Leonardo Sakamoto
Em outras palavras, o combate à
corrupção é fundamental e operações como a Lava Jato e a Zelotes desempenham um
papel importante para o país. Mas sob a justificativa de limpar a sociedade, o
Estado não pode se utilizar de métodos questionáveis sob o risco de não ser
diferente daqueles que querem investigar. Porque, acima de tudo, está a
proteção de nossa democracia.
Saindo do ar rarefeito dos palácios e
cortes e indo para o nível de nosso cotidiano, a sociedade não pode e não deve
substituir as instituições democráticas em momentos de intensa comoção popular
sob o risco de ela própria se tornar pior do que o problema que quer combater.
Como já disse aqui anteriormente, quando
uma turba resolve fazer Justiça com as próprias mãos, partindo para o
linchamento de uma pessoa acusada de cometer um crime, usa – não raro – o
discurso de que as instituições públicas não conseguiram dar respostas
satisfatórias para punir ou prevenir.
Afirmam, dessa forma, que estão
resolvendo – como policial, promotor, juiz, júri e carrasco – o que o poder
público não foi capaz de fazer, baseado em um entendimento do que é certo, do
que é errado e do que é inaceitável.
Mesmo que, ao final de um espancamento,
isso os transforme em criminosos mais vis do alguém que comete um furto, por
exemplo, uma vez que a vida vale mais que a propriedade e não existe pena de
morte no Brasil. Em tese, claro.
Casos envolvendo turbas em transe estão
despontando, aqui e ali, como os que circularam nos jornais, sites, emissoras
de rádio e telejornais, desta quarta (16), resolvendo reequilibrar o universo
com as próprias mãos, partindo para o linchamento de pessoas acusadas não de
estuprar, roubar ou matar, mas de carregar e defender uma ideia diferente da
sua.
Em outras palavras, ter uma opinião e
demonstrá-la publicamente tem sido, para algumas pessoas, motivo de linchamento
moral e físico. Mesmo que essa ideia não signifique incitar a violência contra
outros brasileiros.
Talvez como “corretivo'' para que
aprenda o que é certo e o que é errado. Talvez como “punição'' por cometer uma
heresia – palavra empregada aqui de forma pensada, pois a situação remete a
momentos da Santa Inquisição que pensamos ter deixado para trás.
Preocupa ouvir e ler relatos de pessoas
que são obrigadas a tirar camisetas vermelhas com imagens de Che (ainda mais
ele, que já havia sido fagocitado, alienado e entregue ao consumo pop) e bonés
de movimentos sociais ou largar livros de Marx, sob o risco de apanhar de
grupos enfurecidos.
Parte de ações antes restritas ao
ambiente digital, vai ganhando escolas, locais de trabalho e ruas, fomentada
por lideranças e pela ausência de uma cultura política do debate, da tolerância
e da noção de limites.
Da mesma forma, é um absurdo colegas
jornalistas apanharem nas ruas ao fazerem coberturas por trabalharem em
determinados veículos – sejam eles da grande imprensa ou da independente,
progressistas ou conservadores. Pois a ignorância e a incapacidade de diálogo não
são monopólio de ninguém.
Não podemos esquecer que já linchamos
sistematicamente pessoas cujo crime do qual são acusadas é o de criar rupturas
em uma suposta harmonia da sociedade ao tentarem ser simplesmente quem são. O
receio constante de apanhar ou ser maltratado não é novidade para muitos gays,
lésbicas, transexuais, travestis, negros (principalmente jovens), indígenas,
mulheres. Ou seja, cidadãos de segunda classe.
Mas estou indo um pouco além no
questionamento: seguindo essa toada, o Brasil sobreviverá a esta temporada de
linchamentos baseados em opinião? Ou estamos vendo o surgimento de um
macarthismo, que tocou o terror nos anos 1950 nos Estados Unidos, com a prática
de formular acusações e fazer insinuações sem provas e criminalizar todo o pensamento
fora do establishment?
O que a maior parte das hordas que
adotam o terror como modelo de atuação não sabem é que não se mata uma ideia
matando quem a carrega. Porque uma ideia não pertence a uma única pessoa ou
instituição. Ela, parida pela somatória das experiências de vida individuais e
pela ação da razão, passa a pertencer à sociedade e ao seu tempo histórico.
Ou seja, uma ideia não morre
simplesmente. Queimada na fogueira ou agredida em praça pública, ela se
multiplica.
Mas, se dialogada, com argumentos,
tolerância e bom senso, pode ser transformada e, quiçá, alterada e aplicada. E,
com isso, transformar, para melhor, a vida de todos os envolvidos.
Muitos podem não acreditar nisso. Mas
continuo insistindo em trazer esse debate aqui. Pois a alternativa a isso é a
mais completa barbárie.
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