Por
Jânio de Freitas
Folha
de S. Paulo

Os que
negam o golpe o fazem como todos os seus antecessores em todos os tempos:
nenhum golpista admitiu ser participante ou apoiador de um golpe. Desde o seu
primeiro momento e ainda pelos seus remanescentes, o golpe de 1964, por
exemplo, foi chamado por seus adeptos de "Revolução Democrática de
64". Alguns, com certo pudor, às vezes disseram ser uma revolução
preventiva. É o que faz agora, esquerdista extremado naquele tempo, o deputado
José Aníbal, do PSDB, sobre a derrubada de Dilma: "É a democracia se
protegendo". Dentre os possíveis exemplos pessoais, talvez nenhum iguale
Carlos Lacerda, que dedicou a maior parte da vida ao golpismo, mas não deixou
de reagir com fúria se chamado de golpista.
As
perícias e as evidências negaram fundamento nas duas acusações utilizadas para
o processo do impeachment de Dilma. As negações foram ignoradas no Senado, em
escancarada distorção do processo. Para disfarçar essa violência, foi propagada
a ideia de que a maioria dos senadores apoiaria o impeachment levada pelo
"conjunto da obra" de Dilma: a crise econômica, as dificuldades da
indústria, o aumento do desemprego, o deficit fiscal, a suspensão de obras
públicas, as dificuldades financeiras dos Estados e outros itens citados no
Congresso e na imprensa.
Se os
deputados e senadores se preocupassem mesmo com esses temas do "conjunto
da obra", teríamos o Congresso que desejamos. E os jornais, a TV e os seus
jornalistas estariam sempre mentindo com suas críticas, como normal geral e
diária, sobre a realidade da política e dos políticos.
Nem as
tais pedaladas e os créditos suplementares, desmoralizados por perícias e
evidências, nem o "conjunto da obra", cujos temas não figuram nos
interesses da maioria absoluta dos parlamentares, deram base para acusações
respeitáveis em um processo e um julgamento. Se, no entanto, envoltos por
sofismas e manipulações, serviram para derrubar uma presidente, houve um
processo, um julgamento e uma acusação ilegítimos –um golpe parlamentar. Os que
o efetivaram ou apoiaram podem chamá-lo como quiserem, mas foi apenas isto e
seu nome verdadeiro é só este: golpe.
Esse
desastre institucional contém, apesar de tudo, um ponto positivo. A conduta dos
militares das três Forças, durante toda a crise até aqui, foi invejavelmente
perfeita. Do ponto de vista formal e como participação no esforço
democratizante que civis da política e do empresariado estão interrompendo.
O
pronunciamento de ex-presidente feito por Dilma corresponde à aspiração de
grande parte do país. Mas a tarefa implícita no seu "até daqui a
pouco" exigiria, em princípio, mais do que as condições atuais da nova
oposição podem oferecer-lhe, no seu esfacelamento. À vista do que são Michel Temer
e os seus principais coadjuvantes, não cabem dúvidas de que os oposicionistas
podem esperar muita contribuição do governo. Mas o dispositivo de apoio à
situação conquistada será, a partir da Lava Jato, de meios de comunicação e do
capital proveniente de empresários, uma barreira sem cuidado com limites.
Desde
ontem, o Brasil é outro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário