"Na trama golpista, gostaria de destacar o uso de vazamentos seletivos. A nossa Constituição Federal garante a privacidade e proíbe vazamentos que hoje são premeditados e direcionados, com claro objetivo de criar ambiente propicio ao golpe", criticou a presidente.
GUSTAVO URIBE
FOLHA DE SÃO PAULO
DE BRASÍLIA
DE BRASÍLIA
Como reação à divulgação de
delação premiada que aponta financiamento de sua campanha eleitoral com
propina, a presidente Dilma Rousseff afirmou nesta quinta-feira (7) que
trata-se de um "vazamento premeditado e direcionado" com objetivo de
criar um "ambiente propício ao golpe" às vésperas da votação do
impeachment no plenário da Câmara.
Em mais um evento no Palácio do
Planalto transformado em palanque contra o seu afastamento, a petista afirmou
que nos próximos dias poderá haver "vazamentos oportunistas e
seletivos" e informou que pediu ao Ministério da Justiça que tome medidas
judiciais cabíveis.
Segundo ela, "passou de
todos os limites" o que chamou de "seleção muito clara de
vazamentos" no país. A Folha revelou nesta quinta trechos da delação
premiada do ex-presidente da Andrade Gutierrez Otávio Marques de Azevedo, que
foi sistematizada em uma planilha apresentada à Procuradoria-Geral da
República.
"Na trama golpista, gostaria
de destacar o uso de vazamentos seletivos. A nossa Constituição Federal garante
a privacidade e proíbe vazamentos que hoje são premeditados e direcionados, com
claro objetivo de criar ambiente propicio ao golpe", criticou. "Nós
poderemos nos próximos dias ter vazamentos oportunistas e seletivos e pedi ao
ministro da Justiça a rigorosa responsabilidade por eles", acrescentou.
Em longo discurso, no qual chegou
a embargar a voz, a petista voltou a chamar um impeachment sem a comprovação de
crime de responsabilidade fiscal contra o presidente de "golpe" e fez
questão de frisar que não perdeu ou perderá nem o controle nem o eixo.
"Submeter-me ao impeachment
ou pedirem que eu renuncie é um golpe de Estado. Um golpe dissimulado, com pretexto
e verniz de legalidade", disse. "Não perco o controle, não perco o
eixo, não perco a esperança. Porque sou mulher e me acostumei a lutar por mim e
pelos que amo."
Ela afirmou ainda que aqueles que
defendem o impeachment devem saber que são "imensos os riscos a que
submeterão o país" e fez um apelo por um pacto nacional, que envolva uma
"urgente reforma política" e o fim das chamadas
"pautas-bomba" e a superação da atual crise econômica para voltar a
gerar emprego e renda.
"O Brasil hoje precisa de um
grande pacto, mas nenhum pacto ou entendimento prospera se não tiver como
premissa o respeito pela legalidade e pela democracia", disse, fazendo
questão de frisar que só deixará o cargo em janeiro de 2019.
BOLSONARO E BRONCA
Durante o evento, houve um
princípio de confusão quando uma mulher tentou abrir uma faixa favorável à
saída da presidente. A responsável pela manifestação foi Kelly Cristina, 29,
que vestia uma camiseta com a inscrição "impeachment é democracia".
Nas redes sociais, a estudante de
jornalismo se identifica como Kelly Bolsonaro. Ela negou, no entanto, que seja
parente do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ). No mês passado, ela invadiu
o gramado do estádio Mané Garrincha, em Brasília, durante jogo entre Flamengo e
Fluminense, para pedir a saída da presidente.
"Eu vim lutar pela
democracia. Aqui é um ato pela democracia da mulher. Como sou mulher, vim lutar
pela minha democracia e pela democracia do país", disse, acrescentando que
o protesto foi uma "manifestação espontânea".
Em reação à estudante, a plateia
do evento formada por movimentos de esquerda e centrais sindicais pediu a saída
dela, que foi escoltada por seguranças para fora do Palácio.
Com bandeiras, cartazes e
camisetas contra o impeachment, as mulheres presentes passaram a cerimônia
inteira entoando músicas contra o impeachment, como "não vai ter
golpe" e "Fora, Michel Temer", e chamaram veículos de
comunicação de "golpistas".
Os gritos interromperam o evento
mais de uma vez, o que levou o mestre de cerimônia a pedir calma para as
mulheres. Em resposta, ele foi chamado de "machista" pela plateia.
A fala do mestre de cerimônia
também rendeu uma bronca da presidente. Em discurso, ela pediu calma aos
"companheiros de protocolo". "Não vou cometer aquela frasesinha
que os nossos companheiros do protocolo cometeram contra nós", disse.
'ESTUPRO POLÍTICO'
Em discurso, a filósofa e
escritora Márcia Tiburi pediu a saída do presidente da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), e disse que as críticas sofridas pela presidente são "do nível
do estupro político".
"Os ataques hoje são do
nível do estupro político. O que fazem com a presidente é do mesmo nível das
violências sofridas pelas mulheres do país", disse. "Defender a
democracia é defender a figura de Dilma Rousseff", acrescentou.
Para Márcia Coelho, da Marcha
Mundial das Mulheres, o lugar do presidente da Câmara dos Deputados deveria ser
"na cadeia". "Nós queremos repudiar a violência que a presidente
tem sofrido com ataques machistas e fascistas."
A secretária-geral da CUT
(Central Única dos Trabalhadores), Junéia Martins Batista, disse que tem
certeza que a presidente ficará no mandato até o final de 2018 e afirmou que a
tentativa do impeachment representa um "retrocesso na vida do país".
A secretária de mulheres da
Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), Alessandra
Lunas, manifestou indignação pelo que chamou de "violências" sofridas
pela presidente. "Nós envergamos juntas, mas não quebramos. Nós vamos
juntas resistindo", disse.
Para a presidente da Fenatrad
(Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos), Creuza Maria, não se pode
aceitar que a Constituição Federal "seja rasgada". "Mexeu com a
presidente, mexeu conosco."
A cerimônia faz parte de esforço
do Palácio em tentar repetir a "Campanha pela Legalidade" da década
de 1960, feita em defesa da posse de João Goulart após a renúncia do presidente
Jânio Quadros.
Na semana passada, encontros
similares foram realizados com advogados e com artistas. Além deles, o governo
também fez questão de transformar em palanques eventos oficiais do Minha Casa,
Minha Vida e de regularização de áreas rurais.
CRÍTICAS A REVISTA
A presidente aproveitou a plateia
feminina para criticar reportagem da revista "Istoé", segundo a qual
a petista passa por desequilíbrios emocionais e tem tomado medicamentos para o
humor.
Em discurso, ela afirmou que ficou
"indignada" com a reportagem publicada na edição da semana passada e
lembrou que acionou a AGU (Advocacia-Geral da União) para processar a
publicação por "crime contra a honra" e solicitar direito de
resposta.
"É uma peça de ficção para
ofender a mulher e a presidente. É um texto muito baixo, que reproduz um tipo
perverso de misoginia para dizer que, quando uma mulher está sob pressão,
costuma perder o controle", disse.
Ela também respondeu a análises
de que, em momentos de crise, atua como "autista". "Então, a
mulher ou é autista ou é descontrolada. É um desconhecimento imenso da
capacidade da mulher reagir à pressão", disse.
Ouça a íntegra do discurso da presidente
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