Proposta sobre renegociação de
dívidas estaduais embute cortes que afeta tribunais e Defensoria Pública.
As alterações orçamentárias que poderão resultar na demissão em massa de promotores de Justiça e de defensores públicos. Além disso, com restrições nos orçamentos do Judiciário, é possível que dezenas de comarcas judiciais espalhadas pelo interior do Brasil sejam fechadas.
As alterações orçamentárias que poderão resultar na demissão em massa de promotores de Justiça e de defensores públicos. Além disso, com restrições nos orçamentos do Judiciário, é possível que dezenas de comarcas judiciais espalhadas pelo interior do Brasil sejam fechadas.
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AFONSO BENITES
El País/Brasília
Uma proposta legislativa que
deve implicar na limitação de investigações de casos de corrupção e na drástica
diminuição da prestação de serviços de advocacia pública para pessoas pobres
deve começar a ser votada nesta segunda-feira (01/08) pela Câmara dos
Deputados, na volta do recesso parlamentar. O projeto de lei complementar (PLP) 257/2016, que trata da renegociação das dívidas dos Estados, embute uma série
de alterações orçamentárias que poderão resultar na demissão em massa de
promotores de Justiça e de defensores públicos. Além disso, com restrições nos
orçamentos do Judiciário, é possível que dezenas de comarcas judiciais
espalhadas pelo interior do Brasil sejam fechadas. As modificações legais foram
propostas em março pelo Governo Dilma Rousseff (PT) e encampadas pela gestão
interina de Michel Temer (PMDB). Elas fazem parte do pacote de ajuste fiscal.
O diagnóstico do preocupante
cenário para o sistema judicial foi feito ao EL PAÍS por sete especialistas e
dirigentes de entidades de classe do Poder Judiciário, do Ministério Público e
da Defensoria Pública. No meio judicial a proposta é conhecida como “o projeto
do juízo final”. “A situação é tão caótica que alguns dos Ministério Públicos
Estaduais terão de demitir todos os seus servidores e mais de 30% de seus
promotores”, afirmou a presidenta da Associação Nacional dos Membros do
Ministério Público (CONAMP), Norma Angélica Cavalcanti.
No caso das Promotorias e dos
Tribunais de Justiça a razão para a onda de demissões e de possível fechamento
de comarcas é puramente técnica. Pelas regras atuais, os MPs podem gastar até
2% da receita corrente líquida dos Estados com o pagamento de pessoal. Nos TJs,
esse limite é de 6%. O PLP 257/2016 modifica a Lei de Responsabilidade Fiscal e
transfere para a rubrica “despesas com pessoal” algumas contas que antes não
estavam previstas, como valores das gratificações, gastos com funcionários
terceirizados, salários de estagiários e pagamentos de pensões e
aposentadorias. Dessa forma, ao menos 15 MPs e 23 TJs deixariam de cumprir o
limite previsto na legislação atual. Todos teriam um prazo de até dez anos para
se adequar. Porém, já calculam que uma série de cortes ocorreria imediatamente.
O caso das Defensorias Públicas
é diferente dos outros dois órgãos porque, atualmente, não há nenhuma limitação
para gastos com pessoal. A proposta definiria esse teto em 0,7% da receita
corrente líquida de cada Estado. Ocorre que 16 das 27 unidades da federação já
extrapolam esse patamar, que é considerado baixo. Caso o projeto seja aprovado,
todas elas também teriam de demitir parte de seus quadros. Dois Estados
simbolizam bem esse problema: Mato Grosso do Sul (que gasta 1,8%) e Tocantins
(1,2%). O primeiro estima que apenas 35 dos 173 defensores públicos
continuariam em suas funções. O segundo, prevê o fechamento de 39 dos 42
núcleos espalhados pelo interior tocantinense. “Hoje, 69% das comarcas do país
não têm defensores. Se o projeto for aprovado, alguns Estados ficarão com 10 ou
15 defensores para atender toda a população pobre. Estamos diante de um
retrocesso incomensurável”, afirma o presidente da Associação Nacional dos
Defensores Públicos (ANADEP), Joaquim Neto.
Processos
mais demorados
Um levantamento prévio realizado
pelo Conselho dos Tribunais de Justiça (CTJ) constatou que Estados como São
Paulo e Minas Gerais (dois dos maiores do país), por exemplo, extrapolariam o
novo limite em até 4,5 pontos percentuais. Hoje gastam em torno de 5% da
receita líquida do Estado com pessoal, pelos cálculos poderiam a chegar entre
7,5% e 9,5%. “Nem se demitíssemos todos os comissionados conseguiríamos chegar
no limite pretendido pelo projeto. Sem poder ter servidor, sem poder nomear
novos juízes, várias comarcas seriam fechadas e o processo judicial, que já é
moroso no Brasil, ficaria mais moroso ainda”, avaliou o desembargador Pedro
Bitencourt, presidente do CTJ.
Promotor de justiça e doutorando
na área de ciências jurídico-políticas, Luiz Antônio Freitas de Almeida avalia
que a medida é um retrocesso institucional que reduzirá os quadros funcionais a
montantes semelhantes ao dos anos 1980, justamente em um período em que novas
medidas anticorrupção são mais esperadas pela população. “Num momento em que
todos foram e vão às ruas com o espírito de combater e punir a corrupção que
assola o país, o enfraquecimento do Ministério Público, do Poder Judiciário e
demais instituições de controle só mostraria descompasso e o descolamento da
classe política com a vontade do povo”, diz trecho de artigo escrito por
Almeida.
A conclusão dele é semelhante à
do presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José
Robalinho. “A diferença entre o veneno e o remédio é a dose. Não podemos achar
que esse ajuste brutal, que vai limitar as investigações e atrasar processos, é
um mero detalhe orçamentário”, afirmou. Segundo Robalinho, em uma primeira
análise, o sistema judicial federal – hoje responsável pela operação Lava Jato,
entre outras – não seria afetado diretamente pelas mudanças legislativas. Mas
isso poderia ocorrer a longo prazo, já que, em caso de aprovação do projeto,
haverá uma limitação na contratação de pessoal.
Votação
e mais protestos
Para tentar contornar a
situação, os representantes de classe tentam ampliar o diálogo com os
parlamentares e prometem ocupar os corredores do Congresso Nacional logo no
primeiro dia de retomada dos trabalhos após o recesso parlamentar.
Na última semana, um grupo deles
foi recebido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que se
comprometeu a debater melhor o assunto com seus pares. Porém, foi o próprio
Maia quem convocou uma sessão extraordinária para votar a proposta, considerada
essencial pelo Governo interino de Temer para equilibrar as contas do país,
cujo déficit para este ano está previsto em 170 bilhões de reais. “Entendemos
que a crise econômica é grave, mas queremos ao menos ser ouvidos para que
possamos mostrar que, para o Judiciário, essas mudanças são gravíssimas e
comprometem o funcionamento de todo o sistema”, afirmou o vice-presidente da
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Paulo Feijó.
Com 209 emendas à proposta
inicial, a expectativa é que a votação não seja concluída na segunda-feira.
Além dos membros do sistema judicial, sindicalistas e militantes de outras
áreas deverão iniciar uma série de protestos. O motivo é que o projeto também
prevê limites para o gasto público, impedindo a realização de novos concursos
para a contratação de funcionários, proibindo a criação de novos cargos e
reajustes de servidores e incentivando programas de demissão voluntária.
Levando em conta a base de Temer
na Câmara (cerca de 400 dos 513 deputados), a expectativa é que o PLP 257/2016
seja aprovado sem grandes problemas. Uma consulta feita na última semana junto
a líderes de 16 partidos no Legislativo, constatou que apenas um partido, o
PSOL, fechou questão contrária ao projeto. Ainda assim, na manhã de
segunda-feira, o presidente em exercício deverá se reunir com alguns dos
membros de suas bancadas aliadas e com o ministro da secretaria de Governo,
Geddel Vieira Lima, para discutir a articulação de todos os projetos de
interesse da gestão para as próximas semanas. Na última sexta-feira, o ministro
Lima e o líder do Governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), foram procurados
para tratar do projeto, mas não responderam aos pedidos de entrevistas.
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