Em artigo
publicado hoje (29) na Folha de S. Paulo, o ex-ministro da Educação e
ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad criticou duramente o presidente de
extrema direita Jair Bolsonaro, qualificando-o de “Bolsonavírus”. Em seu artigo, ele classificou Bolsonaro como
um “vírus oportunista”, que tem, entre “seus alvos preferenciais”: mulheres,
pobres, pretos, nordestinos, LBGTs, professores, jornalistas, cientistas,
artistas etc., “ou seja, todos aqueles que representam, de alguma forma, uma
ameaça, ainda que difusa, ao status quo são considerados inimigos”.
Para Haddad, “nada
mais errôneo do que considerar Bolsonaro um raio em céu azul ou um acidente de
percurso. Bolsonaro é a recidiva agressiva de nossas patologias insuperadas, em
face de um sistema imunológico debilitado”. E acrescentou: “Ele tanto intui
isso que as mentiras que dissemina não são camufladas, o que lhe permite aferir
com precisão o grau de adesão cega a seu movimento pestilento.”
Ele fez uma
análise da conjuntura com base em formulação de Lilia Schwarcz, no livro “Sobre
o Autoritarismo Brasileiro” no qual ela “descreve as pragas trazidas pelos
colonizadores da América portuguesa. São velhos conhecidos nossos: escravismo,
patrimonialismo, mandonismo, patriarcalismo, intolerância etc”. Para Haddad,
com Bolsonaro “aquelas características congênitas voltam a se manifestar ainda
com mais força, causando uma espécie de estupefação nos que não foram
infectados. Trata-se de uma nauseante “redescoberta” do Brasil, um pesadelo acordado”.
Leia a íntegra do artigo:
“Bolsonavírus
Em tempos de
pandemia, vale a pergunta sobre os maiores males que afligem a nação.
A antropóloga
Lilia Schwarcz, no livro “Sobre o Autoritarismo Brasileiro” (que todo jovem
deveria ler), descreve as pragas trazidas pelos colonizadores da América
portuguesa. São velhos conhecidos nossos: escravismo, patrimonialismo,
mandonismo, patriarcalismo, intolerância etc.
São, de fato,
nossas características congênitas. Convivemos com elas e, de certa maneira,
muitos de nós as naturalizam. Não há como superá-las sem cultivar a liberdade e
radicalizar a democracia, incluindo sua dimensão econômica.
Democratizar o
acesso à educação profissional e superior (científica) para formar cidadãos
críticos e trabalhadores criativos. Democratizar o acesso à terra, urbana e
rural, para livrarmo-nos do monopólio que condena à miséria milhões de
brasileiros.
Democratizar o
acesso ao crédito, para que os meios de produção possam trocar de mãos,
ensejando formas socioambientalmente sustentáveis de organização da produção.
A democracia,
entretanto, em condições específicas, também adoece e, por vezes, “seleciona”
agentes que põem em questão seus fundamentos. Em momentos de crise aguda, o
sistema imunológico da democracia se debilita, e um vírus oportunista pode se
instalar no corpo social.
Nessas
circunstâncias, aquelas características congênitas voltam a se manifestar ainda
com mais força, causando uma espécie de estupefação nos que não foram
infectados. Trata-se de uma nauseante “redescoberta” do Brasil, um pesadelo
acordado.
Esse vírus
oportunista tem, portanto, seus alvos preferenciais. Mulheres, pobres, pretos,
nordestinos, LBGTs, professores, jornalistas, cientistas, artistas etc., ou
seja, todos aqueles que representam, de alguma forma, uma ameaça, ainda que
difusa, ao status quo são considerados inimigos. Se a pessoa somar dois desses
atributos (jornalista mulher p.ex.), as coisas se complicam ainda mais.
Assim, nada
mais errôneo do que considerar Bolsonaro um raio em céu azul ou um acidente de
percurso. Bolsonaro é a recidiva agressiva de nossas patologias insuperadas, em
face de um sistema imunológico debilitado. Ele tanto intui isso que as mentiras
que dissemina não são camufladas, o que lhe permite aferir com precisão o grau
de adesão cega a seu movimento pestilento.
Por fim, vale
notar, as viroses espirituais guardam duas diferenças com as meramente corporais.
As viroses espirituais trazem grandes vantagens para seus disseminadores, sejam
pastores charlatões ou empresários inescrupulosos; e elas só se curam com mais,
e não menos, proximidade entre o público-alvo.
Fernando Haddad é professor universitário,
ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo
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