O Globo
Seja pagando ou recebendo propina são poucos os casos de corrupção entre a população carcerária
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As prisões estritamente ligadas à
corrupção, entretanto, podem ser em número ainda menor. De modo geral, os
corruptos estão encarcerados porque também mataram ou formaram bando armado,
prática associada às milicias e aos bandidos infiltrados na polícia. Não é por
acaso que em São Paulo, de acordo com a Secretaria Estadual de Assuntos
Penitenciários, nenhum dos 164.633 hoje detentos está na cadeia devido a
condenações pelos artigos 333 e 317 do Código Penal. No Rio, as estatísticas do
Depen indicam que não há presos por corrupção passiva. Já 123 corruptores
(corrupção ativa) estavam presos no fim do ano passado.
O Direito brasileiro, afirmam
promotores, juristas e magistrados ouvidos pelo GLOBO, consagrou que o corrupto
não oferece elevado risco à sociedade. De modo geral, a pena de reclusão é
revertida em pena privativa de direitos, como prestação de serviços à
comunidade, perda de cargo público ou mesmo de mandato eletivo. Mas há
exceções. E não necessariamente aplicadas a autores de crimes de colarinho branco.
Caso raro de quem pegou cadeia, de fato,
por corrupção passiva em São Paulo é o de Sônia Aguiar Oliveira, funcionária da
Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran) em Capão Bonito, no interior de
São Paulo, que pediu R$ 200 para desbloquear a CNH de Milton Gonçalves, em
2007. De acordo com o processo, como ele disse que não tinha este valor, ela
pediu um porco de presente para resolver o problema. Recebeu. Foi condenada a
quatro anos de reclusão no regime inicial fechado, convertidos em três anos em regime
semiaberto. Ela acabou de cumprir a pena e atribui a condenação a uma
perseguição do delegado que era chefe em sua seção.
— Era época de fim de ano. Como tínhamos
certa intimidade, ele trouxe esse brinde para a gente fazer um churrasco. Todo
setor público tem isso. Foi uma coisa muito ridícula — diz Sônia, que perdeu o
cargo e passou pelo menos um ano e dois meses detida na carceragem do 33º
Distrito Policial de Pirituba, em São Paulo.
Ela acredita só ter ficado presa porque
também havia sido acusada de outros crimes em outras situações, entre eles o de
peculato. Depois do episódio, formou-se como técnica em enfermagem.
Enquanto isso, em Natal (RN), 16
vereadores, ex-vereadores, servidores públicos e empresários foram condenados
em janeiro deste ano por comercializarem o Plano Diretor da capital potiguar,
em 2007, mas não passaram um dia atrás das grades. O Ministério Público
convenceu o juiz Raimundo de Oliveira Costa de que os parlamentares aceitavam
propina tabelada de aproximadamente R$ 30 mil. Classificados pelo MP-RN como os
mentores da organização, os ex-vereadores Dickson Ricardo Nasser dos Santos e
Emilson Medeiros dos Santos receberam pena de sete anos e nove meses de
reclusão em primeira instância pelo crime de corrupção e aguardam, em liberdade,
julgamento de recurso no Tribunal de Justiça. O pedido de prisão preventiva foi
indeferido pelo magistrado.
— Não passaram sequer uma noite na
cadeia. Hoje, a gente quer a condenação por tribunal colegiado para assegurar,
ao menos, que sejam incluídos na Lei da Ficha Limpa. Na minha experiência de
dez anos de Promotoria do Patrimônio Público, afirmo que o agente corrupto
receia mesmo é a prisão. A prisão exerce a função de prevenção geral. A pena
pecuniária (que implica perda de dinheiro) não aterroriza — diz o promotor
Afonso de Ligório, que participou da Operação Impacto, que desbaratou o
esquema.
O advogado Adriano Silva Dantas, que
defendeu Nasser em primeira instância, confirmou que não houve prisões, mas não
quis comentar a ação porque deixou o caso. Flaviano da Gama Fernandes, que
responde agora pela defesa de ambos, não foi encontrado.
A inexistência de prisão para o crime de
corrupção é tão evidente que, caso sejam encarcerados, os réus do mensalão
poderiam, em tese, alterar as estatísticas do sistema prisional. Supondo que os
dez réus condenados por corrupção passiva sejam presos, a população de detentos
condenados pelo artigo 317 do Código Penal crescerá em um sexto. Isso porque
apenas 55 homens e duas mulheres estão atrás das grades em todo o país, de
acordo com a última contabilização do Depen.
A conversão das penas de reclusão por
prestação de serviços à comunidade é a regra. Foi assim há três semanas, quando
os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo analisaram recurso
impetrado por Aparecido Queiroz, condenado a dois anos de reclusão por cobrar
R$ 250 para agilizar um exame de paternidade em São José do Rio Preto, em São
Paulo. O mesmo ocorreu com Edson Gomes, funcionário do setor de pessoal da
prefeitura de Ubatuba, que cobrou R$ 2,1 mil da viúva de um ex-funcionário da
prefeitura que o procurou a fim de providenciar o recebimento de prêmio de
seguro em razão do falecimento do marido.
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