“A Presidenta Dilma Rousseff tem sido
alvo de ataques sistemáticos provenientes de políticos da oposição, da grande
mídia e de setores conservadores da sociedade desde o anúncio oficial de sua
vitória no segundo turno das eleições de 2014”, diz o documento assinado por
mais de 8 mil advogados.
Dilma Roussef no encontro com juristas no Palácio do Planalto |
Um grupo de 8 mil juristas, advogadas e
advogados e professores de Direito de todo o país lançou um manifesto em defesa
do mandato da presidente Dilma Rousseff, em contraponto ao presidente da OAB,
Claudio Lamachia, que dediciu apoiar o golpe.
No texto, eles ressaltam que ‘a ausência de fundamento fático válido para
motivação do impeachment, a utilização de juízos políticos, vagos e imprecisos,
e o descumprimento do princípio constitucional da legalidade são o instrumental
caracterizador do que se pode chamar de “golpe legislativo”, “golpe branco” ou
“golpe encoberto”’.
Leia abaixo:
CONTEXTUALIZAÇÃO
A Presidenta Dilma Roussef tem sido alvo
de ataques sistemáticos provenientes de políticos da oposição, da grande mídia
e de setores conservadores da sociedade desde o anúncio oficial de sua vitória
no segundo turno das eleições de 2014. No primeiro momento, antes mesmo que a
Presidenta fosse empossada no cargo, a oposição dá início a uma campanha
destinada a espalhar a descrença quanto à confiabilidade da apuração dos votos
e à regularidade do sistema eleitoral informatizado.
Em providência inédita desde a
implantação do voto eletrônico (1996), o Tribunal Superior Eleitoral autoriza a
auditoria reclamada pelo candidato derrotado, ainda que sem demonstração de
indício de fraude. Fracassada essa primeira tentativa de inviabilizar o Governo
eleito, o candidato da oposição, inconformado com a derrota, conclama a
população brasileira a sair às ruas para pedir a renúncia da Presidenta,
acusada de abuso das contas públicas para ganhar as eleições.
Os principais movimentos organizadores
dos protestos, autodefinidos “apartidários e espontâneos”, de orientação
política conservadora e financiados por grandes corporações nacionais e
estrangeiras defensoras do livre-mercado, querem o impeachment.
No começo do ano de 2015, a coligação do
candidato derrotado pede à Justiça Eleitoral a impugnação do mandato da
Presidenta e do Vice, alegando abuso de poder político e econômico durante a
campanha (ao final do mesmo ano, a ação é aceita pelo Tribunal Superior
Eleitoral – até agora não julgada).
No decorrer do ano de 2015, os ataques
da oposição se intensificam. É o momento em que a Petrobras torna-se alvo da
maior operação contra a corrupção já realizada no País – o que se fez possível
exatamente em razão das medidas de controle e transparência aprovadas ao longo
dos anos de governo do Partido dos Trabalhadores.
A grande mídia privada promove as ações
do juiz Sérgio Moro – encarregado dos processos instaurados a partir das
investigações policiais – como um espetáculo de massas. Isso se dá por meio de
sistemática cobertura seletiva e parcial em relação aos fatos, acompanhada de
comentários depreciativos em relação ao governo e estigmatizantes em relação
aos seus apoiadores.
Grandes grupos de comunicação se dedicam
claramente a descontruir um dos lados da disputa política e a fortalecer o
outro, fomentando a ideia de que o Partido dos Trabalhadores é o responsável
pela corrupção estrutural no Brasil. Reduzem a dimensão das manifestações
populares em favor do governo e ocultam as nuances e a complexidade do momento
político, colocando-se entre os protagonistas da campanha “Fora, Dilma!”.
Ainda em 2015, o Presidente da Câmara
dos Deputados, Eduardo Cunha, investigado por envolvimento no esquema de
corrupção da Petrobras e réu em ação penal por recebimento de propina em conta
na Suíça, recebe pedido de impeachment fundado 1) nas chamadas “pedaladas
fiscais” (2015), apresentadas como operações de crédito entre a União e os bancos
públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES), e 2) na edição de
seis decretos não numerados responsáveis pela abertura de créditos
suplementares, sem autorização legislativa. Nenhuma das duas ações, todavia,
contempla a exigência constitucional de ofensa à lei orçamentária a configurar
crime de responsabilidade, única situação em que o ordenamento jurídico
brasileiro autoriza a tramitação do processo de impeachment.
Eduardo Cunha, ainda não afastado pela
Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, segue intocado no cargo de
Presidente daquela Casa. Nessa condição, com o apoio da oposição derrotada nas
urnas em 2014, está prestes a conduzir a primeira e mais importante fase do
processo de impeachment.
Do outro lado, sujeita à cassação, sem qualquer
indício, investigação ou acusação de sonegação de imposto ou de informações de
bens e valores à Receita Federal, encontra-se a Presidenta Dilma Roussef, que
não tem conta no exterior, que não figura em qualquer lista de políticos
envolvidos com a corrupção da Petrobras, que não foi apontada em qualquer
delação premiada por recebimento ou oferecimento de propina, que não figura
como acusada ou investigada em procedimento policial ou criminal.
De um lado, o princípio da presunção de
inocência; do outro lado, a presunção da culpa como regra política do momento.
A agravar, a Comissão Especial do processo de impeachment na Câmara vê-se
formada, em sua maioria, por políticos que, comprovadamente, receberam doações
de campanha por parte de empresas que figuram na investigação dos desvios na
Petrobras. Membros dessa Comissão Especial são políticos investigados nessa
mesma operação policial.
O Brasil vive momento particular de
grande apreensão e sofrimento. Nas ruas e redes sociais, ódios são destilados
àqueles que apelam pela defesa da Democracia ou do Direito. Cidadãos comuns ou
figuras públicas que não participam do “falso consenso” produzido pela oposição
tornaram-se alvo de ataques pessoas estimulados pela mídia conservadora e
dominante, claramente interessada na reversão das urnas.
A Presidenta Dilma é ofendida, inclusive
na sua condição de mulher, por meio de insultos machistas e piadas misóginas.
Políticos aliados, por interesses pessoais ou eleitoreiros, afastam-se da
sustentação política do governo. Desde as eleições, a própria governabilidade
vem sendo ameaçada, inúmeras ações são inviabilizadas pela maioria parlamentar,
para fomentar a crise econômica, social e política que autoriza o discurso
golpista. O Direito tem sido, por muitos juristas ou agentes do sistema de
justiça, usado como instrumento político de reversão do resultado das urnas, em
flagrante abandono de princípios elementares assegurados em diversas instâncias
judiciais.
Nesse cenário, é altamente preocupante a
perspectiva de rompimento da ordem democrática e a violação da soberania
popular pela via do abuso de poder. Ou, em outras palavras, pelo exercício de
um poder que não se submete ao Direito.
A ausência de fundamento fático válido
para motivação do impeachment, a utilização de juízos políticos, vagos e
imprecisos, e o descumprimento do princípio constitucional da legalidade são o
instrumental caracterizador do que se pode chamar de “golpe legislativo”,
“golpe branco” ou “golpe encoberto” (a deposição de Fernando Lugo, Presidente do
Paraguai, em 2012, embora não seja caso isolado na América Latina, é o que mais
bem ilustra a aplicação desse juízo político, para deposição do Chefe do Poder
Executivo no sistema presidencial: “mau desempenho político”). Contudo, no
regime presidencialista, o julgamento acerca do desempenho político do
mandatário é do cidadão, por meio do voto em eleições regulares e diretas,
jamais do Legislativo, sob pena de quebra do Estado Democrático de Direito.
A
NOVA CAMPANHA DA LEGALIDADE: MANIFESTO DE JURISTAS EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO E
DO ESTADO DE DIREITO
À Exma. Senhora Presidenta da República,
aos Exmos. Senhores Senadores da República, aos Exmos. Senhores Deputados
Federais, aos Exmos. Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao Povo
Brasileiro
A Nova Campanha da Legalidade: Manifesto
de Juristas em Defesa da Constituição e do Estado de Direito Nós, abaixo
assinados, juristas, advogadas e advogados, professores e professoras de
Direito de todo o país, vimos por meio desta nota:
1 – Afirmar o Estado Democrático e
Constitucional de Direito, que deve estar submetido às leis e se realizar
através da lei, não admitindo violações de garantias fundamentais estabelecidas
nem a instalação de um Estado de exceção por meio de um processo de impeachment
sem fundamento jurídico;
2 – Defender a imparcialidade da
Justiça, que deve operar segundo os ditames da Constituição e do ordenamento
jurídico, não admitindo a sua partidarização, seu funcionamento seletivo e
perseguições políticas de qualquer natureza;
3 – Sustentar a repressão à corrupção,
que deve se realizar de forma ética, republicana e transparente, por meios
pertinentes, sem que para isto haja qualquer restrição ou flexibilização de
direitos ou mesmo a utilização irresponsável de meios de comunicação para a
sustentação artificiosa e inidônea de procedimentos judiciais. À eliminação da
corrupção não pode corromper os direitos;
4 – Dizer que lutaremos para preservar a
estabilidade e o respeito às instituições políticas o que, especialmente num
momento de crise, vem a ser a posição mais prudente, no sentido de se fazer
respeitar a vontade do povo, manifesta através dos meios definidos pela
Constituição, por meio de eleições diretas regulares e periódicas.
O Brasil vive, no atual momento, grave
crise na sua recente democracia. Durante os anos de ditadura, vários cidadãos
sofreram e sacrificaram-se, para que estejamos hoje em pleno exercício dos
nossos direitos.
A corrupção não é fato novo, mas se
arrasta desde muito tempo no Brasil, e deve ser fortemente combatida. Mas, a
fim de eliminar a corrupção, não podemos, sob pena de retrocedermos ao patamar
das graves violações aos direitos dos cidadãos brasileiros, havidas durante a
ditadura militar implantada pelo Golpe de 64, permitir: a relativização da
presunção de inocência; expedientes arbitrários como condução coercitiva de
investigados ou pedidos de prisão preventiva, sem o devido embasamento legal;
utilização da prisão temporária, igualmente quando ausentes os pressupostos
previstos na legislação, com o fim de obter delações premiadas; interceptações
telefônicas ilegais que violam as prerrogativas dos advogados e até mesmo da
Presidência da República. Ademais, não podemos permitir o comprometimento dos
princípios democráticos que regulam o processo, com as operações midiáticas e
vazamentos seletivos, que visam destruir reputações e interferir no debate
político, além de tensionar a opinião pública para apoiar tais operações.
Não podemos aceitar a relativização do
princípio democrático por meio de um procedimento de impeachment sem fundamento
jurídico. A Constituição exige o cometimento, pelo Presidente, de crime de
responsabilidade, a ser previamente definido em lei ordinária. Não se trata,
portanto, de pura e simples decisão política ligada à satisfação ou
insatisfação com a gestão. O voto popular escolhe o Presidente para um mandato
de quatro anos, findo o qual será avaliado. Ainda que se afirme ser o
impeachment uma decisão política, isso não afasta sua juridicidade, ou seja,
seu caráter de decisão jurídica obediente à Constituição. A aprovação de leis
ou a edição de decretos também são decisões políticas, mas nem por isso podem contrariar
a Constituição. Afirmar que o julgamento é político não pode significar que a
Constituição possa ser descumprida.
É requisito de constitucionalidade para
o impeachment a prova da existência de crime de responsabilidade. Mesmo por uma
análise bastante legalista do processo, a conclusão de que não há crime de
responsabilidade se impõe.
A democracia permite a divergência sobre
a correção das decisões políticas, mas a decisão última sobre os erros e
acertos, em um regime democrático, repousa no voto popular. Mesmo aos
parlamentares eleitos pelo povo não é dado pela Constituição o poder de excluir
o chefe do Executivo, também eleito pelo sufrágio, com base em dissensos
políticos, mas apenas na hipótese estrita e excepcional do crime de
responsabilidade.
Nesse sentido, queremos afirmar que a
luta para preservar a estabilidade e o respeito às instituições políticas passa
pelo respeito ao mandato popular adquirido por meio do voto em eleições
regulares.
Informações do Brasil 247
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