Rosana
da Silva se formou em direito em 1995 e trabalhou como advogada, mas nunca
conseguiu retomar carreira depois de sair de escritório que processou por
assédio moral; hoje, segura placa nas ruas oferecendo faxina.
Rosana da Silva exibe um pedido de emprego todos os dias na Vila Mariana, bairro da zona sul de São Paulo. |
Leandro Machado, BBC
Por Leandro Machado, BBC
Todos os dias, a advogada Rosana da
Silva, de 54 anos, senta-se em um banquinho de plástico em um cruzamento da
zona sul de São Paulo e levanta uma placa de papelão com um anúncio:
"Faxina. Sete horas. R$ 60."
Há quem pare e olhe, curioso. Há quem
tire fotos e publique nas redes sociais ou anote o número dela para um serviço
futuro.
Mas a trajetória de Rosana é mais
complexa do que o pedido público de emprego: ela era secretária, ralou para
pagar a faculdade de Direito e formou-se advogada, mas entrou em uma derrocada
que a levou às ruas e à faxina.
"Quando conto minha história às
pessoas que me contratam, a frase que mais ouço é 'não acredito'", diz
ela, sentada na esquina. "Ou acham que sou doida, e não existe nada pior
do que ser considerada doida", acrescenta.
Fracasso
profissional
Ela se formou em Direito em 1995 na
Unifieo, uma universidade particular em Osasco, na Grande São Paulo. Pagou o
curso com seu salário de secretária, com a "dureza de gente pobre",
nas palavras dela. Em seguida, conseguiu seu registro na Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) com a inscrição 139416, número que ela cita de cor dez anos depois
de ter abandonado a carreira.
Os primeiros passos como advogada foi em
um pequeno escritório que montou com amigos da faculdade. Depois, conseguiu
entrar em uma banca de colegas renomados da área de Direito bancário, no centro
da cidade.
Rosana conta que foi esse trabalho fez
girar a espiral que a levou ao fracasso profissional.
"Nesse escritório, eu sofri assédio
moral por parte dos dois donos. Me humilhavam: imagina você ser chamada de
burra o tempo todo, de incompetente, de drogada. Foram três anos", afirma.
Ela diz que nunca usou entorpecentes.
Rosana prefere que os nomes dos dois
advogados não sejam citados nesta reportagem. Diz que processou os antigos
patrões e que fez representações contra eles na comissão de ética da OAB-SP,
mas nunca conseguiu vencer os processos.
Ela costuma carregar a papelada de
algumas ações em sua mochila - tem medo de que eles desapareçam.
Procurada pela reportagem, a OAB-SP
afirmou que não comenta casos que correm em sigilo.
'Todas
as portas fechadas'
Rosana nasceu em Itanhaém, no litoral
paulista, mas foi criada por parentes, longe dos pais. Sempre viveu
praticamente sozinha e só retomou contato com um dos irmãos depois que ele viu
uma foto sua na internet, há pouco mais de um ano.
Ela nunca mais conseguiu um trabalho
como advogada depois que saiu de seu último escritório. Acredita que foi
perseguida pela OAB, onde seus patrões tinham influência, diz. A instituição
não comenta o caso.
Nada que Rosana fazia dava certo -
tentou dar aulas, mas também foi demitida. "Em São Paulo, o mundo do
Direito é muito pequeno. Você fica conhecida como a pessoa que processou os
patrões, suas chances diminuem", conta.
Ela resolveu se mudar para
Florianópolis, pois não encontrou emprego nem apoio em sua família adotiva.
"Pensei: será que não estou tornando um problema pequeno em algo muito
grande?", conta a advogada, que chegou a passar em psicólogos para
entender porque sua carreira não deslanchava. "Achei que, se eu saísse de
São Paulo, talvez conseguisse me reerguer."
Mas ela não conseguiu. O dinheiro
acabou, o aluguel acumulou e Rosana foi viver nas ruas, onde ficou por sete
anos.
Começou a fazer faxinas para conseguir
comer. "Não sobrou mais nada para mim porque a sociedade fechou todas as
portas", diz.
'Morro
de fome, mas pago o aluguel'
Rosana precisa fazer dez faxinas de R$ 60 para conseguir pagar o aluguel do quarto onde mora, na zona sul de São Paulo. |
Viver nas ruas não é algo de que Rosana
se orgulha - ela costuma dizer perdeu sua cidadania quando deixou de ter um
endereço fixo. "Como conseguir um emprego se você diz que tem 54 anos e
não mora em lugar nenhum? As empresas têm uma cartilha de desculpas para não te
contratar."
Foi por isso que ela criou a placa com o
anúncio. Com ela, elimina-se qualquer questionamento sobre seu histórico -
Rosana torna-se apenas mais uma pessoa em busca de trabalho.
Ela cobra R$ 60 por sete horas de
limpeza - um preço baixo no centro expandido de São Paulo. O piso mensal dos
trabalhadores domésticos na cidade é de R$ 1.140 por três dias de trabalho
semanais, segundo o sindicato da categoria.
Rosana precisa fazer ao menos dez
faxinas por mês para conseguir pagar o aluguel de um quartinho com cama, fogão
e geladeira. Tem meses que não consegue - seu irmão costuma ajudá-la. "Eu
morro de fome, mas pago o aluguel. Não volto para a rua de jeito nenhum",
diz.
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