Para
o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, ficou 'claro' com a
nova proposta aprovada pela Câmara durante a madrugada que a 'continuidade de
qualquer investigação sobre poderosos, parlamentares, políticos cria um risco
pessoal para os procuradores.
Julia
Affonso, Mateus Coutinho, Ricardo Brandt e Fausto Macedo
O
Estado de São Paulo
O procurador da República Carlos
Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da Operação Lava Jato, afirmou nesta
quarta-feira, 30, que caso a proposta de abuso de autoridade, do novo projeto
anticorrupção aprovado pelo plenário da Câmara, seja sancionada pelo presidente
Michel Temer (PMDB), a ‘proposta é de renunciar coletivamente’. Deputados
aprovaram na madrugada pelo menos 11 mudanças no texto do projeto de medidas de
combate à corrupção que tinha sido aprovado na comissão especial, na semana
passada.
“Nós somos funcionários públicos, temos
uma carreira no Estado e não estaremos mais protegidos pela lei. Se nós
acusarmos, nós poderemos ser acusados. Nós podemos responder inclusive pelo
nosso patrimônio. Não é possível em nenhum Estado de Direito que não se
protejam promotores e procuradores contra os próprios acusados. Nossa proposta
é de renunciar coletivamente caso essa proposta venha a ser sancionada pelo
presidente”, disse.
“Nós, a maior parte (da força-tarefa),
temos as nossas responsabilidades em outras unidades da federação, em outras
procuradorias. Nós vamos simplesmente retornar para as nossas atividades
habituais. Muito mais valerá a pena fazer um parecer em previdenciário do que
se arriscar investigando poderosos.”
Entre as mudanças aprovadas está a
inclusão do crime de abuso de autoridades para magistrados e membros do
Ministério Público, emenda apresentada pela bancada do PDT, e duramente
criticada pelos membros do Judiciário. A pena é de 6 meses a 2 anos de reclusão
e multa.
Para Carlos Lima, ficou ‘claro’ com a
nova proposta que a ‘continuidade de qualquer investigação sobre poderosos,
parlamentares, políticos cria um risco pessoal para os procuradores’.
O procurador da República Deltan
Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, fez uma contundente
manifestação contra um novo projeto anticorrupção. “A Câmara sinalizou o
começou do fim da Lava Jato”, afirmou Deltan. “A sociedade brasileira não pode
mais considerar normal o que é anormal.”
O Ministério Público Federal encampou a
proposta ’10 Medidas contra a Corrupção’, que teve apoio de mais de 2 milhões
de pessoas e foi levado à Câmara. O texto embasou um projeto anticorrupção que
passou pela Comissão Especial da casa e entrou em votação pelo plenário na
noite de quarta.
Durante a madrugada, os deputados
desconfiguraram a proposta inicial e votaram um novo pacote que flexibiliza
punição a corruptos. O projeto provocou fortes protestos de diversas entidades.
Descontentes com o parecer do relator,
deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), parlamentares aprovaram emendas e destaques
que incluíram novos temas e, sobretudo, retiraram trechos do pacote que
dificultam investigações e flexibilizam a punição de corruptos.
A
nota de repúdio da Lava Jato contra o ‘ataque da Câmara dos Deputados contra a
independência de Promotores, Procuradores e Juízes’
Os
procuradores da Força-Tarefa Lava Jato vêm a público manifestar repúdio ao
ataque feito pela Câmara dos Deputados contra investigações e a independência
de promotores, procuradores e juízes. A Câmara sinalizou o começo do fim da
Lava Jato.
Ontem
à noite, a Câmara dos Deputados se reuniu para apreciar as 10 medidas
anticorrupção. Elas objetivavam acabar com a regra da impunidade dos corruptos
e poderosos, que é produto de falhas no sistema de Justiça Criminal, e fazer
com que a corrupção não mais compense. Aproveitando-se de um momento de luto e
consternação nacional, na calada da madrugada, as propostas foram subvertidas.
As medidas contra a corrupção, endossadas por mais de dois milhões de cidadãos,
foram pervertidas para contrariar o desejo da iniciativa popular e favorecer a
corrupção por meio da intimidação do Ministério Público e do Judiciário.
As
10 medidas foram rasgadas. Manteve-se a impunidade dos corruptos e poderosos,
expressa no fato de que mais de 90% dos casos de corrupção que acontecem no
Brasil não são punidos. A sociedade brasileira não pode mais considerar normal
o que é anormal. Como se não fosse suficiente, foi aprovada a Lei da
Intimidação contra o Ministério Público e o Poder Judiciário, sob o maligno
disfarce de “crimes de abuso de autoridade”. Abusos devem sim ser punidos.
Contudo, sob esse disfarce, há verdadeiros atentados contra a independência do
exercício da atividade ministerial e judicial.
A
Lei da Intimidação avançada no Congresso faz do legítimo exercício da função do
Ministério Público e do Judiciário uma atividade de altíssimo risco pessoal. A
justificativa para a urgente intimidação dos promotores, procuradores e juízes
é falsa e busca manipular a opinião pública. Essas classes não estão a salvo da
lei. Os membros do Ministério Público e do Poder Judiciário se sujeitam a
quatro esferas de responsabilidade: civil, criminal, de improbidade administrativa
e disciplinar. Se há impunidade, é porque o sistema não funciona e, então, o
que deve ser atacado não é a independência de promotores, procuradores e juízes
e, sim, a regra da impunidade dos crimes do colarinho branco, a qual vale para
corruptos de todos os órgãos públicos. Nesse sentido, o endurecimento das leis
que tinha sido proposto por meio das 10 medidas anticorrupção se aplicaria a
todos, isto é, inclusive a promotores, procuradores e juízes.
Persigam
os juízes e promotores, soltem os colarinhos brancos. Essa é a mensagem da ação
do Congresso de ontem, que enfraquece os órgãos que têm sido reconhecidos por
sua atuação firme no combate à corrupção.
A
aprovação da Lei da Intimidação acontece em um momento em que as investigações
da Lava Jato chegam cada vez mais perto de crimes de corrupção praticados por
um número significativo de parlamentares influentes. O mesmo espírito de
autopreservação que moveu a proposta de autoanistia moveu e move a intimidação
de promotores, procuradores e juízes. O objetivo é “estancar a sangria”. Há
evidente conflito de interesses entre o que a sociedade quer e aqueles que se
envolveram em atos de corrupção e têm influência dentro do Parlamento querem. O
avanço de propostas como a Lei da Intimidação instaura uma ditadura da
corrupção, um estado de tirania em que o poder é exercido fora dos limites com
os quais foi conferido pelo povo, isto é, fora da circunscrição do atendimento
ao interesse público.
Se
aprovada, a proposta será o começo do fim da Lava Jato. Se medidas contra a
corrupção podem ser convertidas em Lei da Intimidação, que favorece a corrupção
e a prática de outros crimes por poderosos, restará ferido o Estado de Direito.
A Força Tarefa da Lava Jato reafirma seu compromisso de avançar enquanto for
possível, trabalhando ainda mais duro, dentro das regras da Constituição e das
Leis, para investigar, processar e punir a corrupção, seja quem for o
criminoso. Contudo, os procuradores da Força Tarefa estão de acordo que não
será possível continuar trabalhando na Lava Jato se a Lei da Intimidação for
aprovada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário