Caixa com notas de R$ 50 foi entregue
por emissários da JBS ao coronel João Baptista Lima Filho, amigo do presidente,
em São Paulo
Trecho da planilha da propina da JBS. A entrega "Vlr. Em espécie" de R$ 1 milhão foi para "MT": Michel Temer (Arte ÉPOCA) |
DIEGO ESCOSTEGUY
de Época
Demilton de Castro e Florisvaldo de
Oliveira estavam suando. No estacionamento da JBS em São Paulo, eles tentavam,
sem sucesso, enfiar uma volumosa caixa de papelão num limitado porta-malas de
Corolla. Plena segunda-feira e aquele sufoco logo cedo. Manobra para cá,
manobra para lá e nada de a caixa encaixar. Até que, num movimento feliz, ela
deslizou. Eles conseguiram. Estavam prontos para desempenhar a tarefa que fora
designada a Florisvaldo. E que ele tanto temia.
Dez dias antes, Florisvaldo
despencou até uma rua na Vila Madalena, também em São Paulo, para fazer uma
espécie de "reconhecimento do local" onde teria de entregar R$ 1
milhão em espécie. Seu chefe, o lobista Ricardo Saud, havia encarregado
Florisvaldo do delivery de propina para o então vice-presidente da República, Michel
Temer. O funcionário, leal prestador de serviço e carregador de mala, não
queria dar bola fora. Foi dar uma olhada em quem receberia a bufunfa.
Ao subir
as escadas do prediozinho de fachada espelhada, deu de frente com a figura
inclemente de João Baptista Lima Filho, o coronel faz-tudo de Temer. "Como
é que você me aparece aqui sem o dinheiro?", intimou o coronel. "Veio
fazer reconhecimento de que, rapaz?" Florisvaldo tremeu. "Ele me
tocou de lá", comentou com os colegas, ainda assustado. Receoso da bronca
que viria também do chefe, Florisvaldo ficou quietinho, não contou a Saud que a
entrega não fora feita.
Florisvaldo transportava R$ 1 milhão que
haviam feito um caminho tortuoso. Sua origem era o BNDES, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social. Os aportes do BNDES na JBS proporcionados
pelo governo petista custavam um pedágio de 4%, num acerto feito anos antes por
Joesley Batista com o então ministro da Fazenda, Guido Mantega.
O dinheiro foi
estocado em duas contas nos Estados Unidos, cujo saldo superou os US$ 150
milhões. Na campanha de 2014, a mando de Mantega, começou a ser distribuído.
Para Temer, especificamente, foram destinados R$ 15 milhões – ele ficou com
parte em dinheiro vivo, como narrado nesta reportagem, e repassou valores para
correligionários.
Naquele 2 de setembro de 2014, Saud, o
lobista, batia as contas dos milhões em propina que distribuía de lá para cá,
para tudo que é político de tudo que é partido – a JBS não discriminava
ninguém. "Cadê o dinheiro do Temer?" Florisvaldo admitiu sua falha.
"Tá doido, Florisvaldo? Vai entregar esse dinheiro agora!" Lembrando
da pinta do coronel, o funcionário replicou: "Só se o Demilton for comigo".
Toca Florisvaldo e Demilton a tentarem enfiar a caixa com notas de R$ 50 no
porta-malas. Demilton, quatro décadas de empresa, é o planilheiro da JBS. A
Odebrecht tinha o Drousys, o software de distribuição de propinas. A JBS tem
Demilton, exímio preenchedor de tabelas do Excel. Demilton topou ajudar o
amigo. Os dois deixaram o estacionamento da JBS ao meio-dia. Florisvaldo, meio
nervoso, tocou a campainha. Depois de instantes angustiantes, o coronel Lima
apareceu.
"Trouxeram os documentos?", perguntou Lima. Florisvaldo já
tomava fôlego para carregar a caixa de papelão escada acima, mas o coronel
ordenou que o dinheiro fosse depositado no porta-malas do carro ao lado.
"Não tem perigo com essa parede espelhada aí?", Florisvaldo era todo
paúra. "Não, fica tranquilo." A transação estava completa.
Aquele 2 de setembro de 2014 era mais um
dia intenso na maior compra já promovida no Brasil, segundo as evidências
disponíveis, de uma eleição – de centenas de eleições. A JBS dos irmãos Joesley
e Wesley Batista, maior empresa do país, viria a gastar, ou investir, quase R$
600 milhões naquela campanha – R$ 433 milhões em doações oficiais e R$ 145
milhões em pagamentos a empresas indicadas por políticos e dinheiro vivo – tudo
isso já com a Lava Jato na rua.
No raciocínio dos irmãos e de alguns de seus
executivos, hoje delatores, os pagamentos, seja pelo caixa oficial, seja por
empresas indicadas pelos políticos, seja diretamente por meio de dinheiro vivo,
eram um investimento por favores futuros ou uma quitação por favores
pretéritos. Favores não republicanos, evidentemente. Ou seja, havia uma relação
de troca entre o dinheiro que saía da empresa e o que o político fazia por ela
– mesmo que essa troca, em alguns momentos, não fosse verbalizada, por tão
corriqueira e natural num quadro de corrupção sistêmica. Havia, em muitos
casos, uma relação de troca criminosa, que se tipifica como corrupção.
O secretário de Comunicação da
Presidência da República, Márcio de Freitas, disse, por meio de nota, que o
presidente Michel Temer "jamais ordenou ao meliante Joesley Batista
qualquer pagamento a quem quer que seja. Nem o fez a nenhum de seus
capangas". Diz que "nunca houve pedido de pagamento ao coronel João
Baptista Lima. A delação é uma peça de ficção, baseada em mentiras e
ilações".
Nota da Presidência da República:
"A
quadrilha comandada pelo bandido Joesley Batista fabrica em profusão versões e
planilhas. O presidente nunca teve 'crédito' junto às empresas do meliante da
Friboi. Nem autorizou transferências a outros parlamentares. A conversa com o
capanga é absolutamente ficção barata. O vazamento dessa nova versão tem o
claro interesse de tentar influenciar na votação da Câmara dos Deputados."
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