Convocar manifestações públicas e delas participar pregando “intervenção militar” (eufemismo cínico para o golpe de Estado), “morte ao PT e ao Lula”, a derrubada pura e simples da Presidente eleita democraticamente, são ações que desbordam em muito os limites do exercício das liberdades constitucionais.
*Por Mário de Andrade Macieira
Na manhã e ontem, sábado, 05 de março de
2016, militantes do PT (Partido dos Trabalhadores) e da CUT (Central Única dos
Trabalhadores) furaram e rasgaram um boneco do Ex-Presidente Lula,
caracterizado como presidiário e amarrado a correntes com uma bola de ferro,
tudo inflável. Entre outras coisas, chamou a atenção da presença da Polícia
Militar que, chamada ao local não se limitava a conter o confronto dos
militantes de lados opostos, mas interveio para prender um militante petista e
atuou no sentido de garantir a “liberdade de manifestação” dos que
caracterizaram Lula como presidiário.
É precisamente aqui que entra minha
reflexão. Será que as liberdades democráticas autorizam a manifestação que
prega a execração pública de alguém, atribuindo a esta pessoa o status de
criminoso condenado e defendendo o cumprimento de uma pena degradante,
acorrentado a bola de ferro?
Do meu ponto de vista não.
Nos últimos anos, temos visto muitas
formas de manifestações preconceituosas, xenofóbicas, discriminatórias e até
racistas realizadas sob o manto da “liberdade” de opinião, crença ou
manifestação.
Porém, essas liberdades, garantidas
constitucionalmente, têm, necessariamente, limites na própria Constituição e
nas leis. Assim, a leitura do art. 5º, incisos IV, IX, XVI, tem que ser feita
como desdobramento do contido na cabeça do mesmo artigo, e em outros
dispositivos da Constituição. Assim, por exemplo, as liberdades constitucionais
devem ser exercidas, mas tendo em conta o que diz o art. 1º, III – a proteção à
dignidade da pessoa humana – e os objetivos da República, dentro os quais
promover o bem de todos, sem discriminações ou preconceitos de qualquer natureza.
Pode um pastor, que discorda da devoção
a Nossa Senhora, por acreditar que seria adoração a ídolos, chutar a imagem da
santa? Para mim, a resposta é firmemente não! O direito de professar sua crença
e expressar seu pensamento, não lhe dá o direito de atacar os símbolos de
outras religiões. Esse excesso já implica discriminação e autoriza a reação do
Estado.
É lícito a um cristão (evangélico ou
católico) falar da macumba ou da umbanda, das religiões de matriz africana,
como artes do demônio. Isso é democrático? Isso é protegido pela Constituição?
Claro que não.
Podem os homofóbicos atribuir a
comunidade LGBT a pecha de serem doentes, pedófilos ou desviados, claro que
não!
Podem pessoas nascidas no sul do país,
contrárias ao resultado eleitoral, dizer que nordestinos ou nortistas, são
burros, miseráveis ou uma sub-raça, um tipo inferior ou rebaixado de seres
humanos? Isso é liberdade de expressão? Nunca, em nenhuma democracia do mundo.
Podem manifestantes anti petistas inflar
um boneco com a imagem do ex-presidente vestido de presidiário, acorrentado a
uma bola de ferro, fazendo sua execração pública sem qualquer julgamento
formal, pior ainda, sem que nenhuma acusação tenha sido apresentada contra o
Lula em qualquer instância do Poder Judiciário? Isso está resguardado pelas
liberdades constitucionais, penso que, da mesma forma como não se podem
vilipendiar símbolos religiosos, não se pode discriminar pessoas em razão da
sua orientação sexual, ou da sua origem geográfica ou em razão de suas raça, do
mesmo modo não é democraticamente aceitável, nem constitucionalmente
assegurado, que as liberdades políticas sejam confundidas com manifestações de
ódio, ou de execração públicos.
É Biblico, Jesus impediu o apedrejamento
da mulher acusada de adultério. A acusação bastava para o apedrejamento, o
julgamento pela turba e a execução da pena de morte?
Nesse contexto, a reação indignada dos
militantes do PT que rasgaram o “pixuleco” pode se equiparar à reação de um
católico, indignado contra o vilipêndio à santa, ou dos nordestinos
discriminados por uns poucos racistas do sul.
A liberdade de expressão, de
manifestação ou de pensamento e crença, não autoriza a discriminação, o
racismo, a violência física ou simbólica contra quem pensa de modo contrário,
contra integrantes de outros partidos, igrejas ou grupos sociais.
Quando alguém é injustamente agredido ou
ameaçado o direito prevê como possível uma reação proporcional ao agravo,
imediata e suficiente para fazer cessar a ofensa. Essa é a motivação dos
manifestantes que rasgaram o pixuleco, ofensa agressiva aos partidários do
ex-presidente, entre os quais, evidentemente, eu me incluo.
As regras da democracia não toleram
ameaças à própria democracia. Esse um dos mais expressivos limites à liberdade
de manifestação e de expressão, contidos na própria Constituição. Convocar
manifestações públicas e delas participar pregando “intervenção militar”
(eufemismo cínico para o golpe de Estado), “morte ao PT e ao Lula”, a derrubada
pura e simples da Presidente eleita democraticamente, são ações que desbordam
em muito os limites do exercício das liberdades constitucionais.
A história é rica em exemplos. Todas as
vezes que as democracias toleraram manifestações, partidos e organizações que
atentavam contra a própria democracia, em todas essas ocasiões a ordem
democrática ruiu e cedeu lugar a regimes totalitários.
Definitivamente, temos que defender a
democracia contra o golpe. As regras do jogo, contra as viradas de mesa. A
presunção de inocência contra acusações sem prova, julgamentos sem processo e
execrações públicas. O direito à informação contra o monopólio das mídias. O
direito a um Judiciário isento contra a espetacularização da Justiça.
*Advogado. Professor da UFMA. Ex-Presidente da OAB/MA
Se alguma direito constitucional foi descumprido ou desrespeitado cabe ao lesado mover o justiça em defesa dos seus direitos.
ResponderExcluirFazer justiça com as próprias mãos, não é justo e nem constitucional.
A destruição do boneco foi e é errado.
Fico pensado na guerra civil que vai se instaurar durante a "Malhação do Juda."
Sinto muito mais esta justifica não justificou nada.
Um erro não justiça outro erro.
Boa noite.