulação do governo provisório, dizia na terça-feira (14) um analista do “mercado”
a percorrer a Câmara preocupado com uma notícia daquele dia: a abertura de um
inquérito no STF para investigar Calheiros, Barbalho, Jucá e Raupp por cobrança
de propina nas obras da Hidrelétrica de Belo Monte. A construção saiu do papel
quando um companheiro dessa turma, Edison Lobão, comandava o Ministério de
Minas e Energia.
Calheiros, presidente do Senado
e um dos mais implicados por Machado, acha que o ajuste fiscal de Temer deveria
ser votado somente após uma decisão sobre a cassação de Dilma. Mais: está
disposto a iniciar uma guerra contra o procurador-geral, ao sinalizar a
intenção de abrir um processo de impeachment de Janot, a quem chama de “mau-caráter”.
Decisão arriscada. Com Cunha à beira do cadafalso, Janot poderá concentrar
esforços no senador, alvo de uma série de inquéritos no STF. Calheiros arquivou
antes pedidos para depor o procurador-geral, mas agora avisa: vai rever
decisões ou atender a última, apresentada por militantes antipetistas que
consideram Janot leniente em relação a Dilma e ao ex-presidente Lula.
A ira de Calheiros tem a ver
justamente com pedidos de prisões. No caso, um contra ele, Jucá e Sarney
formulado pelo procurador-geral sob o argumento de que a trinca conspira contra
a Lava Jato, conforme indicam conversas gravadas por Machado. O encarceramento
do trio foi negado por Zavascki no mesmo despacho em que o ministro quebrou o
sigilo da delação. Calheiros atacou Janot, ao rotular a pretensão de “esdrúxula”
e de ultrapassar o “limite do ridículo”. O senador, diz um líder partidário,
tenta convencer os pares a embarcar na cruzada anti-Janot, embora sejam mínimas
as chances de êxito. Para este líder, Calheiros saiu, no entanto, fortalecido e
com uma espécie de atestado provisório de absolvição, após o STF negar sua
prisão.
No pedido de prisão, Janot
mostra-se convencido da existência de uma trama anti-Lava Jato por trás da
ascensão de Temer ao poder e da tentativa de agentes políticos legados a ele de
construir um pacto nacional contra a investigação. Certeza surgida das
gravações de Machado: “Pode-se inferir destes áudios que certamente fez parte
dessa negociação a nomeação de Romero Jucá para a pasta do Ministério do
Planejamento, além da nomeação do filho de José Sarney para o Ministério do
Meio Ambiente e de Fabiano Silveira, ligado a RenanCalheiros, para o ministério
que substituiu a Controladoria-Geral da União, além dos cargos já mencionados para o PSDB”, escreveu. De lá
para cá, Jucá e Silveira foram demitidos. Sarney Filho segue firme.

Os áudios, entende Zavascki, não
eram suficientes para comprovar a tese de embaraço às investigações e
justificar as detenções. O ministro acha que a Procuradoria deveria ter
apresentado indícios ou elementos adicionais. Estranho. No mesmo dia da
solicitação das prisões, 23 de maio, Janot requereu buscas e apreensões nas
residências de Calheiros, Sarney e Jucá, todas negadas pelo ministro.
A tentativa de encarcerar
próceres do PMDB levou Janot a um embate duro com outro ministro do Supremo,
Gilmar Mendes, e à abertura de um inquérito da Polícia Federal para apurar o
vazamento à mídia da informação sobre o pedido de prisão, até então sigiloso. Mendes,
um inegável antipetista sempre ao lado da trincheira do impeachment em
julgamentos ou comentários, insinuou ter sido o procurador-geral o responsável
pelo vazamento, com o objetivo de emparedar a Corte por meio da opinião pública
e obter as prisões requeridas. “Isso é uma brincadeira com o Supremo”,
esbravejou, pela primeira vez em dois anos incomodado com a divulgação de dados
da operação antes de o processo concluído. Tomou o revide na sexta-feira (10). “Figuras
de expressão nacional, que deveriam guardar a imparcialidade e manter decoro,
tentam disseminar a ideia estapafúrdia de que o procurador-geral da República
teria vazado informações sigilosas”, disse Janot. “Como hipótese investigativa
inicial, vale a pergunta: a quem esse vazamento beneficiou? Ao Ministério
Público não foi.”
Os percalços de expoentes do
PMDB no Senado ofuscaram um pouco o infortúnio do timoneiro da agremiação entre
os deputados. Depois de oito meses, um recorde de lentidão, o Conselho de Ética
da Câmara votou o processo por quebra
De decoro instaurado contra
Eduardo Cunha sob a alegação de ele ter mentido aos pares e ao Fisco a respeito
de contas no exterior. Aprovou, por 11 votos a 9, derrota dolorida para o
peemedebista, que se considerou traído. Se tudo correr como esperado, sem novas
manobras, o caso será decidido no plenário na primeira semana de julho e é
improvável que Cunha mantenha o mandato.
Quando o conselho se reuniu para
votar, a situação de Cunha era provavelmente inédita nos anais do Congresso.
Réu no STF por corrupção e lavagem de dinheiro em um caso de uso do mantado
para achacar um fornecedor da Petrobras. Denunciado ao Supremo por cobrar
propina na compra de um campo de petróleo pela estatal na África. Multado em 1
milhão de reais pela Banco Central por não declarar contas no exterior. Alvo de
uma ação de improbidade administrativa a requerer a suspensão de seus direitos
políticos por dez anos e a devolução de 80 milhões de reais ao Erário por
enriquecimento ilícito. Responsável por sua esposa, Cláudia Cruz, ter virado ré
por lavagem de dinheiro. Na mira de um pedido de prisão preventiva apresentado
por Janot ao STF.
Com tal prontuário, Cunha só
escaparia caso prevalecesse a inclinação suicida de aliados dispostos a assumir
o desgaste perante a opinião pública. A baiana Tia Eron, so PRB, e o paraense
Wladimir Costa, do Solidariedade, contabilizados como votos certos a seu favor,
refugaram na hora H. Apelos do Planalto em favor de um aliado de Temer,
revelados nos corredores pelo mineiro Júlio Delgado, não surtiram efeito.
Ameaças veladas de Cunha, via mídia, de levar junto 150 deputados, além de um
ministro e um senador, também não.
As más notícias continuaram após
o fim da sessão. Logo em seguida, o juiz Augusto Cesar Pansini Gonçalves, da 6ª
Vara Federal do Paraná, bloqueou os bens do casal Cunha na ação de improbidade,
enquanto Zavascki dava cinco dias de prazo para o peemedebista defender-se do
pedido de prisão de Janot. O ex-dono da Câmara está sem dinheiro e à beira de
ir para a cadeia. Não surpreende ruminar, conforme indicam certas informações
plantadas no noticiário, a ideia de fazer uma delação premiada, embora não se
saiba se a Procuradoria-Geral tenha interesse em um acordo. Se Machado foi
capaz de causar tantos estragos, imagine Cunha.
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