Edson Fachin dá aval para apurar
a atuação de Renan Calheiros e Romero Jucá no sentido de criar obstáculos ao
processo. Sarney também é investigado
Se restava alguma dúvida de que a Operação
Lava Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobras, não seria
interrompida nem atrasada por causa da morte do juiz Teori Zavascki, essa
incógnita se desfez nesta quinta-feira. O ministro Edson Fachin, que assumiu a
relatoria do caso no Supremo Tribunal Federal, autorizou o início de uma
investigação contra o ex-presidente José Sarney e os influentes senadores
Romero Jucá e Renan Calheiros (todos do PMDB), por suspeita de tentarem
obstruir a maior operação anticorrupção da história brasileira.
Foi a primeira decisão de Fachin como
relator do megaprocesso, função que ele assumiu na semana passada, obtendo
assim o poder de iniciar investigações e inclusive mandar prender políticos de
alto escalão. A decisão de Fachin atende a um pedido feito na segunda-feira
pela Procuradoria Geral da República, que apontava os três políticos
peemedebistas como supostos autores de manobras para “interferir” nas
investigações. “Um plano meticuloso para obstruir a Lava Jato com utilização
desvirtuada das funções e prerrogativas do Poder Legislativo, cooptação do
Poder Judiciário e desestruturação, por vendeta e precaução contra futuras
atuações, do Ministério Público”, descreve Janot. “As duas vertentes, como
veremos, têm como motivação estancar e impedir, o quanto antes, os avanços da
Operação Lava Jato em relação a políticos, especialmente do PMDB, do PSDB e do
próprio PT, por meio de acordo com o Supremo Tribunal Federal e da aprovação de
mudanças legislativas.”
O trio teve conversas gravadas em março
ano passado, ou seja, antes do impeachment de Dilma Rousseff, pelo
ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, durante um encontro em que
debateram os rumos da investigação. A Transpetro é responsável pela logística e
distribuição de combustíveis da Petrobras. “Tem que mudar o governo para
estancar essa sangria”, disse Jucá em determinado trecho da gravação, num áudio
que se tornou viral no Brasil nos últimos meses.
Machado firmou acordo de delação
premiada com a força tarefa da Lava Jato, onde revelou o esquema de
distribuição de propinas que envolvia a própria Petrobras, políticos do PMDB,
PSDB e PT, e o cartel de empreiteiras desvendado ao longo da investigação.
“Mais de uma vez nas conversas gravadas [por Machado] o senador Romero Jucá
evidencia que o grande acordo para frear a Operação Lava Jato seria
especialmente favorável para o Governo de Michel Temer [que ainda era o vice da
então presidenta Dilma]”, escreveu Janot no pedido de abertura da investigação.
Ao usar as gravações, Janot reforça a leitura de petistas de que a destituição
de Rousseff obedeceu mais aos interesses do PMDB de tentar se livrar de
condenações do que à intenção de punir desvios fiscais cometidos pela
ex-presidenta.
A PGR observa que Calheiros, Jucá e
Sarney relatam ”abertamente a Machado que a estratégia para embaraçar e impedir
o avanço da Operação Lava Jato passa por um acordo amplo, envolvendo diversos
partidos políticos, em especial PMDB, PSDB e alguns integrantes do PT, como
Dilma e Lula.” O ex-presidente da Transpetro observou que havia a intenção de
obstruir as investigações que alcançassem políticos desses três partidos.
Janot afirmou que Calheiros, Jucá – que
foi durante 11 dias ministro do Planejamento no Governo interino de Temer, até
deixar o cargo por causa da má repercussão da gravação – e Sarney, que governou
o Brasil entre 1985 e 1990, também planejavam incluir o STF “na costura
política de um grande acordo espúrio para evitar o avanço das complexas
investigações” da Lava Jato. O inquérito
relata as conversas entre eles onde tentam, inclusive, chegar ao então ministro
Teori Zavascki por meio de interlocutores, para tentar influenciá-lo sobre o
processo.
“Os áudios demonstram de forma
inconteste que está em curso um plano de embaraço da investigação por parte de
integrantes da quadrilha e seus associados. Como sói acontecer em organizações
criminosas bem estruturadas, o tráfico de influência é apenas uma das vertentes
utilizadas por esses grupos”, diz Janot. Durante o processo do mensalão,
políticos do PT foram condenados, entre outros crimes, por participar de
organização criminosa.
Janot argumenta que Sarney, Calheiros e
Jucá estariam “construindo uma ampla base de apoio político” para alterar o
ordenamento jurídico brasileiro a fim de se livrarem de qualquer punição no
processo. A dúvida é se a Procuradoria Geral pode solicitar punições a
parlamentares por altearem leis em benefício próprio.
De qualquer forma, o teor do inquérito
reforça o clima de desconfiança sobre a indicação do atual ministro da Justiça,
Alexandre de Moraes, para o cargo de ministro do Supremo, no lugar de Teori
Zavascki, que morreu num acidente de avião no mês passado. Moraes acaba de
pedir para se desfiliar do PSDB e já foi filiado ao PMDB. Ele não esconde sua
amizade de longa data com o atual presidente Michel Temer. Por isso,
especula-se se seria Moraes um dos aliados de interesse dos peemedebistas
dentro do Supremo, que viria a compor o tal 'pacto nacional' imaginado pela
classe política para 'estancar a sangria' que a Lava Jato teria promovido. O
timing da indicação também gera controvérsias. Depois de devassar a
participação do PT, a Lava Jato ganha cada dia mais detalhes sobre a atuação do
PMDB e do PSDB. Moraes, que deve ser sabatinado nas próximas semanas pelos
senadores, incluindo Jucá e Calheiros, poderia ser o aliado perfeito para um
futuro nebuloso.
Mais
escândalos à vista
O início da investigação sobre obstrução
de Justiça, autorizada por Fachin, é o primeiro passo para que os três peemedebistas
se tornem réus. É a primeira vez que Sarney é envolvido no escândalo da Lava
Jato, ao passo que Jucá e Calheiros já acumulam inquéritos para serem
investigados. Jucá tem três processos no âmbito da investigação, e Calheiros,
nove. A solicitação do Ministério Público Federal e a autorização de Fachin
para que Sarney seja investigado são especialmente simbólicas, pois demonstram
que a Lava Jato julgará não só atos de corrupção, mas também outras ações
delitivas cometidas por políticos.
O sinal verde de Fachin para a
investigação coincide com o que promete ser novo escândalo nacional: o conteúdo
das delações de executivos da construtora Odebrecht. Janot deve pedir ao
ministro Fachin que suspenda o sigilo das delações de 77 executivos da
empreiteira, o que já faz tremer os alicerces políticos não só do Brasil, mas
também de grande parte da América Latina.
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