Diálogos analisados pelo
BuzzFeed News, que integram o pacote de mensagens enviados ao Intercept Brasil
por fonte anônima, mostram que, na véspera da prisão do ex-presidente da
Câmara, procuradores queriam a apreensão da prova, mas foram convencidos do
contrário. Cunha guardava conversas com detentores de foro – o que poderia
levar processo para o STF.
Na véspera da prisão do ex-presidente da
Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (MDB-RJ), o então juiz da Lava Jato Sergio
Moro convenceu os procuradores da força-tarefa de Curitiba a não pedir a
apreensão dos telefones celulares usados pelo emedebista.
É o que indica um conjunto de mensagens
trocados pelo aplicativo Telegram entre o então juiz e o coordenador da
força-tarefa, Deltan Dallagnol.
Os diálogos entre o então juiz e o chefe
dos investigadores ocorreram no dia 18 de outubro de 2016 e integram o pacote
de mensagens enviados ao site The Intercept Brasil por fonte anônima. Os
diálogos foram analisados pelo BuzzFeed News.
A exemplo de outros veículos
jornalísticos, o BuzzFeed News decidiu publicar o conteúdo por considerar que
se trata de informação de interesse público.
A decisão de não apreender os celulares de
Cunha, que já não tinha mais foro privilegiado desde setembro de 2016, destoa do
padrão da Lava Jato. Saíram dos celulares de executivos de empreiteiras, por
exemplo, muitas anotações e mensagens que embasaram investigações.
No dia 18 de outubro de 2016, um dia antes
da prisão de Cunha, o chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, mandou mensagens
ao então juiz.
• 11:45:25 Deltan: Um assunto mais urgente
é sobre a prisão
• 11:45:45 Deltan: Falaremos disso amanhã
tarde
• 11:46:44 Deltan: Mas amanhã não é a
prisão?
• 11:46:51 Deltan: Creio que PF está
programando
• 11:46:59 Deltan: Queríamos falar sobre
apreensão dos celulares
• 11:47:03 [Moro]: Parece que sim.
• 11:47:07 Deltan: Consideramos importante
• 11:47:13 Deltan: Teríamos que pedir hoje
Após ouvir as ponderações do procurador,
Moro responde o seguinte:
• 11:47:15 [Moro:] Acho que não é uma boa
Apesar da resposta, Deltan insiste e tenta
agendar uma reunião com Moro para tratar do assunto:
• 11:47:27 Deltan: Mas gostaríamos de
explicar razões
• 11:47:56 Deltan: Há alguns outros
assuntos, mas este é o mais urgente
• 11:48:02 [Moro]: bem eu fico aqui até
1230, depois volto às 1400.
• 11:48:49 Deltan: Ok. Tentarei ir antes
de 12.30, mas confirmo em seguida de consigo sair até 12h para chegar até 12.15
• 12:05:02 Deltan: Indo
Não há, nos diálogos, registros do que foi
discutido na reunião presencial entre eles. Porém, pouco depois, às 14h16,
Deltan envia nova mensagem a Moro dizendo que, após conversar com procuradores
e ao levar em consideração o que foi dito pelo então juiz, a força-tarefa
desistiu de pedir a apreensão dos celulares.
• 14:16:39 Deltan: Cnversamos
[Conversamos] aqui e entendemos que não é caso de pedir os celulares, pelos
riscos, com base em suas ponderações
E Moro respondeu:
• 14:21:29 [Moro]: Ok tb
No dia seguinte às conversas, em 19 de
outubro, Eduardo Cunha foi preso em Brasília.
Ao perceber a ação, o político disparou
diversos telefonemas para parlamentares ligados ao então ministro Moreira
Franco e ao então presidente Michel Temer. Tinha a esperança de que, com uma
jogada, seria capaz de reverter a prisão.
Ao ser informado de que além de preso
seria encaminhado para Curitiba, Cunha chegou a questionar os agentes
responsáveis por sua prisão se deveria ou não levar ou entregar seu aparelho
celular. Ouviu uma resposta negativa, segundo seus advogados.
Questionados pelo BuzzFeed News, tanto a
força-tarefa da Lava Jato quanto o Ministério da Justiça disseram que os
celulares de Cunha já haviam sido apreendidos.
De fato, no dia 15 de dezembro de 2015, os
aparelhos telefônicos do então presidente da Câmara foram recolhidos na
operação Catilinárias.
A prisão de Cunha, quando optou-se por não
apreender os novos aparelhos do político, aconteceu cerca de 10 meses depois,
em 19 de outubro de 2016.
Veja aqui o que disse Sergio Moro:
"O Ministro da Justiça e da Segurança
Pública não reconhece a autenticidade das mensagens obtidas por meio criminoso,
nem sequer vislumbrou seu nome como interlocutor nas mensagens enviadas pelo
BuzzFeed. Em relação aos aparelhos celulares do ex-Deputado Eduardo Cunha, como
foi amplamente divulgado pela imprensa, eles foram apreendidos por ordem do STF
na Ação cautelar 4044, antes da prisão preventiva."
O que disse a força-tarefa do Ministério
Público Federal:
"A força-tarefa da Lava Jato em
Curitiba não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus integrantes
nas últimas semanas. O material é oriundo de crime cibernético e tem sido
usado, editado ou fora de contexto, para embasar acusações e distorções que não
correspondem à realidade. A análise da busca e apreensão de itens toma em conta
diferentes fatores, inclusive a perspectiva de efetividade para as
investigações. No caso do ex-presidente da Câmara, seus celulares já tinham
sido apreendidos por ordem do Supremo Tribunal Federal."
Mandando de prisão
assinado por Cunha no dia de sua detenção
O caso de Cunha não é isolado nos diálogos
em que Moro e integrantes do Ministério Público da Lava Jato discutem formas de
driblar um possível deslocamento da competência das investigações para o STF.
Reportagem de Veja publicada no mês passado
em parceria com o Intercept diz que Moro tentava manter os casos da Lava-Jato
em seu poder em Curitiba, citando como exemplo os processos do ex-presidente
Lula relativos ao triplex do Guarujá e ao sítio de Atibaia.
De acordo com a publicação, o magistrado
teria mentido, ou pelo menos ocultado de um ministro, uma prova que poderia
deslocar a competência de um processo importante envolvendo Flávio David Barra,
preso em 28 de julho de 2015, quando presidia a AG Energia, do grupo Andrade
Gutierrez.
Ainda segundo informações da reportagem,
em 25 de agosto, a defesa de Barra pediu ao então ministro Teori Zavascki a
suspensão do processo que corria na 13ª Vara de Curitiba legando o envolvimento
de parlamentares com prerrogativa de foro.
Ao ministro, Moro disse não saber nada
sobre o envolvimento de parlamentares. Apesar disso, com base nas informações
da defesa, o ministro do Supremo suspendeu em 2 de outubro as investigações e
pediu a remessa dos autos a Brasília.
Num diálogo registrado no Telegram 18 dias
depois, entre o procurador Athayde Ribeiro Costa e a delegada Erika Marena, o
procurador diz precisar com urgência de uma “planilha/agenda” apreendida com
Barra que descreve pagamentos a diversos políticos.
A delegada respondeu que, por orientação de
“russo” (apelido de Moro), não tinha tido pressa em registrar o documento no
sistema de processo eletrônico, o que o tornaria público para quem possui
acesso ao mecanismo.
“Acabei esquecendo de eprocar”, disse
Marena. “Vou fazer isso logo”, completou. Eproc é o sistema da Justiça Federal
onde são registrados todos os documentos de processos.
Para a publicação, Moro já sabia da
existência da planilha quando foi inquirido por Zavascki e escondeu o fato do
ministro. Ou, teria tomado conhecimento da planilha depois da inquirição de
Zavascki e pediu à delegada para “não ter pressa” em protocolar o documento.
Para Veja e para o Intercept, tudo indica que a manobra tinha como objetivo
manter o caso em Curitiba.
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