Por Luciano Martins Costa
Observatório da Imprensa
Reportagem publicada na edição de
sexta-feira (24/2) do Estado de S.Paulo revela um esquema de formação de
vereadores pela internet que exemplifica claramente a crise de
representatividade do sistema político brasileiro. De acordo com o texto, é
possível comprar por menos de 20 reais, pela internet, pacotes de propostas
legislativas de qualquer tipo, além de modelos para a criação de casas de
cultura, turismo, ouvidoria e orientação sobre normas urbanísticas, leis de
ocupação do solo e editais em geral. Assim o candidato pode se apresentar ao
eleitorado munido de “ideias” convincentes, adaptadas à realidade local.
O serviço de assessoramento para quem
ambiciona um posto bem remunerado, com muitas mordomias, prestígio e direito a
aposentadoria, nada tem de ilegal. Trata-se de um sistema que oferece
obviedades capazes de transformar em indivíduo clarividente o mais tosco dos
candidatos, como projetos completos para bibliotecas públicas ou cursos sobre
os fundamentos da legislação orçamentária.
De quebra, o freguês pode adquirir
também discursos prontos, adaptados ao linguajar regional, e cursos completos
sobre como falar em público.
Toma
lá, dá cá
Os empreendimentos citados são legais, e
seus responsáveis, entrevistados pelo jornal, apresentam razões que não
aparentam esbarrar em ilegalidades. Mas essa é apenas uma ponta do sistema. A
realidade nos municípios envolve esquemas menos inocentes, como grupos de
assessoria vinculados a empresas controladas por políticos e até mesmo por
chefes do crime organizado.
Em municípios ao sul e a oeste da
capital paulista, por exemplo, já foram identificados pela polícia vereadores
ligados ao grupo conhecido como Primeiro Comando da Capital. Uma de suas
associações permitiu a um operador do crime organizado se tornar sócio de
dezenas de postos de gasolina, que a polícia acredita ser parte de um sistema
de lavagem de dinheiro.
No Rio de Janeiro, o noticiário esparso,
principalmente veiculado pelo jornal O Globo, tem dado conta das relações entre
políticos e chefes de milícias, que ocupam os lugares e o poder deixado para
trás pelos narcotraficantes acossados pelas forças de segurança.
Com base nesse esquema são eleitos
vereadores e deputados, que em contrapartida garantem às quadrilhas a
exploração de serviços como o transporte público ou a distribuição de gás.
Partidos
pragmáticos
Também está no Estadão de sexta-feira
uma reportagem informando que um grupo de oito partidos (PMDB, PSDB, DEM, PP,
PR, PTB, PPS e PMN) está atuando para bloquear o crescimento do PSD, partido criado
pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, para ser, segundo ele mesmo, uma
representação sem coloração ideológica.
Com a “vantagem” de não ser, como o
define Kassab, nem de esquerda, nem de direita, e muito menos de centro, a nova
sigla já nasce com a vocação para amplos negócios, podendo sem qualquer
impedimento estatutário grudar-se ao poder em todas as instâncias.
Esse pragmatismo sem tintura ideológica
definida é o retrato do sistema político, que, com exceção do partido
Democratas – lídimo representante do conservadorismo de direita – e das siglas
mais à esquerda, como o PSOL, o PSTU e o PCO, mistura todas as propostas numa
ação concreta: o exercício do poder.
Os partidos que se preocupam com o
crescimento da sigla criada por Kassab fazem uma ação de “guerrilha”, de acordo
com o jornalão paulista, atuando no Congresso e junto à Justiça Eleitoral para
evitar novas defecções.
Com a possibilidade de aderir a qualquer
grupo no poder, o PSD se transforma em grande atrativo para esse tipo de
representante do povo cujo objetivo é fazer negócios no mercado do orçamento
público. Trata-se de um produto híbrido com grandes possibilidades de ganhar
espaço nesse mercado, reduzindo as margens dos partidos já estabelecidos.
A principal preocupação dos concorrentes
é ver o PSD abocanhar uma grossa fatia do tempo de exibição no horário de
propaganda política, já considerado por eles muito reduzido. A conversa gira em
torno do direito da sigla sobre a candidatura, de modo a assegurar para os
partidos de origem o tempo destinado aos donos de mandato que migrarem para
outra agremiação.
Também não parece haver banditismo
explícito nessa disputa, mas o evento serve para demonstrar, mais uma vez, que
o Brasil precisa de uma reforma que estimule o surgimento de representações
mais autênticas – ou que se mude o sistema, facilitando o protagonismo político
pelo próprio cidadão.
Mas essa é uma conversa que não cabe nos
jornais.
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