Procuradores temem que discurso de que
operação atrapalha a economia dê forças a políticos que querem frear as
investigações
O procurador Carlos Fernando
Ricardo Brandt, enviado especial a
Curitiba, Fausto Macedo, Julia Affonso e Mateus Coutinho
O Estado de São Paulo
O discurso de que a Operação Lava Jato
atravanca a retomada da economia no País, conjugado com a virtual queda de
interesse das pessoas sobre o tema do enfrentamento à corrupção e a articulação
crescente de políticos emparedados pelo escândalo para aprovar leis de
salvaguarda aos investigados, colocaram os procuradores da força-tarefa, em
Curitiba, na defensiva.
“Estão tentando um esvaziamento lento e
gradual da operação, mas a Lava Jato tem força própria.”
A opinião do mais antigo dos
procuradores da força-tarefa, que investiga a corrupção na Petrobrás, Carlos
Fernando dos Santos Lima, é fruto de tensão ímpar que tomou o QG da Lava Jato,
no sétimo e oitavo andares do Edifício Patriarca, região central de Curitiba,
nesse início de 2017.
Às vésperas de completar 3 anos de
investigação, a força-tarefa da Lava Jato está entrincheirada, à espreita do
mais pesado bombardeio a enfrentar – fruto da reação de políticos com o avanço
dos processos, no Supremo Tribunal Federal (STF), e do “tsunami” que
representará a delação premiada da Odebrecht.
Dos três fatores que representam um
risco para a Lava Jato, na avaliação de integrantes da força-tarefa, a
narrativa propalada para a opinião pública, de abusos jurídicos e de que a
operação é a responsável pela crise econômica do Brasil, é o que mais preocupa.
“O sistema político disfuncional
atrapalha a economia, não a Operação Lava Jato.”
Aos 52 anos e prestes a se aposentar, o
tom efusivo e as bochechas avermelhadas são os sinais mais aparentes da
preocupação que aflige a equipe diante desse “inimigo oculto”.
Formada por 13 procuradores da
República, que atuam exclusivamente no caso, a avaliação comum entre membros da
força-tarefa é que a “corrupção enfraquece o potencial competitivo da indústria
nacional” e, por isso, precisa ser atacado – mesmo que gere um período de
efeitos negativos na economia.
“Precisamos resolver isso. É possível
manter um bom desempenho econômico por um, dois, cinco anos por conta de
commodities, boom no exterior, entrada de dólares. Mas basta uma queda, e o
sistema político disfuncional vai se revelar e desestabilizar a situação.”
Para o procurador, o “sistema
disfuncional” é o que usa a corrupção como forma de financiamento político e
eleitoral, num ciclo em que empresas abastecem esse caixa paralelo em troca de
negócios com os governos.
“Mantida a situação atual, de corrupção
e deturpação do regime democrático, outras crises econômicas virão.”
Risco
Não é a primeira vez que a Lava Jato se
vê sob ataques. Acusações de que o caso Petrobrás se sustenta em prisões
abusivas, investigações ilegais e que exista um fundo político partidário nas
apurações, são algumas das críticas recorrentes.
Foi assim em novembro de 2014 – ano
inaugural do escândalo -, quando foram levados para a cadeia os primeiros
empreiteiros, em junho de 2015, quando o dono da maior empreiteira do País,
Marcelo Bahia Odebrecht, foi preso, ou mesmo em março de 2016, quando o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi levado coercitivamente para depor.
O que diferencia a atual contraofensiva,
na avaliação dos investigadores, é que a narrativa que atrela a crise econômica
ao trabalho da Lava Jato dá maior força a articulação de parlamentares e
políticos investigados.
Associada ao menor interesse das pessoas
no caso, com a longevidade do escândalo e a redução das operações ostensivas,
com prisões e buscas policiais, e à mudança de discurso de setores que apoiaram
as investigações até a destituição da ex-presidente Dilma Rousseff, essa nova
ofensiva pode representar o primeiro grande revés.
Em três anos, a operação deflagrada em
17 de março de 2014, por uma força-tarefa do Ministério Público, Polícia e
Receita Federais, formada em Curitiba, levou para a cadeia 188 pessoas, entre
elas importantes nomes do governo e também proeminentes empresários.
Hoje, nas celas da Lava Jato, estão
detidos os ex-ministros Antonio Palocci e José Dirceu, os ex-deputados Eduardo
Cunha e André Vargas e o presidente afastado da maior empreiteira do País,
Marcelo Odebreht.
O procurador da República Deltan
Dallagnol, da força-tarefa da Lava Jato, mostra quadro com contas que seriam
usadas pela Odebrecht
Mudança
Com 38 fases deflagradas e premiada
internacionalmente – na entrada do QG há um altar com as tabuletas de honraria
– , a Lava Jato em Curitiba entra em uma nova fase, em que as grandes operações
de buscas e prisões serão reduzidas, afirmam Carlos Fernando e o procurador da
República Deltan Dallagnol.
Coordenadores da força-tarefa, os
procuradores defendem que a sociedade continua a ser o principal “escudo”
contra a ofensiva de políticos e demais setores, que tentam minar o avanço das
investigações.
“É um risco que o interesse comece a
cansar as pessoas”, avalia Dallagnol.
Para os investigadores, a “Lava Jato,
por si, não é capaz de resolver o problema”.
“Mas ela criou a condição para que se comece a alterar esse sistema
político disfuncional e corrupto”, diz Carlos Fernando.
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