O
governador do Maranhão assinou manifesto pedindo a renúncia de Jair Bolsonaro.
Em entrevista ao EL PAÍS, tece elogios ao Ministério da Saúde, mas se refere ao
presidente como “irresponsável”
Felipe Betim
El País
Desde o fim do Carnaval, quando a pandemia de coronavírus anunciava sua
chegada ao Brasil, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), de 51 anos,
vem correndo para abrir hospitais e aumentar o número de leitos de UTI. Até o
momento são 150 a mais, exclusivos para receber pacientes infectados pela Covid-19.
No plano nacional, Dino se uniu aos demais governadores para pedir
auxílio ao Governo Federal. Em entrevista ao EL PAÍS por telefone na semana
passada, ele teceu elogios ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta
(DEM-MS), mas se referiu ao presidente Jair Bolsonaro como “irresponsável”,
“totalmente alheio à realidade”.
Dino assinou ainda, no dia 30 de março, junto com outras lideranças
políticas e partidárias do campo progressista, um manifesto pedindo a renúncia
do mandatário.
“O que a gente quis com foi prospectar um cenário após a crise sanitária.
É impossível o Brasil se reerguer com uma pessoa que não tem condições
políticas e pessoais de liderar a nação no momento de reconstrução", argumenta.
“Se ele não se sensibiliza diante de mortes, diante de perdas de vidas humanas,
diante de tragédias... Não vejo como ele possa preservar e consolidar sua base
política”, opina.
Como o senhor
resumiria até aqui a atuação do Governo Bolsonaro, incluindo o Ministério da
Saúde, na contenção do coronavírus?
Se for avaliar o Ministério da Saúde junto com o conjunto do Governo,
acaba sendo injusto, porque o contraste é muito grande. Eu te diria que há uma
diferença muito nítida entre a atitude do Ministério da Saúde, incluindo o
ministro Luiz Henrique Madetta e sua equipe, que levam a sério o coronavírus e
tem procurado dialogar com os Estados e a comunidade científica. Essa atitude,
contudo, não é a mesma do restante do Governo, que infelizmente acaba sendo
submetida a diretriz do presidente da República, que é hoje o maior líder
negacionista do mundo, aquele que nega a importância do coronavírus. Esse
título ninguém toma dele.
Como vem
recebendo as falas do presidente contra o isolamento?
São coisas típicas de um irresponsável que não leva em conta a
importância da ciência e dos dados técnicos, e que segue exclusivamente suas
visões extremistas. Por isso mesmo, coloca em risco a saúde de milhões de
pessoas, na medida em que ele acaba sendo um péssimo exemplo nesse momento em
que todos devem estar comprometidos com as medidas preventivas.
O que precisa
ser feito de mais urgente? Chegará o momento do lockdown em algumas cidades?
Hoje, certamente, ainda não. Tenho a impressão que as medidas preventivas
intermediárias são as corretas no presente momento. Envolve a suspensão de
atividades comerciais não essenciais, de aulas, de aglomerações, de festas, de
shows, de bares... Não o lockdown absoluto, mas também não é o liberou o geral.
Os indicadores objetivos de muitos Estados mostram que a curva de crescimento é
menor caso não houvesse essas medidas preventivas. Tomando como o exemplo o
Maranhão, nós temos [até segunda-feira, 30 de março] 23 casos identificados. Se
seguíssemos a tendência média do Brasil, então teríamos 58 casos confirmados.
Tivemos a prova concreta de que as medidas preventivas são importantes. Então,
ainda não é momento de lockdown. [Até segunda-feira, 6 de abril, foram
confirmados 133 casos e 2 óbitos no Maranhão].
Setores
empresariais do Maranhão estão pressionando o senhor para relaxar as medidas de
contenção?
Muito fortemente, estimulados pelo presidente da República. Não havia
esse questionamento, mas eles se agudizaram depois daquele desastrado
pronunciamento. Estamos contornando com base no diálogo, mostrando que não se
trata de uma decisão individual do governador. É uma orientação da comunidade
científica, dos profissionais de saúde. Decretei as primeiras medidas no dia 16
de março, e as últimas no dia 21. Temos um comitê científico composto por
médicos e infectologistas, e existe uma unanimidade quanto a não fazer qualquer
tipo de flexibilização.
O senhor é um
dos signatários de um manifesto divulgado na semana passada pedindo a renúncia
do presidente Bolsonaro. Por que ele acataria esse pedido, ainda mais vindo da
esquerda?
Vai se evidenciando um grande isolamento, um isolamento amplo. Ele mesmo
cavou esse buraco em que se meteu e quer meter o Brasil. O sentido do manifesto
é mostrar união e evitar que Bolsonaro leve todo mundo para esse buraco que ele
resolveu se jogar, que tem essa marca desse extremismo, dessa discórdia
permanente. Há um tanto de energia que estamos consumindo e que deveria estar
sendo empregada em defesa da saúde da população, mas somos sobressaltados por
ações ou omissões de quem deveria estar neste momento coordenando as
iniciativas e políticas. Essa é a razão do manifesto, sublinhar que ele está
num momento de isolamento e que perdeu as condições, em nossa visão, de dirigir
o país, na medida em que ele não tem diálogo rigorosamente com ninguém. Ele
mesmo se encarregou de hostilizar o Congresso, emparedar o Judiciário, os
governadores e as entidades da sociedade civil. E não é falta de boa vontade.
No meio da confusão, ele chamou aquelas reuniões regionais e todo mundo
participou. E no dia seguinte fez aquele discurso na televisão e jogou o povo
contra os governadores. Acho muito difícil continuar.
Quais são os
riscos de uma troca no comando na presidência, seja via renúncia ou
impeachment, no meio de uma crise dessas dimensões, e pouco depois de um
impeachment? Por que vale a pena gastar energia com isso agora?
Tenho sustentado que uma coisa de cada vez. Nosso foco hoje é o
coronavírus, a crise de saúde e a amenização dos efeitos sociais. Precisamos
urgentemente evitar um descontrole social e uma instabilidade grave. E por isso
o pagamento da renda básica é a coisa mais importante hoje para garantir já uma
estabilidade social pro país. O que a gente quis com o manifesto foi prospectar
um cenário após a crise sanitária. Na nossa avaliação, é impossível o Brasil se
reerguer com uma pessoa que não tem condições políticas e pessoais de liderar a
nação no momento de reconstrução. Estamos tratando de uma destruição econômica
que ainda não está concretizada, mas que virá, infelizmente. Vamos ter fechamento
de empresa, crise social e finanças públicas exauridas. O prognóstico de queda
de arrecadação é de 30 ou 40%, e aí como você sustenta os serviços públicos
essenciais? Nesse cenário de destruição, você precisa de um líder que tenha
ponderação, sensatez, que ouça, dialogue, e tenha um controle técnico mínimo do
país. Ele não tem nada disso. É papel do presidente fazer passeio aleatório em
Brasília no domingo? Ele está totalmente alheio à realidade.
Mas o foco, hoje, é o pagamento da renda básica aprovado no Senado. Sem
isso, as pessoas vão ter problema de fome, objetivamente. A economia não tem
condições minimamente de funcionar se não houver garantia dessa renda para 50
milhões de pessoas que são trabalhadores informais e autônomos.
Das lideranças
políticas que assinam a carta, o senhor é a única que governa um Estado. E não
é muito comum que um governador peça a renúncia de um presidente. Isso é
correto ponto de vista institucional? Não corre o risco de atrapalhar a
coordenação política entre Governos Estadual e Federal?
Bolsonaro iniciou no ano passado essa sequência de agressões contra os
governadores exatamente por mim. Eu fui o primeiro dos governadores a ser
atacado, agredido, tido como o pior, que não deveria ter nada, e assim
sucessivamente. E ainda assim, depois deste triste episódio, eu estive em
quatro reuniões com ele. Então, sei diferenciar muito bem o que é o debate
político, que ele estabeleceu no patamar de agressões pessoais, e relação
institucional. Eu faço distinção. Uma coisa é minha função de representante de
Estado. No manifesto, é minha opinião como militante político e integrante da
direção do PCdoB.
Apesar do
isolamento, Bolsonaro não é Dilma nem Temer. Sua popularidade ainda ronda os
30%. Seu discurso de volta ao trabalho faz eco entre segmentos populares. Faz
sentido acreditar que o Governo Bolsonaro acabou, como alguns analistas vêm
dizendo?
Hoje ele ainda mantém, de fato, esse, apoio. Mas a leitura praticamente
unânime dos analistas políticos é que, como se diz no mercado financeiro, o
viés é de baixa. Ele não deseja sair disso. Eu te juro que quando ele chamou a
reunião dos governadores, eu cheguei a achar que ele tinha sido feito uma
inclinação mais na linha institucional que os militares e Mandetta vêm defendendo.
Eu disse “graças a Deus, pelo menos no meio da crise a gente não vai ter
confusão política”. Aí no dia seguinte ele vai para a televisão, inspirado pelo
gabinete do ódio, e faz o que faz. Então, se ele não se sensibiliza diante de
mortes, diante de perdas de vidas humanas, diante de tragédias... São
profissionais saúde adoecendo, o risco de colapso no sistema é gigantesco. Só
um irresponsável não enxerga isso. Então, você tem um conjunto de situações
gravíssimas e, ao mesmo tempo, um presidente alheio a isso. Não vejo como ele
possa preservar e consolidar sua base política. Seria falso dizer que seu
Governo acabou termos formais. Mas, em termos materiais, de poder, sim, porque
ele objetivamente não dirige nem o Governo dele. Te dou três exemplos: ele quer
demitir Paulo Guedes [ministro da Economia] e não pode, ele quer demitir Sergio
Moro [ministro da Justiça] e não pode, ele quer demitir Mandetta e não pode.
Que poder é esse? Como pode um presidente ser mais fraco que seus três
ministros? Está claro que seu poder real se esvai. Se isso vai levar a uma
definição formal, hoje é cedo pra prognosticar.
Mourão faz parte
da ala militar do Governo e, apesar de mais discreto, tem um histórico de
defesa da intervenção militar [na terça-feira, 31 de março, postou no Twitter
uma mensagem celebrando o golpe de 1964]. Não é um risco que ocupe a
presidência?
Embora reconheça ser verdade tudo o que você diz, que Mourão tem uma
linha política bem marcadamente de direita, ainda assim pelo menos haveria
condições de um relacionamento institucional saudável. Diferente de Bolsonaro,
ele demonstra seriedade. Com as concepções dele, que são diferentes da minha,
mas demonstra. E Bolsonaro demonstra não ter. Lembro sempre que, quando
Figueiredo era presidente [1979-1985], Franco Montoro governava São Paulo,
Tancredo Neves governava Minas, Brizola governava o Rio, José Richa governava o
Paraná... Enfim, existia um conjunto de governadores que faziam oposição ao
Governo Federal, inclusive fazendo campanha pelas “Diretas Já” contra o regime
militar. Mas seus governos se reuniam normalmente com um presidente general de
direita eleito indiretamente. Então, a essas alturas, se Mourão fosse igual a Figueiredo,
um homem de direita e que dialoga, é um enorme avanço em relação a Bolsonaro.
Trabalhando com
o cenário mais provável, o de que Bolsonaro seguirá no poder, o que
governadores, prefeitos, Congresso e Judiciário podem fazer para adotar as
medidas necessárias contra o coronavírus?
Acho que na prática já se definiu o que eu chamaria de núcleo do bom
senso, integrado pelo Judiciário, pelo Ministério Público, pelo Congresso,
pelos governadores e pelos prefeitos. E nesse núcleo eu incluo Mandetta. Temos
que manter esse núcleo de bom senso aglutinado e em sintonia com os
profissionais de saúde, que têm os conhecimentos técnicos e são os líderes
disso tudo. É o que tem dado certo e salvado o Brasil.
Como vem sendo
até aqui a coordenação com os demais governadores na adoção de medidas?
Eu acho que esse é um legado muito importante desse quadro de caos que a
gente vive. É essa aglutinação, essa capacidade de união que os Estados
demonstraram naquela carta assinada por 25 governadores. De um modo geral, esse
clima é mantido. Temos um grupo de WhatsApp onde basicamente trocamos
informações sobre o que cada um está fazendo... Um mostra onde comprar coisas,
onde tem fornecedor de luva e de máscara, coisas práticas [risos]. João Doria
[governador de São Paulo] postou hoje [segunda-feira] a campanha que está
fazendo para a TV de estímulo ao distanciamento social, e alguns pediram a peça
para reproduzir em seus Estados. Claro que politicamente são campos diferentes,
mas é uma relação cotidiana boa, de muita solidariedade nesse momento de
dificuldade.
O Maranhão está
preparado para a pandemia? Quando o senhor começou a tomar medidas?
Há mais ou menos 40 dias, logo após o Carnaval, quando os indicadores
ficaram mais nítidos, tomamos decisões fundamentais. Alugar hospital, ampliar
leitos de UTI, fazer obras e compras... A gente conseguiu nesse período
acrescer 150 leitos na rede estadual exclusivos para pacientes coronavírus.
Isso além dos mais 400 que temos só na rede estadual. Fizemos um esforço grande.
No nosso hospital de referência, fizemos uma área com 20 leitos de UTI só para
tratar casos de coronavírus.
O que vislumbra
para o Brasil após a pandemia? O que deverá mudar na gestão da economia e em
termos de políticas públicas?
Em primeiro lugar, houve o reforço muito nítido de uma ideia, que data
dos anos 80, que é o SUS. O conceito de sistema público e universal de saúde
sai muito fortalecido. Ficou demonstrado que se não fosse esse sistema único de
saúde, organizado, estaríamos vivendo um caos absoluto neste momento.
No terreno da economia, assistimos ao sepultamento dessas ficções
ultraliberais. Acho que os Chicago Boys não vão ter muito futuro após a crise
[risos]. Não sei em que extensão a renda mínima vem pra ficar, mas certamente
ela vem pra ficar. É como se fosse um Bolsa Família 2.0, ampliado. E como
conceito ele sai vitorioso, mérito pessoal do principal arauto dessa visão, o
ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP).
O senhor vem
destacando a necessidade de se fazer uma frente ampla democrática, da direita à
esquerda, para combater o bolsonarismo. Que importância ela adquire neste
momento?
Esse conceito de frente ampla se concretiza naquilo que chamei há pouco
de núcleo do bom senso. O que venho insistindo desde sempre é que não se deve
confundir frente ampla com aliança eleitoral, que tem um momento próprio de ser
definida. O que é importante é você conseguir que a esquerda rompa o isolamento
e influencie para além de seu próprio campo. É isso que venho insistindo há
muitos meses, e ainda bem que agora existe uma ampla articulação de forças em
que as ideias da esquerda não ficam circunscritas a seu próprio campo. Um
exemplo é a renda mínima, que neste momento é o principal êxito dessa frente
ampla e que encontrou apoio universal nos setores da política e de economistas.
Essa frente deve ser de resistência aos desvarios bolsonaristas, mas também de
construção de alternativas em favor do Brasil.
Gostaria de ser
o candidato à presidência da esquerda em 2022?
A essas alturas ninguém pode estar pensando nisso. É uma discussão
totalmente fora de tempo e de lugar. Há outras questões a fazer, inclusive para
que haja eleição em 2022. Quer dizer, que não haja caos social, que a economia
consiga minimamente se equilibrar, e que Bolsonaro não caminhe para nenhum tipo
de ruptura institucional. Aí a gente vê lá na frente.
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