Último
dos grandes líderes da Igreja Católica dos anos 1970, o cardeal dedicou a vida
aos pobres e à defesa dos direitos humanos
José
Maria Mayrink ,
O
Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Morreu em São Paulo nesta
quarta-feira, 14, aos 95 anos o cardeal d. Paulo Evaristo Arns, arcebispo
emérito de São Paulo. Ele foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI)
do Hospital Santa Catarina em 28 de novembro com um quadro de broncopneumonia.
Nos últimos dias apresentou piora do sistema renal e sofreu falência múltipla
de órgãos.
Quinto dos 14 filhos que Gabriel Arns e
Helena Steiner tiveram, Paulo Evaristo nasceu em 14 de setembro de 1921 na
pequena Forquilhinha, na região de Criciúma, antiga colônia de imigrantes
alemães em Santa Catarina.
A exemplo do irmão mais velho, frei
Crisóstomo, Paulo Evaristo entrou em um seminário franciscano, vocação que o
pai agricultor apoiou com entusiasmo, embora tentasse adiar a matrícula o mais
possível, só porque as despesas do internato pesavam no orçamento. Das sete
irmãs moças, três optariam pelo convento.
“Paulo, nunca se envergonhe de dizer que
você é filho de colono”, pediu Gabriel Arns. Muito depois, quando concluía os
estudos na Sorbonne com uma tese sobre a técnica do livro segundo São Jerônimo,
o frade mandou um telegrama para Forquilhinha. “O filho do colono é doutor pela
Universidade de Paris e não se esqueceu da recomendação do pai.”
Atuação
De volta ao Brasil, foi professor de
Teologia no seminário franciscano de Petrópolis (RJ), onde trabalhou dez anos
em favelas, período que descreveria como o mais feliz da vida. Em maio de 1966,
foi nomeado bispo auxiliar do então cardeal de São Paulo, d. Agnelo Rossi, que
o designou para a região de Santana, na zona norte.
Dedicava-se aos presos da Casa de
Detenção do Carandiru e criava núcleos das comunidades eclesiais de base
(Cebs), experiência pioneira na arquidiocese, quando um telefonema do núncio
apostólico lhe comunicou que seria o novo arcebispo de São Paulo. Não era um
convite, mas uma ordem do papa Paulo VI, que transferira o cardeal Rossi para
Roma. Era 1970.
Um ano antes, tivera os primeiros
contatos com vítimas do regime militar, início da luta em defesa dos direitos
humanos que marcaria sua carreira. Designado pelo cardeal para verificar as
condições em que se encontravam os frades dominicanos e outros religiosos na
prisão, constatou que eles estavam sendo torturados.
Os militares não gostaram da nomeação de
d. Paulo. Quando foi elevado a cardeal, em março de 1973, uma das suas
primeiras medidas foi criar a Comissão Justiça e Paz, formada por advogados e
outros profissionais, para atender pessoas perseguidas pela ditadura.
Funcionava na Cúria Metropolitana, sinônimo de refúgio e esperança para as
famílias de mortos e de desaparecidos.
Respeitado e temido, amado e odiado, d.
Paulo tornou-se um símbolo de resistência. Denunciou as torturas nos quartéis,
visitou presos em suas celas, liderou atos de protestos. No período mais
difícil do regime, procurou o presidente Emílio Medici (Arena), em nome do
episcopado paulista, para lhe entregar o documento Não te é lícito, no qual os
bispos exigiam o fim das torturas. Medici deu um murro na mesa ao ouvir a
advertência do cardeal e o pôs para fora de seu gabinete.
“O
senhor fique na sacristia, que nós cuidamos da ordem”, irritou-se o general. D.
Paulo pegou de volta o exemplar da Rerum Novarum, a encíclica de Leão XIII que
levara de presente, mas fora jogada de lado. Depois disso, só tiveram contatos
protocolares.
Em defesa dos direitos humanos, visitava
operários, estudantes e políticos nas celas da polícia. Foi numa sala da
repressão que conheceu Luiz Inácio Lula da Silva, que havia sido detido após as
greves dos metalúrgicos do ABC. Ficaram amigos pelo resto da vida. Na época, o
bispo de Santo André era d. Cláudio Hummes, mais tarde arcebispo de São Paulo,
que abrigou nas igrejas da diocese trabalhadores impedidos de se reunir.
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