Por Pedro Canário e Marcos de
Vasconcellos
Conjur

Primeiro, porque se um dos
participantes da conversa tem prerrogativa de foro por função, caberia à
primeira instância mandar as provas para a corte indicada. No caso, a
presidente Dilma só pode ser processada e julgada (em casos de crimes comuns)
pelo Supremo Tribunal Federal, conforme manda o artigo 102, inciso I, alínea
“b”, da Constituição Federal.
Ou seja, a única decisão que
Moro poderia tomar a respeito da gravação seria enviá-la ao Supremo, para que
lá fosse decidido o que fazer com essas provas: abrir inquérito, abrir ação
penal, arquivar, devolver etc. De acordo com a explicação do professor de
Processo Penal da USP Gustavo Badaró, agora que Moro abriu o sigilo sem
questionar o Supremo, se houver qualquer indício de crime cometido pela
presidente nas conversas, as gravações não poderão ser usadas.
Pedro
Serrano,
professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo, é mais direto. Para
ele, não há interpretação da Constituição que permita a um juiz de primeiro
grau tornar público material sem qualquer decisão do STF.
O advogado Cezar Roberto Bitencourt, professor de Direito Penal da PUC do Rio
Grande do Sul, também afirma a ilegalidade da divulgação dos grampos. "No
momento em que o telefone interceptado (no caso, do Lula) conecta-se com
autoridade que tem foro privilegiado, o
Juiz, no caso o Moro, não pode dar-lhe publicidade", afirma.
Planos
políticos
Na gravação, Dilma aparece
dizendo que enviou a Lula um envelope com um papel, o termo de posse. Nesta
quarta-feira (16/3) à tarde, Lula foi nomeado ministro da Casa Civil, o que foi
inclusive divulgado em edição extra do Diário Oficial da União.
A tese da oposição é que Lula só
foi nomeado ministro para “ganhar” o direito a prerrogativa de foro por função.
Isso seria corroborado com a fala de Dilma a Lula dizendo que ele usasse o
termo de posse caso necessário. Dilma afirmou ter dito aquilo porque o
ex-presidente não havia dado certeza sobre se compareceria à cerimônia de posse
no cargo, marcada para esta quinta-feira (17/3) às 10h.
Outra autoridade com
prerrogativa de foro no Supremo que aparece nas gravações divulgadas nesta
quarta é Jacques Wagner, antecessor de Lula na Casa Civil e atual chefe de
gabinete da presidente Dilma. Ele aparece reclamando de Claudio Lamachia,
presidente do Conselho Federal da Ordem.
“Também é preciso ver os
horários. Se Lula já estava ministro quando a conversa foi divulgada, a decisão
foi ilegal”, completa Badaró. E se Lula não ainda não era ministro, Jacques
Wagner era.
Relógio
O outro motivo é que, ao que
tudo indica, as gravações das conversas foram ilegais, e Moro as divulgou
sabendo disso. Pelo menos é o que indica o horário em que os eventos foram
publicados no site da Justiça Federal do Paraná.
Às 11h13 desta quarta-feira (16/3), Moro despachou que, como já haviam
sido feitas “diligências ostensivas de busca e apreensão”, “não vislumbro mais
razão para a continuidade da interceptação”. Por isso, ele determinou a
interrupção das gravações.
Ato contínuo, informou à Polícia
Federal e ao Ministério Público Federal sobre o despacho. Às 11h44, Moro publicou uma certidão de
que havia intimado por telefone o delegado da PF Luciano Flores de Lima a
respeito da suspensão das gravações.
Entre 12h17 e 12h18, Moro
enviou comunicados às operadoras de telecomunicações sobre a suspensão dos
grampos. As interceptações são feitas, na verdade, pelas operadoras, a pedido
da polícia, com autorização judicial. Portanto, uma hora depois da suspensão
dos grampos, elas já estavam sabendo que não deveriam atender a nenhum pedido
nesse sentido.
Só que a conversa em que Dilma
avisa a Lula que ele vai receber o termo de posse como ministro da Casa Civil
aconteceu às 13h32. A própria
Polícia Federal foi quem contou isso ao juízo da 13ª Vara Federal Criminal de
Curitiba, onde corre a “lava jato” e as investigações sobre Lula. Em comunicado enviado à vara às 15h34, o delegado Luciano Flores conta
a Moro sobre o conteúdo.
Por volta de uma hora depois, às 16h21, Moro determina o levantamento
do sigilo do processo inteiro, dando ao público acesso a tudo o que está nos
autos, inclusive a gravação da conversa entre Dilma e Lula.
“Na melhor das hipóteses, o juiz
foi imprudente”, comenta Badaró. “Se havia um despacho dele mesmo mandando
cessar as interceptações, qualquer gravação feita depois disso é ilegal.”
Já para Cezar Bitencourt, "houve, no mínimo, má-fé". "Essa
gravação, após encerrada a autorização judicial, é uma interceptação ilegal, e
a sua divulgação também é ilegal, pois feita com a consciência de que se
tratava de uma gravação ilegal. Houve crime de quebra de sigilo telefônico
ilegalmente. Houve também falta administrativa, que deverá ser apurada pelo
CNJ."
Sigilo
obrigatório
O criminalista Alberto Zacharias Toron concorda. Ele
lembra que o artigo 8º da Lei 9.296/1996, a Lei das Interceptações, é clara em
dizer que os grampos telefônicos e suas respectivas transcrições são sigilosas.
Já o artigo 10 diz que “constitui crime”, com pena de dois a quatro anos de
prisão, quebrar segredo da Justiça, conforme lembra o advogado Marcelo Leal de
Lima Oliveira, do Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associados.
“Ainda que o juiz queira abrir o
sigilo do inquérito, jamais poderia tê-lo feito em relação às interceptações.
Essa divulgação me parece marcada por flagrante ilegalidade”, afirma o Toron.
“É muito espúrio que um juiz divulgue isso para causar comoção popular. É mais
uma prova de que o juiz busca aceitação popular, de que ele busca sua
legitimação no movimento popular. Sua aceitação não vem da aplicação da lei,
vem da mobilização do povo, o que é muito característico do fascismo, não do
Estado Democrático de Direito.”
Morogate
O professor de Processo Penal Lenio Streck acredita que se pode
chamar o caso de “Morogate”. É uma referência ao caso das escutas ambientais
instaladas numa reunião do Partido Democrata, nos Estados Unidos, a mando do
então presidente, Richar Nixon. O episódio ficou conhecido como Watergate, em
homenagem ao hotel em que as escutas foram instaladas, e resultou na renúncia
de Nixon.
“Imaginemos que, para pegar um
presidente, sejam feitos vários grampos envolvendo pessoas que o cercam, como a
secretária executiva. A vingar a tese de Moro de que não há mais sigilo [em
conversas envolvendo autoridades, desde que elas não tenham sido diretamente
grampeadas], todos os segredos da República poderiam ser divulgados. Uma cadeia
de contatos que exporiam todo tipo de assunto que o Presidente da República
falasse com pessoas sem foro”, analisa Lenio. “Quem examinar esse fato à luz da
democracia, dirá: Moro foi longe demais.”
Já Daniel Gerber, também do escritório Lucho Ferrão Advogados, afirma
que, no caso da presidente, o levantamento do sigilo é ainda pior, pois suas
conversas podem envolver assuntos estratégicos para o país. “Isto jamais poderia ser desvelado por um
juiz, principalmente, sendo um de primeira instância” finaliza.
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