Em
grampo, Reinaldo Azevedo chama reportagem da Veja de 'nojenta' e critica Janot
para irmã de Aécio. Jornalista diz que divulgação de conversa com fonte fere
garantia constitucional de sigilo da fonte. "Andrea estava grampeada, eu
não. A divulgação dessa conversa me tem como foco, não a ela"
Filipe Coutinho
Repórter do BuzzFeed News, Brasil
Passava da meia-noite de quarta para a
quinta-feira, 13 de abril. De um lado da linha, está Andrea Neves, irmã do
senador Aécio Neves (PSDB-MG) e presa pela Lava Jato. Naquele momento, os
irmãos eram investigados e estavam sendo grampeados pela Polícia Federal, com
autorização da Justiça.
Era o auge da delação da Odebrecht:
horas antes, o Supremo Tribunal Federal havia divulgado a íntegra das acusações
da empreiteira.
Um dos políticos mais atingidos era
Aécio. Do outro lado da linha, estava o jornalista Reinaldo Azevedo, titular de
um dos blogs mais influentes do site da revista Veja.
Ao ser procurado pela reportagem do
BuzzFeed, ele anunciou sua demissão da Veja e disse que não era investigado,
mas que a divulgação da conversa tinha o jornalista, e não Andréa Neves, como
foco.
"Há uma agressão a uma das
garantias que tem a profissão. A menos que um crime esteja sendo cometido, o
sigilo da conversa de um jornalista com sua fonte é um dos pilares do
jornalismo", escreveu.
Leia a íntegra da nota abaixo, ao final
do texto.
A PF não considerou indícios de crimes na
conversa realizada entre o jornalista e sua fonte, Andrea Neves. Mesmo assim,
as gravações foram anexadas pela Procuradoria-Geral da República ao conjunto de
áudios anexados ao inquérito que provocou o afastamento de Aécio e a prisão da
irmã. O tom entre o colunista e a operadora do tucano é de cordialidade – o que
não é incomum na relação entre jornalistas e as suas fontes.
O assunto é justamente as graves
acusações contra Aécio, na delação da Odebrecht. É uma conversa mútua de
críticas à Odebrecht, Lava Jato e até à revista Veja, sempre em defesa de
Aécio.
Andrea Neves - Tudo bem e você?
Reinaldo Azevedo - Se eu não aguento mais, imagino
vocês...
Andrea Neves - Virou uma salada de frutas, um
negócio maluco.
Um dos assuntos discutidos é um dos
pontos da delação da empreiteira. A acusação de que o empresário Alexandre
Accioly, dono da academia Bodytech, emprestou uma conta em Cingapura para Aécio
receber propina. O caso foi revelado pelo BuzzFeed. Ele nega as acusações.
Andrea Neves - Aí aparece uma história maluca,
que já tinha aparecido um mês atrás mais ou menos naquele site BuzzFeed, dessa
conta do Accioly em Cingapura. Que era, em tese, o mesmo dinheiro da minha em
Nova York, que é o tal dinheiro da [usina] Santo Antônio. É essa coisa mágica,
que ninguém consegue explicar, porque que o Aécio poderia ganhar uma bolada
desse tamanho numa obra que é do governo federal. [...]
O assunto então muda para a Veja. A
revista havia publicado, na capa, que a delação da Odebrecht trataria o
pagamento de propina a Aécio em Nova York, numa conta em nome da irmã Andrea.
Esta suposta conta que Veja atribuiu a Andrea Neves nos EUA nunca apareceu.
Com a divulgação pelo Supremo da delação
de Henrique Valladares, citada na reportagem de capa, os dois passam então a
criticar a revista.
Andrea Neves - Agora, que está acontecendo na
Veja, o que o pessoal fez…
Reinaldo Azevedo - Ah, eu vi. É nojento, nojento.
Eu vi.
Andrea Neves - Assinaram todos os jornalistas e
vão pegar a loucura desse cara para esquentar a maluquice contra mim.
Reinaldo Azevedo - Tanto é que logo no primeiro
parágrafo, a Veja publicou no começo de abril que não sei o que, na conta de
Andrea Neves. Como se o depoimento do cara endossasse isso. E ele não fala
isso.
Andrea Neves - Como se agora tivesse uma
coleção de contas lá fora e a minha é uma delas.
Reinaldo Azevedo - Eu vou ter de entrar nessa
história porque já haviam me enchido o saco. Vou entrar evidentemente com o meu
texto e não com o deles. Pergunto: essas questões que você levantou para mim,
posso colocar como se fosse resposta do Aécio?
Andrea Neves - Nós mandamos agora para a Veja
uma nota para botar nessa matéria.
Reinaldo Azevedo - Não quer mandar para mim também?
Andrea Neves - Mando.
A irmã do senador e Reinaldo Azevedo
começam então a criticar a Lava Jato. Ela afirma que a Procuradoria-Geral da
República separou investigações contra Aécio para que ele fosse considerado o
campeão de inquéritos.
Andrea Neves - Você tem vários casos, todos
juntados. Como eles queriam que o Aécio aparecessem como campeão de inquéritos…
Reinaldo Azevedo - Sim, esse era o objetivo.
Andrea Neves - [...] É inacreditável, é uma
covardia.
Reinaldo Azevedo - [...] É incrível, a Odeberecht
agora virou a grande selecionadora de quem sobrevive e morre na política. A
Odebrecht nunca teve tanto poder. É asqueroso. Me manda esse levantamento, me
interessa, sim.
O levantamento citado no diálogo é uma
compilação dos inquéritos que, segundo Andrea Neves, mostraria que Janot adotou
um critério de caixa dois para os citados e outros para Aécio.
Entre os dias 13 e 14 de abril, foram
dois textos publicados pelo jornalista sobre o tucano. O primeiro relata as
acusações da Odebrecht e a posição da defesa. Já o segundo texto é em tom
similar à conversa com Andrea Neves: "Janot aplica a Aécio critério de
exceção, e inquéritos procriam!"
No final do diálogo gravado, há ainda
uma crítica a Janot.
Reinaldo Azevedo - A gente precisa ter elementos
objetivos de um certo senhor mineiro aí, cuidando da candidatura dele ou à
presidência ou ao governo do Estado.
Andrea Neves - Como assim?
Reinaldo Azevedo - O nosso procurador-geral.
Andrea Neves - Você está achando?
Reinaldo Azevedo - Ôxi.. fiquei sabendo que está
tendo conversas. Eu só preciso ter gente que endosse isso de algum jeito. Ter
um pouco mais de elementos concretos. Que ele está, está. Presidência talvez
não, mas o governo de Minas, sim.
Andrea Neves cita, em tom de chacota, a
presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia. Ela é mineira.
Andrea Neves - Vai disputar com a Carminha
(risos).
Reinaldo Azevedo - Ah, deve ser né. Sua prima
(risos).
A conversa se encerra.
No dia seguinte, a Polícia Federal
registra novo diálogo. A gravação, contudo, registra uma conversação truncada,
com as vozes dos dois se sobrepondo, logo no início da chamada. Reinaldo
Azevedo e Andrea Neves declamam poemas um para o outro.
Primeiro, o jornalista cita o poeta
Cláudio Manoel da Costa. “É um poema lindíssimo que ele fala justamente de uma
coisa que eu constatei quando fui a Belo Horizonte. A cidade cercada de
montanhas. E aí ele diz assim: essas montanhas poderiam ter endurecido o
coração. Mas não, tiveram efeito contrário".
Andrea Neves declama então um trecho que
havia decorado na infância: "Bárbara bela, do Norte estrela, que o meu
destino sabes guiar, de ti ausente, triste, somente as horas passo a
suspirar".
De repente, Andrea Neves corta o papo:
"Reinaldo, posso te ligar num segundo? É que nós estamos com um problemão
agora com o Jornal Nacional..."
Procurado, Reinaldo Azevedo anunciou que
pediu demissão de Veja:
"Pela
ordem:
Comecemos
pelas consequências.
Pedi
demissão da VEJA. Na verdade, temos um contrato, que está sendo rompido a meu
pedido. E a direção da revista concordou.
1:
não sou investigado;
2:
a transcrição da conversa privada, entre jornalista e sua fonte, não guarda
relação com o objeto da investigação;
3:
tornar público esse tipo de conversa é só uma maneira de intimidar jornalistas;
4:
como Andrea e Aécio são minhas fontes, achei, num primeiro momento, que
pudessem fazer isso; depois, pensei que seria de tal sorte absurdo que não
aconteceria;
5:
mas me ocorreu em seguida: "se estimulam que se grave ilegalmente o
presidente, por que não fariam isso com um jornalista que é crítico ao trabalho
da patota;
6:
em qualquer democracia do mundo, a divulgação da conversa de um jornalista com
sua fonte seria considerada um escândalo. Por aqui, não;
7:
tratem, senhores jornalistas, de só falar bem da Lava Jato, de incensar seus
comandantes.
8:
Andrea estava grampeada, eu não. A divulgação dessa conversa me tem como foco,
não a ela;
9:
Bem, o blog está fora da VEJA. Se conseguir hospedá-lo em algum outro lugar,
vocês ficarão sabendo;
10:
O que se tem aí caracteriza um estado policial. Uma garantia constitucional de
um indivíduo está sendo agredida por algo que nada tem a ver com a
investigação;
11:
e também há uma agressão a uma das garantias que tem a profissão. A menos que
um crime esteja sendo cometido, o sigilo da conversa de um jornalista com sua
fonte é um dos pilares do jornalismo".
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