Temer censura O Globo e Folha, seus principais apoiadores no golpe |
The Intercept
Ocorreu hoje um grande ataque à liberdade fundamental de imprensa
perpetrado pelo governo do presidente Michel Temer, sua esposa Marcela e um
juiz do Distrito Federal. Como resultado, os dois maiores jornais do país,
Folha de S. Paulo e O Globo, foram forçados a retirar do ar artigos sobre um
assunto de grande interesse público.
Como um dos objetivos da criação do The Intercept era defender e apoiar
a liberdade de imprensa em todo o mundo, estamos publicando os materiais
censurados para que possam ser analisados pelo público. Não há nada mais
perigoso do que políticos e tribunais aliados para determinar o que jornais
podem ou não publicar, e faremos o possível para retificar esses ataques ao
direito à informação.
O caso em questão surgiu da tentativa de chantagem da primeira-dama e
do presidente feita por um hacker que clonou e roubou os dados do iPhone de
Marcela Temer. O hacker, Silvonei José de Jesus Souza, foi condenado a cinco
anos e onze meses de prisão por tentativa de chantagem após exigir o pagamento
de R$ 300 mil para que o material não fosse divulgado. Ele também foi condenado
por ter usado o acesso ao iPhone da primeira-dama para extorquir R$ 15 mil do
irmão dela.
Na sexta-feira (10), a Folha publicou um artigo descrevendo algumas das
mensagens de chantagem enviadas pelo hacker à primeira-dama pelo WhatsApp. O
jornal explicou que o hacker alertou que, se fosse divulgado, o material
poderia prejudicar a reputação do presidente Temer — jogando o nome dele “na
lama” —, pois mostraria que ele teria se envolvido em conduta imprópria e,
talvez, ilegal. O jornal também publicou diversas mensagens de WhatsApp
enviadas pelo hacker.
O presidente Temer e sua esposa negaram que o material hackeado revele
qualquer irregularidade. No entanto, na sexta-feira, onze minutos após a Folha
publicar o artigo, o presidente enviou seus advogados para requerer, em nome de
sua esposa, uma ordem judicial para que os jornais tirassem as reportagens do
ar e não publicassem mais materiais sobre o conteúdo das conversas no futuro. O
tribunal não apenas emitiu a ordem de censura como impôs uma multa de R$ 50 mil
em caso de descumprimento.
Na manhã de hoje, a Folha publicou um artigo explicando que havia
recebido uma ordem judicial. O artigo dizia: “A pedido do Palácio do Planalto,
a Justiça de Brasília censurou reportagem da Folha sobre uma tentativa de
extorsão sofrida pela primeira-dama Marcela Temer no ano passado”. Citava ainda
um trecho da decisão que dizia estar fundamentada na defesa da “inviolabilidade
da intimidade” da primeira-dama. Como resultado, a Folha apagou sua própria
reportagem da internet e a substituiu por esta matéria sobre a ordem de
censura. O Globo fez o mesmo logo depois.
O que torna esse episódio particularmente bizarro é que não havia
informações sensíveis no material publicado pela Folha. Embora haja indícios de
que o hacker tenha obtido fotografias íntimas do telefone de Marcela, nada no
artigo da Folha descrevia ou revelava qualquer coisa do gênero.
Pelo contrário, tudo o que a Folha publicou e descreveu é parte do
registro público do processo contra o hacker. De fato, na reportagem sobre a
censura, a Folha explica que qualquer advogado ou pessoa com cadastro no site
da Justiça poderia acessar o material que o jornal foi ordenado a retirar do
ar.
O caso em questão e o material a ele relacionado são de pleno interesse
público. Enquanto Temer e sua esposa negam que haja qualquer revelação de
irregularidade de sua parte, há uma acusação criminal, respaldada pelo
material, que levou um homem a ser condenado a mais de cinco anos de prisão.
Alegações de que o presidente do país tenha incorrido em atividades ilegais ou
antiéticas devem ser resolvidas através da análise das evidências, e não pela
censura de jornais.
Em coletiva de imprensa realizada hoje, o presidente negou que tenha
buscado qualquer tipo de “censura”, mas não fundamentou sua afirmação. De fato,
a supressão de reportagens jornalísticas visando proteger aquele que ocupa o
posto de maior poder no país é um caso clássico de censura, e da mais perigosa
espécie.
Por isso, The Intercept está publicando o material relacionado ao caso
que foi obtido através dos registros públicos. São os mesmos registros que a
Justiça ordenou que a Folha e O Globo (e ninguém mais) não publicassem. Fazemos
isso em defesa do direito da imprensa de trabalhar sem ser censurada pelo
Estado, assim como para levar informações vitais que o público tem direito de
conhecer sobre seus líderes. Continuaremos a analisar o material para
estabelecer o que atende ao interesse público.
Não fazemos isso por conta de nosso afeto pela Folha de S. Paulo ou
pelo Globo. Os dois jornais atacam a liberdade de imprensa de outros veículos
regularmente. A associação por eles controlada entrou com um processo que busca
negar a liberdade de imprensa a veículos como BBC Brasil, El Pais Brasil,
BuzzFeed Brasil e The Intercept, pedindo aos tribunais que determinem que não
podemos fazer reportagens sobre o Brasil. E, ironicamente, esses dois veículos
apoiaram o impeachment de uma presidente eleita democraticamente, Dilma
Rousseff, levando Temer ao poder.
Pelo contrário, fazemos isso por reconhecer que o ataque à liberdade de
imprensa de qualquer meio de comunicação – mesmo do Globo e da Folha –
representa uma ameaça à liberdade de imprensa de todos. Estamos publicando o
material em defesa do direito dos meios de comunicação de trabalharem sem
qualquer censura por parte do Estado, assim como para levar informações vitais
que o público tem direito de saber sobre seus líderes.
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