Acordo com empreiteira
protocolado na Justiça Federal, nesta sexta-feira, 20, lista obrigações que
maior delatora da Lava Jato terá que cumprir: pagamento de R$ 3,2 bilhões para
Brasil, EUA e Suíça, detalhes de contas secretas, relatório de ilícitos em
contratos com a União e nos governos estaduais e municipais.
Ricardo Brandt, enviado especial a Curitiba, Fausto
Macedo e Julia Affonso
O Estado de São Paulo
O acordo de
leniência (espécie de delação premiada para empresas) da Odebrecht obriga o
grupo a entregar, até o fim de janeiro, à força-tarefa da Operação Lava Jato, o
total de doações oficiais e de pagamentos de propinas e caixa-2 nas eleições
dos últimos 16 anos – período que abrange as últimas quatro disputas
presidenciais e de governadores, e as últimas cinco eleições municipais. É o
que estabelece o inciso XIV, da cláusula 6.ª, que estipula as obrigações da
colaboradora no acordo fechado com o Ministério Público Federal, ao qual o
Estadão teve acesso.
O documento,
com 26 páginas, foi assinado no dia 1º de dezembro e protocolado nesta
sexta-feira, 20, na Justiça Federal, em Curitiba, em uma ação cível em que a
Odebrecht é alvo.
O acordo de
leniência é assinado por 26 procuradores da República, de Curitiba e de
Brasília, e deve ser homologado pelo juiz Sérgio Moro – que ainda não recebeu o
documento. O termo já foi homologado pela 5.ª Câmara de Coordenação e Revisão,
órgão do Ministério Público competente para analisar o ajuste.
A Lava Jato
aponta desvio de mais de R$ 40 bilhões na Petrobrás, entre 2004 e 2014, por
empreiteiras que agiram cartelizadas e em conluio com políticos – em especial
do PT, PMDB e PP – e agentes públicos. Além de enriquecimento ilícito, o
esquema teria patrocinado ilegalmente partidos e campanhas eleitorais – não só
da base dos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e
2007-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014 e 2015-2016), mas da oposição, como o
PSDB.
No acordo de
leniência, que tem como finalidade instruir investigações de improbidade
administrativa, em especial relativas a crimes contra a administração pública e
o sistema financeiro, crimes de lavagem de dinheiro e crimes fiscais, a
Odebrecht assume 22 obrigações com o Ministério Público, para obter os
benefícios de colaboradora.
Com o maior
volume de contratos na Petrobrás – são R$ 35 bilhões em negócios fechados em
dez anos sob análise, sem contar Braskem, braço petroquímico da empreiteira -,
a Odebrecht confessou fraudes em contratos, pagamentos de propinas, lavagem de
dinheiro.
Pelos termos
do pacto, o grupo declara que ‘cessou seus envolvimento nos fatos ilícitos
descritos’ e que qualquer informação falta ou descumprimento de suas cláusulas
resulta no rompimento do termo.
O presidente
afastado do grupo, Marcelo Bahia Odebrecht, está preso desde 19 de junho de
2015, em Curitiba, e deve ser solto no final do ano, graças a seu acordo de
delação premiada, feito na esfera criminal e que aguarda homologação no Supremo
Tribunal Federal (STF). A morte trágica do relator da Lava Jato, ministro Teori
Zavascki, nesta quinta-feira, 19, pode atrasar a conclusão do acordo.
Eleitoral
O termo de
leniência estipula que ‘no prazo de 60 dias a contar da assinatura’ da
leniência, será entregue ‘uma lista consolidada de cada uma das doações
eleitorais feitas pelo Grupo Odebrecht nos últimos 16 anos, com a indicação
mínima de valor, data, beneficiário e autorizados do pagamento, devendo indicar
eventual indisponibilidade desses dados’.
O grupo tem
que entregar também ‘uma lista consolidada com de beneficiários de pagamentos
de vantagens indevidas que tenham atualmente prerrogativa de foro por função’.
Na relação, há
nomes do PT, do PMDB e do PSDB, como também de ministros do governo Michel
Temer, governadores, prefeitos, senadores e deputados.
Os dados sobre
irregularidades nas campanhas interessam à força-tarefa da Lava Jato, que
prepara ações cíveis para acionar os partidos pelo prejuízo causado à
Petrobrás.
As informações
da Odebrecht são ainda de interesse do Tribunal Superior Eleitoral, que tem um
processo de reanálise das contas da campanha da ex-presidente Dilma, de 2014.
Lavagem.
O acordo estipula
ainda que em um prazo de 90 dias – a contar da homologação da leniência pela
13.ª Vara Federal, em Curitiba, pelo juiz Moro –, a Odebrecht tem que entregar
ao Ministério Público a ‘identificação das empresas e contas bancárias no
exterior utilizadas em conexão com os fatos ilícitos revelado neste Acordo e
respectivos saldos, bem como apresentar, mediante demanda, extratos e
documentos das operações’.
A rede de
offshores e contas usadas pela Odebrecht no exterior foi um dos primeiros
elementos de provas que pesou nas acusações criminais da Lava Jato, antes da
descoberta, em março de 2016, do funcionamento do Setor de Operações
Estruturadas do grupo, como um departamento de propinas oficial da empreiteira.
São contas de empresas que só existem no papel abertas em paraísos fiscais,
como Panamá, Suíça, Uruguai, Ilhas Virgens.
Pela
leniência, a empresa tem que apresentar às autoridades relatórios detalhados
dos ilícitos, com nomes das pessoas e empresas envolvidas, ‘inclusive agentes
políticos, funcionários públicos, sócios, diretores e funcionários de outras
empresas’, descrevendo suas condutas.
A Odebrecht se
compromete ainda a entregar os documentos e informações sobre provas referentes
aos crimes narrados nos anexos – que não foram tornados públicos.
“Apresentar
relatórios para cada fato ilícito identificado”, registra o acordo. “Os quais
deverão compreender a narrativa detalhada das condutas e a consolidação de
todas as provas relacionadas a cada fato, englobando as provas documentais
colhidas no âmbito de investigações internas, as provas colhidas na
investigação oficial a que tenham acesso e, na medida de seu alcance,
depoimentos de aderentes ou de prepostos relacionados aos ilícitos que são
objeto deste acordo.”
Valor
O acordo de
leniência prevê que a Odebrecht pague R$ 3,28 bilhões pelos danos materiais e
imateriais causados por crimes praticados em contratos públicos, dos governos
federal, estaduais e municipais.
Segundo a
cláusula 7.ª, o valor global a ser pago será dividido entre Brasil, Estados
Unidos e Suíça, países que integram o acordo de leniência, numa proporção de
80%, 10% e 10% para cada, respectivamente. O valor a ser pago pela Braskem,
braço petroquímico do grupo, em sociedade com a Petrobrás, não está incluído
nesse acordo.
O montante
será quitado ao longo de 22 anos e com valores corrigidos pela taxa Selic. “A
somatória das parcelas do Valor Global, após a aplicação de estimativa de
projeção de variação da Selic, resulta no valor estimado de R$ 8.512 bilhões, o
qual, se convertido à taxa de câmbio de USD 1,00 = R$ 3,27, corresponde a
aproximadamente USD 2.6 bilhões”, prevê o acordo.
Do valor pago
no Brasil, 97,5% são para ‘fins de ressarcimento dos danos materiais e
imateriais causados pelos fatos e condutas ilícitas’ objeto do acordo aos
órgãos de governo brasileiros. E 2,5% pelo prejuízo relacionado à prática de
crimes de lavagem de dinheiro.
Benefícios
O acordo tem
regras que garantem que a empresa não quebre, com os valores que ela terá que
desembolsar para ressarcir os danos e como multa pelos crimes, e também não
fique impedida de fazer novas contratações ou com bens bloqueados.
Diferente do
acordo de colaboração premiada, que é feito por pessoas físicas envolvidas em crimes,
a leniência envolve a empresa e funcionários e pessoas ligadas a elas, que são
consideradas figuras sem mando ou participação ativa no esquema.
O acordo de
delação da Odebrecht envolve 77 executivos e ex-executivos que confessaram
crimes e respondem a processos penais. Na esfera cível, a abrangência da pena é
monetária e administrativa.
Entre os
benefícios do acordo de leniência, uma das finalidades é “preservar a própria
existência da empresa e a continuidade de suas atividades”. “Apesar dos ilícitos
confessados, encontra justificativa em obter os valores necessários à reparação
dos ilícitos perpetrados.”
Uma das
finalidades do acordo é ‘assegurar a adequação e efetividade das práticas de
integridade da empresa, prevenindo a ocorrência de ilícitos e privilegiando em
grau máximo a ética e transparência na condução de seus negócios’.
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