Rádio Voz do Maranhão

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Artigo de Márcio Jerry: Estou vivo!


Ontem me mataram. Uma morte planejada, cheia de detalhes sofisticados, que incluía hora, registro do local, modelo e o prefixo do jatinho no qual eu supostamente estava, com os nomes dos pilotos que me conduziam de volta à minha capital, São Luís. 

Em ‘nota oficial’, divulgada no Portal do Governo do Estado, a notícia sobre o meu falecimento foi ilustrada com minha foto, sorridente, de modo a não deixar dúvidas sobre a minha identidade como vítima do acidente fatal. Profissionalmente redigida, seguindo o roteiro jornalístico, a reportagem também foi complementada por imagens dos destroços, cumprindo mais um preceito da profissão que é, por formação, a minha.

É certo que não morri. E hoje, mais vivo que nunca, somando-me à lista de figuras públicas que tiveram sua morte falsamente difundida pelas chamadas fake news, é que escrevo estas linhas sobre a realidade destes novos tempos, em que a cultura das falsas informações se alastra e avança, sem controle e em uma rapidez vertiginosa. 

Passado o susto e desfeito os contratempos gerados por aqueles que me “assassinaram”, tenho claro que meu caso não se trata de fato isolado. No contexto desse novo mundo distópico, os crimes cibernéticos têm se mostrado uma espécie de gigante que, muitos de nós, Davis, antes do combate, estudam a melhor estratégia sobre a melhor forma de detê-lo.

Agora, vivo, como primeiro-vice-presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) e autor de requerimento para instalação de uma Subcomissão que tentará encontrar soluções legislativas sobre como enfrentar o fenômeno das fake news e os crimes cibernéticos, sinto, ironicamente, que me tornei objeto de minha própria análise. 

A experiência, no entanto, despertou ainda mais em mim a clareza de que estes novos tempos não fazem parte de um fenômeno transitório. São uma perfeita tempestade trazida pela tecnologia e que não se dissipará nos próximos anos. Urge, pois, que tratemos o problema como a prioridade que lhe é devida.

Mais do que repelir, repudiar e reprimir os crimes cibernéticos, é premente que se debata na sociedade, na Câmara dos Deputados e Senado, saídas para o fluxo de crueldades e mentiras, quebrando um ciclo previsto por muitos futurologistas. A consultoria de tecnologia Gartner, por exemplo, assegurou em um de seus relatórios (Previsões Tecnológicas 2018) que, em 2022, cidadãos de todo o mundo consumirão mais informações falsas do que verdadeiras.

Na nova economia de dados, e com a instalação de tecnologias como o 5G batendo à porta do Brasil, é preciso que estejamos atentos e preparados para a gestão de dados, controle de informações, amparados por um arcabouço mínimo que nos permita lidar com o assunto, em segurança. 

Diante deste paradigma que se impõe, as diferentes rupturas, muito além do plano pessoal, têm levado a um novo cenário político, condicionando a forma como vemos, reagimos e entendemos a realidade ao nosso redor.

Bombardeados por informações, não deciframos com a instantaneidade exigida o que é falso ou verdadeiro. Neste contexto de mentiras e de criação de novas verdades, é inadiável o debate sobre uso partidário de falsas mensagens.

As últimas eleições presidenciais estão aí para provar a força deste novo recurso e como isso pode afetar a realidade. A democracia brasileira sucumbiu às inverdades ao eleger para presidente um candidato que recorreu, sabidamente, à difusão de falsas informações para chegar ao mais alto posto da República. 

Isso mostra, também, como diante da tendência lançada pelo bolsonarismo, a ficção acaba se tornando, pela força da repetição, em realidade e esta, em “verdade compartilhada”. O esforço conjunto para combatê-las está nas mãos de todos nós.

*Márcio Jerry, deputado federal (PCdoB-MA)

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