Em 2012, ISTOÉ teve acesso a sete
inquéritos abertos pela Polícia Federal para apurar os superfaturamentos na
Ferrovia Norte-Sul que provocaram rombo de até R$ 1 bilhão
Os desvios de verbas na ferrovia
norte-sul somam R$ 1 bilhão só no trecho entre Palmas (TO) e Anápolis (GO)
foram superfaturados R$ 400 milhões a obra já consumiu R$ 8 bilhões
Confira o teor da ampla reportagem
publicada pela revista ISTOÉ, em 20 de julho 2012, revelando os esquemas de corrupção na Ferrovia
Norte-Sul e apontando o ex-senador José Sarney como responsável pela indicação
de nomes para a Valec.
Por Cláudio Dantas Sequeira
No início do mês, a Polícia Federal
prendeu o ex-presidente da Valec José Francisco das Neves, o Juquinha, acusado
de enriquecimento ilícito. Segundo os autos do inquérito da Operação Trem
Pagador, ele teria comandado um esquema que desviou mais de R$ 100 milhões de
obras da Ferrovia Norte-Sul, a mais extensa via férrea do País. ISTOÉ revela
agora que o rombo provocado pelo esquema de Juquinha, que comandou a estatal de
ferrovias por oito anos, pode chegar à escandalosa cifra de R$ 1 bilhão,
dinheiro que teria abastecido não só as contas pessoais do ex-presidente,
familiares e ex-integrantes da cúpula da Valec, mas também o caixa de partidos
como PR e PMDB. A estimativa é da própria PF, com base numa série de
investigações em andamento. Só na Delegacia de Crimes Financeiros da Polícia
Federal em Goiás foram abertos sete diferentes inquéritos que abarcam os quase
4,5 mil quilômetros de extensão da ferrovia. Ao longo da Norte-Sul, que já
consumiu R$ 8 bilhões, correm suspeitas de superfaturamento em materiais, como
trilhos e dormentes, nas ações de terraplanagem, escavações e aterros. A PF
encontrou ainda indícios de conluio entre empreiteiras, direcionamento de
licitações e subcontratação de empresas ligadas a políticos. As investigações,
que tiveram origem em fiscalizações do TCU, da CGU e denúncias do Ministério
Público, estão longe de terminar.
As investigações indicam que só no
trecho entre Palmas (TO) e Anápolis (GO), justamente o que ajudou a enriquecer
Juquinha e sua família, foram desviados mais de R$ 400 milhões. Laudos técnicos
que compõem os inquéritos mostram que a estrada de ferro consumiu todo o
orçamento previsto nos contratos com as construtoras Andrade Gutierrez, SPA
Engenharia, Constram, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa. A Valec de Juquinha
autorizou aditivos que atingiram o limite legal de 25% e mesmo assim a obra
chegou ao fim infestada de problemas estruturais, como a falta de proteção
vegetal de taludes e canais de drenagem superficial. O resultado é a erosão de
áreas que estão provocando a desestabilização dos trilhos, inviabilizando o uso
da ferrovia. Não foram construídos oito pátios intermodais que estavam
previstos em contrato. Isso significa que, mesmo os trens sendo liberados para
transitar na estrada de ferro, eles simplesmente não têm onde ser carregados e
descarregados.
As construtoras reclamam que a obra ali
consumiu mais que o previsto, por conta de desvios e da existência de aterros
moles, que acabam consumindo mais horas de trabalho das máquinas e do orçamento.
Daí, segundo a PF, chega-se a outro problema: não há medição confiável, os
métodos utilizados são os mesmos de 40 anos atrás. Essa falha foi explorada não
só pelos empreiteiros, mas pela própria Valec, segundo a PF. O escamoteamento
de custos, de acordo com os relatórios de investigação obtidos por ISTOÉ, era
processado em Brasília, no 20º andar do edifício-sede da estatal, e se estendia
ao campo de trabalho. Laudos da Perícia Criminal indicam sobrepreço tanto no
orçamento de referência da estatal como nas propostas das empreiteiras. A
análise de centenas de planilhas de preços feita pelos peritos apontam uma
variação entre 6,5% e 48% de sobrepreço nos orçamentos.
O TCU agiu em alguns casos, como nas
obras de Aguiarnópolis (TO) e Anápolis-Uruaçu (GO). Em ambos, determinou-se a
suspensão cautelar de 10% do valor dos contratos, muito pouco, considerando o
volume de recursos utilizados. O tribunal instaurou tomadas de contas especiais
em contratos como o da SPA Engenharia, que se recusou a seguir as determinações
de repactuação do orçamento. Um relatório interno da consultoria jurídica da
Valec, obtido por ISTOÉ, mostra que só em dois contratos os fiscais encontraram
sobrepreços de R$ 42 milhões e R$ 40 milhões, respectivamente. Desde o início
da obra, a Valec tem comprado dormentes, fabricados pelas próprias
empreiteiras, a valores 40% superiores ao de outros fornecedores. Esses dados,
além de abastecerem os inquéritos da PF, levaram o atual presidente da Valec,
José Eduardo Castello Branco, a criar uma força-tarefa para melhorar a
fiscalização das obras da Norte-Sul e passar um pente fino nas obras em
andamento. Talvez por isso, desde que assumiu no lugar de Juquinha no ano
passado, Castello Branco tem sofrido pressões de partidos e empresários para
deixar o cargo.
O perfil técnico do atual presidente da
Valec causa desconforto para um grupo de políticos que se acostumou a gerenciar
o orçamento bilionário da empresa. Escutas telefônicas feitas pela PF com
autorização judicial mostram como se articularam os dirigentes da estatal às
vésperas da faxina determinada pela presidenta Dilma Rousseff, diante das
denúncias de pagamento de propina no Ministério do Transportes. Em conversa
gravada no dia 19 de outubro de 2011, Juquinha, ciente da iminente dança das
cadeiras na Valec, telefona para seu advogado, Heli Dourado, e pergunta se ele
conversou com o “presidente”, segundo a PF numa referência ao senador José
Sarney. Heli diz que “Sarney conversou com o ministro duas vezes e não tem mais
o que falar com ele; que ele sabe que a pessoa é sua indicada”. Na conversa,
Heli diz ainda que foi até a casa de Sarney para tentar evitar a queda dos
apadrinhados. Segundo a PF, o presidente do Senado foi atropelado pela decisão
do Palácio do Planalto.
Além de “presidente”, Sarney é citado
por Juquinha e outros integrantes do grupo pelas alcunhas de “velhinho” e
“chefe”. Para a PF, não há dúvidas de que o grupo usava constantemente o nome
de Sarney. De acordo com um delegado ouvido por ISTOÉ, as investigações
demonstram que o presidente do Senado e o deputado Valdemar da Costa Neto (PR)
dividiam os cargos na cúpula da Valec. A Ferrovia Norte-Sul, no entendimento dos
investigadores, era uma espécie de “menina dos olhos” dos parlamentares. Quem
cuidava dos interesses de Sarney nos contratos da ferrovia, de acordo com a PF,
era Luiz Carlos Oliveira Machado, o então diretor de engenharia da estatal.
Responsável por acompanhar diretamente todas as obras da Valec, Oliveira
Machado é um dos principais alvos dos inquéritos. Pelas investigações iniciais,
ele estaria ligado às empresas CMT Norte-SUL e Trilha Engenharia, que foram
subcontratadas nos lotes 2 e 11 para fornecer maquinário. Sarney informou, por
meio de sua assessoria, que Oliveira Machado não é sua indicação e nem sequer
lembra “se conhece essa pessoa”. Costa Neto, por sua vez, admitiu sua relação
com Juquinha e a indicação para a presidência da Valec, mas disse que não tinha
nenhuma “ascendência administrativa” sobre ele.
Não é a primeira vez que o nome de
Sarney surge em escândalos envolvendo a Ferrovia Norte-Sul. Seu filho Fernando
Sarney, citado na Operação Faktor (Boi Barrica), é investigado por conta de
contratos suspeitos da Valec com a empresa Dismaf para o fornecimento de
trilhos. A empresa, mesmo denunciada pelo Ministério Público por fraude no
fornecimento de fardamento para o Exército, conseguiu entrar na Valec. Quem
intermediou o negócio, segundo a PF, foi o senador Gim Argello (PTB) e o filho
de Sarney. Um dos sócios da Dismaf é Basile Pantazis, que até estourar o
escândalo no ano passado era tesoureiro do PTB. Entre 2008 e o início de 2011,
a Dismaf recebeu mais de R$ 410 milhões, segundo levantamento das ordens
bancárias da Valec feito pela ONG Contas Abertas. A empresa quase conseguiu um
segundo contrato de R$ 750 milhões, mas a licitação foi suspensa por
determinação do TCU.
ISTOÉ edição nº 2228
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