Nas profundezas
das operações irregulares do clã estão desde o pagamento de viagem de lua de
mel com dinheiro público até carro blindado bancado pelo fundo partidário. O
filho Eduardo teria montado um esquema de “rachadinha” com a advogada paga pelo
PSL
A FAMÍLIA IMPERIAL
Da esquerda para a direita:
Carlos, Jair, Flávio e Eduardo Bolsonaro
Carlos, Jair, Flávio e Eduardo Bolsonaro
A teia de
interesses e arranjos que move o governo Bolsonaro ficou exposta em meio à
brigalhada que o presidente, pessoalmente, seus filhos e partidários armaram em
público nos últimos dias – houve trocas de acusações, xingamentos e chantagens,
que, em alguns momentos, beiraram a infantilidade de alunos de jardim de
infância. De lado a lado, existiu de tudo. Gravações em situações no mínimo
constrangedoras. Numa delas, o presidente Jair Bolsonaro foi pilhado em
flagrante pedindo a um parlamentar do PSL que apoiasse o nome do filho à
liderança do partido. Do contrário, tal parlamentar sentiria a vingança
presidencial, puro estelionato: “Assina, senão é meu inimigo”.
Aos que assinaram,
foram distribuídos cargos públicos e promessas de ganho de recursos do fundo
partidário. Depois dessa operação, Bolsonaro foi chamado de “vagabundo” pelo
correligionário Delegado Waldir, que ameaçou “implodir” o governo. No submundo
dessas tramóias, surgiram ameaças, denúncias e demonstrações explícitas de que
muitos podres restavam escondidos ou não estavam devidamente protegidos, vindo
à tona em debates acalorados.
Em determinado
momento, a ex-líder do governo Joice Hasselmann, remetendo-se à clássica obra
de Lois Duncan, “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado”, consagrou a
rinha: ela afirmou, letra por letra, saber o que “eles fizeram no verão
passado”. A cabeça de Joice rolou, adeus cargo de líder.
Os deputados
Delegado Waldir e Joice Hasselmann,
tradicionais aliados, foram transformados
em inimigos
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Lua de mel com dinheiro público
ISTOÉ mergulhou
nos últimos dias nos subterrâneos dessas disputas e negociatas bolsonaristas,
ouviu diversos interlocutores, checou inúmeros dados e descobriu uma assombrosa
malha de práticas criminosas que já levaram no Brasil, legal e legitimamente, à
abertura de processos de impeachment do mais alto mandatário da Nação – e, a se
fazer valer a Constituição, poderia também encaminhar o atual presidente para
idêntico destino. São situações e práticas que ferem o decoro de forma clara.
Nesse campo, estão em jogo no clã bolsonarista circunstâncias aterradoras, como
o pagamento das passagens da lua de mel do deputado Eduardo com dinheiro
público do fundo partidário – na quarta-feira 23, ele declarou que no partido
as pessoas têm de ter lealdade ao seu pai, não lealdade ao fundo. Convenhamos
que isso tem uma lógica torta, mas é lógica: Eduardo, ao lançar mão do dinheiro
do povo para a lua de mel, exerceu a deslealdade. Mas tem mais: ISTOÉ descobriu
a manutenção de uma poderosa rede de milicianos digitais operados diretamente
pelo Planalto, promíscuo fato que joga na marginalidade a República brasileira,
transformando-a em republiqueta de fundo de quintal. Ou, melhor: fazendo da
República uma associação criminosa de milicianos. Há também a revelação de que
até o carro blindado do deputado Eduardo é pago com os recursos públicos do
fundo partidário e que ele teria feito “rachadinha” com os salários da advogada
do PSL.
A história da
advogada expõe cruamente as vísceras do modus operandi de uma república administrada
por personagens pouco escrupulosos. Relatos obtidos por ISTOÉ dão conta de que
a advogada em questão, Karina Kufa, contratada pelo partido a pedido de Eduardo
Bolsonaro (PSL-SP), teria sido a responsável por acertar os detalhes da viagem
de lua de mel do deputado. Eduardo se casou com Heloísa Wolf no dia 25 de maio,
no Rio de Janeiro, com as despesas pagas por amigos, mas faltava comprar as
passagens da viagem de núpcias rumo as paradisíacas Ilhas Maldivas. Falando em
nome de Eduardo, a advogada teria ligado para Antonio Rueda, vice-presidente
nacional do PSL, pedindo dinheiro do fundo partidário.
Rueda, ex-aliado
do Messias e agora próximo ao deputado Luciano Bivar, presidente nacional da
legenda, chegou a confidenciar: “Não agüento mais essa mulher me telefonando
para pedir dinheiro para o Eduardo”. Mas acabou liberando a grana. As mesmas
fontes, checadas com dois deputados do PSL ligados a Rueda, confirmaram a
informação já citada acima de que até carro blindado de Eduardo é pago com o
erário. Hoje, ele é o presidente estadual do PSL paulista, depois de pressionar
o senador Major Olímpio a desistir do cargo, e atualmente domina o caixa da
legenda em todo o Estado, incluindo os diretórios municipais. Na quarta-feira,
Olímpio manifestou sua intenção de pedir a dissolução do diretório.
Karina Kufa,
conforme parlamentares ouvidos por ISTOÉ, era conhecida defensora dos
interesses de Eduardo dentro do partido. Ela recebia salário de R$ 40 mil
mensais, também pagos com dinheiro do contribuinte, mas dividiria o valor com o
deputado, na proporção de R$ 20 mil para cada um. Eduardo também ficaria com
parte do dinheiro que a advogada recebia do PSL a título de consultorias
extras. Em pouco mais de oito meses de contrato com o partido, ela recebeu R$
340 mil. Desse total, cobrou R$ 100 mil por seu trabalho na defesa da senadora
Selma Arruda, ameaçada de cassação de mandato (a senadora trocou o PSL pelo
Podemos depois de uma briga com o senador Flávio Bolsonaro, que berrou com ela
ao telefone).
A defesa não teria
ficado boa, obrigando o partido a contratar o advogado Gustavo Bonin de Guedes
para substituí-la. Em razão disso, o PSL está exigindo o dinheiro de volta.
Como Kufa queria determinar como o partido usaria os recursos do fundo
partidário, a pedido do presidente Bolsonaro – para quem também advoga -,
Luciano Bivar decidiu demiti-la há 15 dias, em meio à guerra pelo poder no
partido. O domínio de Eduardo no PSL paulista é replicado por Flávio Bolsonaro
no PSL do Rio de Janeiro, onde ele também é presidente. Aliás, o desdém da
família em relação à ética é extensivo aos três filhos. Carlos, porém, é o mais
desbocado. Diante do anúncio de que a CPMI das Fakes News quer ouvi-lo, o
vereador fez um comentário digno da conduta daqueles que operam nos porões: “Vamos
falar umas verdades a esses porcarias”. Detalhe: “porcarias”, em sua visão, são
deputados e senadores.
As chaves do cofre
Os Bolsonaro não
se dão por satisfeitos com o domínio territorial que já conseguiram. Querem
agora controlar todo o PSL nacional, dono de um fundo partidário de R$ 150
milhões anuais e de um fundo eleitoral estimado em R$ 500 milhões para os
pleitos de 2020 e de 2022, quando o “Mito” pretende ser candidato à reeleição.
Na estratégia de “tomar o partido na mão grande”, nas palavras do deputado
Delegado Waldir ditas à ISTOÉ, Bolsonaro decidiu que deveria afastar o deputado
Luciano Bivar da presidência nacional. “Primeiro, disse que ele estava queimado
para caramba e uma semana depois autorizou uma operação da PF em sua casa para
desgastá-lo publicamente.
A operação teve
como justificativa a investigação sobre o laranjal de Pernambuco, mas
estranhamente não faz o mesmo com o ministro do Turismo, Álvaro Antônio, em
Minas Gerais”, diz Waldir. Ainda segundo ele, os policiais “reviraram até as
calcinhas da esposa do Bivar em busca de provas e nada encontraram. Foi apenas
um circo”. O deputado entende que deveria haver uma investigação no Congresso
para colocar a limpo o envolvimento do presidente na operação policial. “Foi
uma ação abusiva por parte de Bolsonaro”, afirma ele. Waldir tem claro que o
presidente quer “tão somente a chave do cofre” do partido. Membros da Executiva
do PSL não acreditam que Bolsonaro terá sucesso em afastar Bivar da sigla.
Compra de cargos
Dando sequência ao
projeto de tomar o PSL de assalto, o capitão reformado deu início ao processo
de substituir os líderes na Câmara e no Congresso, que demonstravam estar
alinhados a Bivar. O primeiro a ser fustigado foi o próprio Waldir. Ele, por
exemplo, ficou contra a mudança do Coaf, defendeu a criação das CPIs da Lava
Toga e Fake News, apoiou as medidas anticrime de Sergio Moro e a prisão após a segunda
instância, contrariando o presidente. Dançou. O Planalto articulou para colocar
Eduardo no cargo. Bolsonaro foi gravado por um correligionário dizendo: “quem
ficar com a gente vai ter cargos no governo” – dá para lembrar Getúlio Vargas
quando pregrava “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”. Waldir perdeu, de fato,
o posto para Eduardo. Waldir disse à ISTOÉ que o presidente autorizara o
deputado Major Vitor Hugo e o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz
Eduardo Ramos, a oferecerem cargos e dinheiro do fundo partidário a
parlamentares do PSL que apoiassem Eduardo.
A farra por cargos
na atual gestão atingiu um ponto tão descarado que até o ex-motorista do
senador Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, saiu de seu esconderijo para gravar
um áudio divulgado por grupos de Whatasapp, no qual indica que continua
influente na divisão de empregos públicos, com direito à “rachadinhas”. “Tem
mais de 500 cargos lá, cara, na Câmara, no Senado… Pode indicar para qualquer
comissão, alguma coisa, sem vincular a eles (família Bolsonaro) em nada. Vinte
continho pra gente caía bem pra c…”. E mais adiante insinua que Flávio continua
distribuindo cargos. “Pô, cara, o gabinete do Flávio faz fila de deputados pra
conversar com ele. Faz fila. É só chegar, meu irmão: nomeia fulano aí, para
trabalhar contigo. Salariozinho bom desse aí, cara, pra gente que é pai de
família, p…, cai como uma uva”, diz um debochado Queiroz, que desviou R$ 1,2
milhão dos funcionários do gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual
no Rio de Janeiro. A dupla está sendo investigada pelo MP, mas o STF de Dias
Toffoli mandou suspender as apurações, no que é chamado no Congresso de
“acordão” com o presidente.
Configurada a
derrota do Delegado Waldir, ele adotou o discurso de oposição: “Isso caracteriza
um desrespeito à Constituição. O Executivo não pode interferir no Legislativo”.
Waldir entende que da compra de votos pode até decorrer o impeachment, “mas
isso quem pode analisar são entidades como a OAB”. Waldir até foi pego numa
gravação chamando Bolsonaro de “vagabundo”: “Sempre fui fiel a ele. Quando foi
candidato a presidente da Câmara, teve quatro votos. Um deles foi meu. Por
isso, confirmo: chamei mesmo de vagabundo”. A rasteira que lhe foi dada por
Eduardo trouxe ótimas conseqüências à diplomacia brasileira: após ter se
tornado líder na Câmara, Eduardo desistiu de ser indicado pelo pai para a
Embaixada em Washington. “Preciso ficar aqui para construir um Brasil
conservador”, discursou Eduardo (Edmund Burke revirou no túmulo). O presidente já
indicou para a embaixada o nome de Nestor Forster, ligado ao filósofo Olavo de
Carvalho. Engana-se, porém, quem acha que a situação está resolvida. “Eduardo
não tem condições de pacificar o PSL. Se houver uma eleição secreta para a
liderança, ele perde”, disse o senador Major Olímpio (PSL-SP), líder da sigla
no Senado.
Milicianos
Joice Hasselmann,
quando está calma, parece furiosa; quando se enfurece, vira um tsunami. Alijada
da liderança, ela afirmou ter sido retirada do cargo pelo simples fato de ter
assinado a lista em favor do Delegado Waldir, em detrimento de Eduardo, e
sentiu-se “traída”. Foi execrada publicamente pelos filhos do presidente, e
Eduardo foi o primeiro a detoná-la com a divulgação de um post em que colocava
o rosto da deputada em uma nota de R$ 3 – querendo dizer que ela é falsa. Em um
dos memes, ela aparece obesa, com mais de 200 quilos, de forma chocante.
Eduardo fez também posts relacionando-a a uma porca e uma vaca – como se vê,
ele é de um cavalheirismo incrível. Ela contra-atacou: refereriu-se aos filhos
como “moleques” e usando imagens de “viadinhos”, mas depois se arrependeu e
apagou a postagem. Joice investigou de onde partiam os memes, e descobriu que
os três filhos do presidente usam assessores parlamentares, “pagos com dinheiro
público”, que agem como “milicianos digitais” para alimentar pelo menos 21
perfis no Instagram, 1.500 páginas no Facebook e centenas de contas no Twitter.
De acordo com ela, a maioria é de perfis falsos que utilizam fake news para
atacar quem ideologicamente não concorda com o bolsonarismo (leia entrevista
com a deputada aqui).
ISTOÉ descobriu
que essa quadrilha digital é integrada por diversos membros, espalha-se pelo
País e o seu chefão atende pelo nome de Dudu Guimarães – ele é assessor
parlamentar… adivinha de quem… de Eduardo. Dudu é o responsável pelo falso
perfil Snapnaro, e há outros perfis, igualmente falsos, comandados pelos
Bolsonaros – como Bolsofeios, Bolsonéas e Pavão Misterioso. Joice conta que um
esquema similar é mantido pelos filhos numa sala instalada no quarto andar do
Palácio do Planalto, conhecida como “gabinete do ódio” ou “gabinete das
maldades”. Esse grupo, coordenado pelo vereador Carlos Bolsonaro e pelo
assessor internacional da Presidência do Brasil, Filipe Martins, é composto por
três funcionários públicos que operam na criação de notícias favoráveis ao
presidente, mas também produzem fake news e dossiês contra desafetos, estejam
eles dentro ou fora do governo. Isso aconteceu com o vice-presidente Hamilton
Mourão e o ex-ministro Santos Cruz. Esses assessores têm nome e sobrenome:
Tércio Arnaud Tomaz, José Mateus Salles Gomes e Mateus Matos.
Depois que passou
a denunciar os filhos do presidente, Joice sente medo de ser alvo de pesadas
represálias e, por isso, passou a “morar” na casa de uma amiga que lhe ofereceu
segurança privada. Outros deputados do PSL, que desafiaram Eduardo, como Junior
Bozela (PSL-SP), também temem pela própria vida. Bozela afirma que funcionários
do gabinete de Eduardo ameaçaram-no de morte. Ele chegou a registrar boletim de
ocorrência na Polícia Legislativa e denunciou à ISTOÉ: “Eduardo usa como
seguranças pessoais policiais ligados à milícia carioca”. Agora ficou bastante
claro o que a deputada quis dizer quando sabia o “que eles fizeram no verão passado”.
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