Caso analisado no Supremo foi o de um
detento no MS que dormia com a cabeça encostada no vaso sanitário por causa da
superlotação
Ministros reconheceram as falhas do Estado ao garantir condições dignas a presidiários
Breno
Pires e Rafael Moraes Moura
O
Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal
(STF) decidiu nesta quinta-feira, 16, que o Estado tem a obrigação de indenizar
presos em razão de danos morais comprovadamente causados em decorrência da
falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento. A decisão foi
unânime e tem repercussão geral, isto é, deve ter este entendimento estendido
para julgamentos de casos semelhantes em diferentes instâncias. A única
divergência foi sobre a forma de indenização a ser adotada - a escolhida pela
maioria foi a pecuniária.
O caso analisado no plenário do STF é o
de um presidiário, chamado Anderson Nunes da Silva, que dormia com a cabeça
encostada em um vaso sanitário em um presídio do Mato Grosso do Sul. Ele
alegava que o Estado do Mato Grosso do Sul, ao não garantir as condições dignas
para o cumprimento da pena, estaria violando o princípio da dignidade humana,
e, por isso, deveria ser responsabilizado. O presidiário levou um recurso ao
STF contra uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
que entendeu que não cabia indenização por danos morais. O processo deu entrada
no STF em 2008. Hoje ele está em regime de liberdade condicional.
Os ministros, indo além do caso em
questão, reconheceram as falhas do Estado ao garantir condições dignas a
presidiários em todo o País e votaram para que haja indenização. Ricardo
Lewandowski não estava no julgamento. O ministro Celso de Mello, decano da
Suprema Corte, em um longo voto, fez uma série de críticas ao Estado e reforçou
o direito de não receber tratamento degradante quando submetido à custódia do
Estado.
"O Estado tem permitido, em razão
da sua própria indiferença e desinteresse, que se transgrida o direito básico
do penitenciário de receber tratamento justo e adequado. Tratamento que não
inclua a exposição a meios cruéis e moralmente degradantes. Como estes que
foram revelados neste caso, em que o interno não tinha sequer espaço para
dormir, encostando a sua cabeça num vaso sanitário. Este comportamento é
desprezível, é inaceitável. E é necessário fazer, um dos mais expressivos
fundamentos, que dão suporte ao Estado de Direito, que é a dignidade
humana", disse Celso de Mello.
"O Estado é também, ele em si, um
transgressor das leis da república", asseverou o ministro.
"Grande parte do que se tem de
tratamento degradante decorre de um outro fator, que é o da corrupção que há
nesses lugares", disse a ministra Cármen Lúcia.
"Se a sociedade, quanto àqueles que
cometerem desvio de conduta, quer sangue, o Estado não pode atender a essa
demanda da sociedade, que é a justiça a ferro e fogo, como se o condenado não
fosse um ser humano", disse Marco Aurélio Mello.
Remissão
Apesar de concordar sobre a necessidade
de indenização, os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Celso de Mello
votaram para que houvesse a remissão (diminuição) de pena em função do mau
tratamento aos presidiários, em vez do ressarcimento financeiro.
Barroso afirmou que, "diante do
caráter estrutural e sistêmico das graves disfunções verificadas no sistema
prisional brasileiro, a entrega de uma indenização em dinheiro confere uma
resposta pouco efetiva aos danos morais suportados pelos detentos, além de
drenar recursos escassos do Estado".
Sete ministros, no entanto, votaram para
que a compensação seja feita financeiramente, entre eles, Rosa Weber, Edson
Fachin, Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia. Os votos dos ministros Gilmar Mendes
e Teori Zavascki, morto em janeiro, já haviam sido computados, em 2015, quando
o caso começou a ser julgado, ocasião em que a ministra Rosa Weber pediu vista.
Apenas o ministro Ricardo Lewandowski, ausente na sessão, não votou.
A tese vencedora foi a de que:
"Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo,
manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no
ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do artigo 37,
parágrafo 6º da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive
morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou
insuficiência das condições legais de encarceramento".
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