terça-feira, 10 de março de 2009

DESTAQUE DA SEMANA: CARTA CAPITAL DENUNCIA GOLPE DE SARNEY

CartaCapital aponta manobra contra o mandato de Jackson no MA

A VOLTA DO DONATÁRIO

Por Sergio Lirio, de São Luís

O ascético escritório na residência oficial não tem a imponência do gabinete na parte superior do Palácio dos Leões, um forte do século XV transformado em sede do governo do Maranhão, com dimensões que invariavelmente comprimem a figura de seus ocupantes. Mesmo assim, o governador Jackson Lago parecia mais franzino do que o habitual. Seria efeito da maneira serena com que analisava os acontecimentos de quinze horas antes?

Nem parecia que às duas da madrugada da quarta-feira 4 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) havia selado, salvo uma espetacular e pouco provável mudança de opinião nas próximas semanas, o seu destino político. Em uma reunião repleta de divergências quanto à validade das provas apresentadas, o TSE cassou o mandato do governador e ordenou a diplomação da senadora peemedebista Roseana Sarney, segunda colocada nas eleições de 2006.

Lago poderá continuar no cargo até a análise dos recursos de seus advogados, no prazo de até 60 dias, mas poucos de seus auxiliares acreditam em uma virada. Por um detalhe: quem vai analisar a nova defesa serão os mesmos magistrados que o haviam condenado na noite anterior. À exceção do governador, que tentava demonstrar otimismo e cumpria uma agenda normal de trabalho, o clima no palácio era de visível desânimo. "Montaram uma farsa grosseira. A família Sarney nunca aceitou a derrota nas eleições. Tratam o Maranhão como um feudo", afirmou o chefe da Casa Civil, Aderson Lago, primo do governador.

Sentado em uma cadeira de encosto alto, sem perder a fleuma e a cordialidade de sempre, Lago lembra o Mágico de Oz, o personagem de Frank Baum que encarnava as esperanças de Dorothy, do espantalho, do leão e do homem de lata. A vitória em 2006 interrompeu 40 anos de reinado absoluto do grupo político do Maranhão, estado que até então e desde a ditadura não conhecia o significado do termo alternância de poder. Para as dorothys, os espantalhos, os leões e os homens de lata maranhenses, o médico de origem brizolista, histórico militante do PDT, tido como uma reserva moral inatacável, era a promessa de um arco-íris no estreito horizonte - no qual, nas quatro últimas décadas, só era possível vislumbrar as torres da família Sarney. Mas todos acabaram na chuva. Literalmente.

Passava um pouco das duas horas da manhã quando o ministro Carlos Ayres Britto, presidente do TSE, com palavras duras, votou a favor da cassação. Britto afirmou ser inadmissível o abuso de poder econômico e político em uma eleição, ainda que amparado no pretexto de se derrotar um feudo. E concluiu: "A predisposição de usar a máquina na base do vale-tudo gera esta conseqüência: a perda de mandato".

A chuva e a arrastada sessão do Tribunal haviam espantado metade dos cerca de mil militantes do movimento autointitulado Balaiada, em referência à revolta popular maranhense iniciada em 1838, que se reuniram na frente da sede do governo para apoiar Lago. A outra metade procurava se acomodar sob a barraca onde um telão transmitia ao vivo o julgamento. O governador e a mulher, Clay, impassíveis, acompanharam a sessão do lado de fora do palácio, no meio da multidão.

No início, o julgamento era assistido como a uma partida de futebol. Os tropeços dos advogados de acusação ou os pigarros do ministro Eros Grau, relator do processo e defensor da cassação de Lago, eram vaiados ou brindados com uma piada. A defesa e os magistrados simpáticos à manutenção do governador no cargo eram efusivamente aplaudidos. Pouco a pouco, à medida que a derrota ficava mais clara e irreversível, o entusiasmo minguou e as vozes se calaram. A certa altura, um bêbado desavisado gritou: "Governador, já era". Rapidamente, os seguranças o afastaram do local. O silêncio foi quebrado pelos rojões patrocinados por aliados de Roseana Sarney.

Quando a cassação estava decidida, uma carreata pró-Roseana percorreu a Litorânea, uma das principais avenidas da capital. "(Temos) o dever, a obrigação, de fazer tudo que estiver ao nosso alcance, com risco da nossa própria vida, para mostrar ao Brasil o que é o sarneysismo", discursou Lago antes de retornar ao palácio. Foi a declaração mais contundente do governador sobre o caso. "Estou otimista, confio na Justiça e na democracia", afirmou, horas mais tarde, quando perguntei até onde ele estava disposto a ir na defesa do mandato.

Roseana Sarney valeu-se de argumentos semelhantes. Em entrevista ao Estado do Maranhão, principal jornal controlado pela família, a senadora diz ter recebido a decisão com serenidade. "Aguardarei com calma e confiança, porque sempre tive a certeza de que a justiça seria feita", declarou.

Tal serenidade não se viu nas páginas do jornal. Em campanha aberta pela cassação, o diário dos Sarney cobriu com euforia os acontecimentos e não poupou o governador. A administração estadual é classificada de "libertária-chavista-bolivariana", uma figura de retórica que não corresponde à realidade. O governador mantém, é verdade, boas relações com Hugo Chávez, mas não tem a índole nem a retórica do presidente da Venezuela. De Lago não se pode esperar uma revolução. Na direção contrária, o Jornal Pequeno, publicação visceralmente anti-sarneysista, atacava a família, defendia o governo estadual e definia como golpe o processo no TSE.

Lago é o segundo da lista de seis governadores que foram ou serão julgados neste ano por supostos crimes eleitorais. O primeiro a perder o mandato de forma definitiva, há menos de um mês, foi o tucano Cássio Cunha Lima, da Paraíba, por abuso de poder econômico.

No caso do Maranhão, os ministros do TSE rejeitaram seis das 11 acusações de abuso de poder político, abuso de poder econômico e compra de votos apresentadas contra Jackson Lago. E divergiram bastante sobre a natureza das provas nos outros cinco casos. O relator Eros Grau e o Ministério Público Eleitoral, representado na sessão pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, afirmaram haver provas cabais dos crimes. Mas, ao contrário do processo contra Cunha Lima, não houve unanimidade.

Marcelo Ribeiro, um dos dois magistrados que rejeitaram todas as denúncias, afirmou ter estranhado, por exemplo, o caso da compra de votos. Quatro eleitores admitiram em juízo ter recebido cerca de 100 reais para votar em Lago. Memória: em 2004, o senador João Capiberibe, do PSB do Amapá, teve o mandato cassado pelo TSE após uma testemunha ter declarado a venda de voto ao parlamentar. Capiberibe, adversário político de Sarney, sempre atribuiu sua cassação a uma tramóia montada pelo hoje presidente do Senado.

Ribeiro estranhou, principalmente, o fato de as testemunhas terem se apresentado de "forma espontânea" à polícia e assumido o crime. Apontou ainda divergências e imprecisões nos depoimentos e lembrou que um dos eleitores, Sara Oliveira, voltou atrás e afirmou posteriormente ter sido cooptada para acusar Lago. "Isso tudo não soa bem", afirmou o ministro, convencido da fragilidade das acusações.

Liderados por Sepúlveda Pertence, os advogados de acusação sustentaram a tese, admitida pelo Ministério Público, de que a eleição no Maranhão configurou-se na maior fraude eleitoral da história do País. Segundo eles, o então governador José Reinaldo Tavares, um ex-sarneysista convertido às hostes da oposição, assinou em 2006 mais de 1,8 mil convênios com prefeituras e associações comunitárias, no valor aproximado de 800 milhões de reais, com o intuito de impedir a eleição de Roseana Sarney e eleger um de seus aliados. Para a acusação, o governo estadual bancou três candidaturas, as de Jackson Lago, Edson Vidigal e Aderson Lago, e abusou do poder econômico para garantir que um dos três vencesse. "Nem a campanha de Barack Obama nos Estados Unidos consumiu tanto dinheiro", discursou na tribuna o advogado Heli Dourado, para irritação dos que acompanhavam a sessão em frente ao Palácio dos Leões.

Na defesa de Lago, a bancada comandada por Francisco Rezek classificou de golpe o processo movido pela senadora. "O que pedem não é cassação, é usurpação. Querem cassá-lo e, em seguida, entregar o mandato de bandeja à perdedora", afirmou Rezek. "É possível falar em abuso de poder contra quem domina as principais redes de comunicação do estado, este sim um modo de influenciar a vontade dos eleitores", perguntou.

Um dos casos foi, porém, capaz de convencer a maioria dos ministros do TSE. Em abril de 2006, em evento na cidade de Codó com a presença de Lago e Edson Vidigal, o governador Tavares assinou um convênio com o prefeito local em pleno palanque. As imagens do evento foram exibidas no plenário a pedido de Eros Grau. No comício, Tavares atacou a família Sarney e apresentou Lago e Vidigal aos eleitores. E acrescentou : "Pela primeira vez, eles (os Sarney) terão o governo contra".

A defesa argumentou que em abril não se podia falar em campanha, pois os partidos nem sequer haviam realizado as convenções ou indicado candidatos - portanto, não havia caráter eleitoral. Justificou a presença de Lago no palanque pela razão de o evento comemorar o aniversário de Codó e seu prefeito pertencer ao PDT, mesmo partido do futuro governador. E informou ter a adversária Roseana obtido um maior número de votos nos 156 municípios premiados com os convênios (Lago ganhou nas cidades maiores, onde não houve repasses de verbas estaduais). Não foi suficiente para convencer a maioria dos juízes do TSE. Lago acabou condenado por abuso de poder político.

Aliado do senador José Sarney, o presidente Lula manteve-se afastado de Lago, um parceiro de décadas. São Luís é a única capital não visitada pelo presidente da República nestes seis anos de duplo mandato, apesar de o seu partido ocupar cargos no governo estadual. Em 2006, Lula subiu ao palanque de Roseana em Imperatriz e Timon, no interior do Estado. "O Lula não veio aqui porque eles não deixam. Aqui só pisa quem eles querem", diz o líder comunitário José Ribamar Góes, o Cheiroso, talvez exagerando o poder da família Sarney.

Mesmo Jackson Lago não demonstra mágoa, ao menos em público. "Tenho ótimas relações com o presidente, com os ministros. É preciso compreender as alianças", comenta o governador.

(CartaCapital)

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