Pelo menos dois dos responsáveis pelos saques, além de Luís Carlos Ramos, afirmaram perante os promotores de justiça do Gaeco que levaram o dinheiro sacado diretamente à casa do ex-vereador Pereirinha.
O
Ministério Público do Maranhão, por meio do Grupo de Atuação Especial de
Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) e da 1ª e 2ª Promotorias de Justiça
Criminais de São Luís, protocolou Denúncia contra 14 pessoas, em 13 de julho,
por conta de irregularidades na aplicação de emendas parlamentares de
vereadores de São Luís. A Denúncia foi aceita pela 1ª Vara Criminal de São Luís
em 9 de agosto.
Foram
denunciados Luís Carlos Ramos, presidente da Associação dos Moradores do
Conjunto Sacavém; Rafaela Duarte Fernandes, tesoureira da entidade; Ney Almeida
Duarte, Roberto Fabiano Veiga da Silva, Aldo Carneiro Pinheiro, Paulo César
Ferreira Silva e Marcelo de Jesus Machado, funcionários da Câmara Municipal de
São Luís; Rommeo Pinheiro Amin Castro, ex-secretário municipal de Esportes e
Lazer, e os servidores da Secretaria Jorge Luís Castro Fonseca, José Rogério
Sena e Silva, Domingos Ferreira da Silva e Adriana de Guimarães Silva. Também
foram denunciados o ex-vereador Antônio Isaías Pereira Filho, conhecido como
Pereirinha, e o contador Paulo Roberto Barros Gomes.
A
apuração do Gaeco foi iniciada, em 2019, a partir de comunicação da 2ª
Promotoria de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social de São Luís
a respeito da abertura de procedimento para apurar a veracidade de Atestado de
Existência e Regular Funcionamento, supostamente emitido pelo próprio
Ministério Público em favor da Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém.
As
investigações apontaram que a Associação tinha recebido R$ 1.258.852,49 da
Prefeitura de São Luís no período de 1º de janeiro de 2014 a 30 de outubro de
2019. Verificou-se também que uma organização criminosa utilizava-se da
falsificação de documentos públicos em projetos apresentados a órgãos
municipais para liberação de dinheiro proveniente de emendas parlamentares de
vereadores de São Luís.
Em
2019, quatro termos de fomento foram firmados pela Associação dos Moradores do
Conjunto Sacavém com a Secretaria Municipal de Desportos e Lazer (Semdel), para
a realização dos projetos “Circuito Esportivo e Recreativo”, “Passagem Social”,
“Esporte para todos” e “Praticando cidadania”, com repasse de R$ 100 mil em
cada um deles.
Entre
os crimes praticados está o de organização criminosa. De acordo com a Denúncia,
os envolvidos constituíram e integraram uma organização estruturalmente
ordenada, caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o
objetivo de obterem vantagens mediante a prática de infrações penais.
Segundo
as investigações, a documentação para que os projetos fossem apresentados à
Semdel ficava a cargo do contador Paulo Roberto Barros Gomes. Ele receberia 6%
da arrecadação da associação ou dos convênios assinados. De acordo com Luís
Carlos Ramos, a Associação receberia 5% do valor das emendas parlamentares e
15% seriam destinados ao também contador Ney Duarte Almeida. Ele seria o
responsável pela elaboração dos projetos e encarregado das prestações de
contas.
O
presidente da Associação explicou que, ao receber os recursos públicos,
entregava a Ney Duarte Almeida cheques em branco da entidade, assinados por ele
e pela tesoureira Rafaela Fernandes, que eram sacados. Dos R$ 100 mil, R$ 5 mil
eram entregues, em espécie, a Luís Carlos Ramos.
SEMDEL
Outro
núcleo da organização criminosa atuava na Secretaria Municipal de Desportos e
Lazer. O chefe da Assessoria Técnica da Semdel, Jorge Luís de Castro Fonseca,
emitiu pareceres técnicos em todos os processos da Associação dos Moradores do
Conjunto Sacavém. Neles, foi atestado o atendimento das exigências legais sem
que existisse efetiva comprovação formalizada nos processos.
Nos
quatro termos de fomento assinados com a Associação dos Moradores do Conjunto
Sacavém foram emitidos pareceres idênticos, nos quais eram alterados apenas
dados como nome do projeto e data. Em todos os pareceres estavam juntadas
cópias de Atestados de Existência e Regular Funcionamento falsificadas.
“Jorge
Luís de Castro Fonseca emitiu pareceres idênticos em favor de diversas outras
entidades que também receberam verbas de emendas parlamentares e participaram
do esquema de desvio e apropriação de valores, situação que indica que ele
ocupava o cargo com essa finalidade e se valia da condição de funcionário
público para a prática de infração penal”, aponta a Denúncia.
Situação
semelhante era a de José Rogério Sena e Silva, que emitia pareceres jurídicos
padronizados confirmando o cumprimento das exigências legais e opinando pela
celebração dos termos de fomento. Já o superintendente
administrativo-financeiro da Semdel, Domingos Ferreira Silva, após o parecer
jurídico, atestava a existência de disponibilidade financeira e providenciava o
empenho da verba.
O
então secretário Rommeo Pinheiro Amin Castro também trabalharia em favor da
organização criminosa assinando o empenho e o termo de fomento. Ouvido pelo
Ministério Público, o ex-secretário teria afirmado que a Secretaria fazia uma
fiscalização in loco para verificar a existência das entidades. Também haveria
a fiscalização da execução dos projetos.
Para
os promotores de justiça, essas informações são inverídicas, visto que não
consta dos autos a fiscalização dos projetos e, se tivessem ido ao local, os
servidores da Semdel verificariam que no endereço da Associação dos Moradores
do Conjunto Sacavém existe um imóvel abandonado.
De
acordo com portarias assinadas pelo ex-titular da Semdel, o acompanhamento e
fiscalização da execução dos projetos caberia aos servidores Adriana Guimarães
Silva e Jorge Luís Fonseca. Ouvidos pelo MPMA, os dois afirmaram que a
fiscalização não existia na prática, pois nunca estiveram na Associação ou nos
projetos supostamente executados. Eles se limitavam a analisar a documentação
apresentada.
“Mesmo
ausente qualquer fiscalização da parceria e confirmação de que os eventos
efetivamente ocorreram, as prestações de contas eram aprovadas exclusivamente
com base em documentos apresentados pela entidade, permitindo que a Associação
dos Moradores do Conjunto Sacavém firmasse novos instrumentos e fomentando a
manutenção da organização criminosa”, concluiu a Denúncia.
SAQUES
Os
cheques emitidos pela Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém e entregues
a Ney Duarte Almeida eram sacados por outros integrantes da organização.
Roberto Fabiano Veiga da Silva (servidor da Secretaria Municipal de Cultura à
disposição da Câmara Municipal), Aldo Carneiro Pinheiro (segurança da Câmara),
Paulo César Ferreira Silva e Marcelo de Jesus Machado (também funcionários do
Legislativo municipal) sacaram mais de R$ 700 mil em cheques.
“Os
acusados a quem competia a tarefa de sacar cheques, detinham como vantagem a
remuneração decorrente dos cargos comissionados que ocupavam na Câmara
Municipal de São Luís”, explicaram os promotores de justiça.
Pelo
menos dois dos responsáveis pelos saques, além de Luís Carlos Ramos, afirmaram
perante os promotores de justiça do Gaeco que levaram o dinheiro sacado
diretamente à casa do ex-vereador Pereirinha. De acordo com as investigações, o
parlamentar era um dos beneficiários finais dos recursos públicos “sob a
justificativa de que seriam empregados em atividades de interesse social”.
FALSIFICAÇÃO
Para
ter acesso aos recursos públicos das emendas parlamentares, as entidades
envolvidas no esquema criminoso precisavam apresentar uma série de documentos,
entre os quais o Atestado de Existência e Regular Funcionamento, emitido pelas
Promotorias de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social.
No
caso da Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém, o Atestado datado de 29
de março de 2019, supostamente assinado pela promotora de justiça Doracy
Moreira Reis Santos, foi encaminhado para perícia do Instituto de
Criminalística que comprovou a irregularidade. A assinatura da promotora de
justiça era, na verdade, a impressão de uma imagem. Foi descoberto, ainda, que
a mesma imagem foi utilizada em outro Atestado da mesma entidade, datado de 21
de dezembro de 2018, e em documento que atestava a regularidade do Clube de
Mães do Ipem São Cristóvão.
A
tesoureira do Clube de Mães negou a veracidade do documento, afirmando que o
último Atestado de Existência e Regular Funcionamento da entidade teria sido
emitido em 2016. Ela confirmou, no entanto, que Paulo Roberto Gomes lhes
prestava assessoria contábil.
As
duas Promotorias de Fundações e Entidades de Interesse Social de São Luís
disponibilizaram as listas de entidades que receberam o Atestado de Existência
e Regular Funcionamento no período de 2017 a 2019, não figurando em nenhuma
delas a Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém nem o Clube de Mães do
Ipem São Cristóvão. Além disso, os atestados tinham como emissora a 2ª
Promotoria de Justiça enquanto as supostas assinaturas eram da titular da 1ª
Promotoria de Fundações e Entidades de Interesse Social.
Uma
operação de busca e apreensão realizada no endereço residencial e na empresa de
Paulo Roberto Gomes encontrou uma série de documentos de entidades de interesse
social. Entre eles estavam três atestados relativos à Associação dos Moradores
do Conjunto Sacavém, dos anos de 2015, 2016 e 2018.
“Paulo
Roberto Barros Gomes se valia da mesma assinatura digitalizada da promotora de
justiça Doracy Moreira Santos para falsificar atestados para várias entidades”,
explicaram os promotores de justiça autores da Denúncia.
Além
do crime de falsificação de documento público (art. 297 do Código Penal),
praticado por Paulo Roberto Gomes, os envolvidos Luís Carlos Ramos e Ney Duarte
Almeida também praticaram o de uso de documento falso (art. 304 do Código
Penal).
Já
Jorge Luís de Castro Fonseca, chefe da Assessoria Técnica da Semdel, praticou o
crime de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) por ter atestado
falsamente a adequação dos procedimentos à legislação, com o objetivo de
garantir a liberação da verba pública.
Entre
as irregularidades encontradas estão as designações de “gestor de parceria” e
“comissão de monitoramento”, a indicação de existência de dotação orçamentária
e a aprovação do plano de trabalho pela comissão de monitoramento, quando
nenhum destes itens constavam do processo na data do parecer.
“O
parecer técnico constante nos procedimentos trata-se de documento materialmente
verdadeiro, no entanto, as declarações contidas nele é que não correspondem à
verdade”, apontou a Denúncia.
PECULATO
Todos
os envolvidos incorreram no crime de peculato (art. 312 do Código Penal), por
terem se beneficiado, mesmo que indiretamente, do desvio de recursos públicos.
Um dos pontos que reforça a tese é o fato de que parte dos acusados aparece
como beneficiários dos recursos, mas não constavam nas planilhas de execução
orçamentária da verba constantes dos projetos.
O
cruzamento de dados bancários com as declarações de Imposto de Renda de Ney
Duarte e Paulo Roberto Gomes, por exemplo, deixaram clara a incompatibilidade
entre os ganhos e as informações prestadas à Receita Federal.
No
caso de Ney Duarte, não foram encontrados imóveis ou outro tipo de patrimônio
em seu nome. A operação de busca e apreensão realizada em seus endereços, no
entanto, encontrou cópias de escrituras públicas de imóveis e contratos de
cessão de direitos sobre imóvel em seu nome e do de sua esposa. Também havia
recibos de pagamento relativos a imóveis no nome dos dois, com elevados
valores.
EMBARAÇO A INVESTIGAÇÃO
Luís
Carlos Ramos, que além de presidente da Associação dos Moradores do Conjunto
Sacavém também trabalhava na segurança da Câmara Municipal de São Luís, afirmou
ao Ministério Público do Maranhão que vinha sofrendo pressão de Ney Almeida
Duarte para que permanecesse calado durante seu interrogatório no Gaeco.
Ele
teria sido levado a um escritório de advocacia em São Luís, no qual o advogado
teria orientado para que não falasse nada que comprometesse algum vereador ou
Ney Duarte. Ele também não deveria se preocupar em arrumar um advogado ou com o
pagamento do profissional.
Ligações
de Ney Duarte, Paulo Roberto Gomes e de pessoas ligadas a vereadores estariam
sendo constantes. Além disso, Luís Carlos Ramos e Aldo Pinheiro foram afastados
dos cargos de chefe de equipe de segurança da Câmara de Vereadores após
comparecerem para depor no Ministério Público. “A situação indica possível
represália, praticada por outros integrantes da organização criminosa, em razão
das repercussões da investigação”, observam os promotores de justiça.
CRIMES
Luís
Carlos Ramos foi denunciado pelo crime de peculato-apropriação (reclusão, de
dois a doze anos, e multa). Por ter firmado acordo de colaboração premiada
homologado pela Justiça, ele teve excluído os crimes de organização criminosa
(condicionado à reparação do dano) e garantir a redução da pena privativa de liberdade
em dois terços em todos os crimes que possa ser condenado.
Ney
Almeida Duarte e Paulo Roberto Barros Gomes também foram denunciados por
peculato-apropriação, além de organização criminosa em associação com
funcionário público e por embaraço à investigação (reclusão, de três a oito
anos, além de multa, podendo ser aumentada de acordo com o caso).
Já
Rafaela Duarte Fernandes, Rommeo Pinheiro Amin Castro, Jorge Luís de Castro
Fonseca, José Rogério Sena e Silva, Domingos Ferreira da Silva, Adriana de Guimarães
Silva, Roberto Fabiano Veiga da Silva, Aldo Carneiro Pinheiro, Paulo César
Ferreira da Silva, Marcelo de Jesus Machado e Antônio Isaías Pereira Filho
foram denunciados por organização criminosa em associação com funcionário
público e por peculato-desvio.
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