Josias de Souza
Folha de São Paulo
Pilhado em 2007 num esquema de venda de sentenças judiciais em
benefício de donos de caça-níqueis e de bicheiros, o ministro Paulo Medina, do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), permanece na folha salarial do tribunal.
Afora os penduricalhos, recebe do contribuinte algo como R$ 30 mil por mês.
Aposentado compulsoriamente, embolsa o dinheiro sem trabalhar. Na esfera
criminal, graças a sucessivas protelações provocadas pelo chamado privilégio de
foro, Medina permanece impune. Há quatro dias, seu processo desceu do STJ para
a primeira instância do Judiciário, no Rio de Janeiro. Segue a trilha da
prescrição.
Em 3 agosto de 2010, três anos depois de ter sido investigado pela
operação Furacão, da Policia Federal, Medina sofreu uma condenação com gosto de
premiação. O Conselho Nacional de Justiça condenou-o ao pijama perpétuo. A
decisão só foi publicada no Diário Oficial sete meses depois, em 28 de
fevereiro de 2011. Medina migrou, então, para a folha de inativos do STJ, com
vencimentos integrais. Ele só perderia o salário se fosse condenado em ação
penal.
Como ministro do STJ, Medina dispunha de foro privilegiado. Só podia
ser processado no Supremo Tribunal Federal. Formulada pela Procuradoria-geral
da Repúlica, a denúncia contra ele foi aceita pela Suprema Corte em 26 novembro
de 2008. Mas o acórdão (resumo da decisão) só foi publicado um ano e quatro
meses depois, em março de 2009. Quer dizer: quando o ministro foi aposentado
compulsoriamente pelo CNJ, já estava no banco dos réus, enviado pelo STF. Ainda
assim, manteve o salário. Não havia condenação.
Junto com Medina, foram içados para o processo do Supremo outros
personagens acusados de participar da quadrilha de venda de sentenças: o
desembargador José Eduardo Carreira Alvim, ex-vice-presidente do Tribunal
Regional Federal da 2ª Região, no Rio; o juiz Ernesto da Luz Pinto Dória, do
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas; o procurador regional
da República do Rio de Janeiro João Sérgio Leal Pereira; e o advogado Virgílio
Medina, irmão do ministro do STJ. Outro acusado, o desembargador José Ricardo
de Siqueira Regueira, morreu em julho de 2008.
Com a aposentadoria forçada, Medina perdeu a prerrogativa de foro. No
entanto, um dos réus, o procurador regional da República do Rio João Sérgio
Leal Pereira também dispunha do privilégio de foro —teria de ser processado no
STJ, não no STF. O processo só migrou de um tribunal para o outro em 2012. João
Sérgio arrastou consigo todos os outros réus, inclusive Medina. Os advogados do
acomodaram o ferro sobre os autos e esperaram o tempo passar.
De repente, a defesa de João Sérgio peticionou ao STJ para recordar que
é de oito anos o prazo de prescrição do único crime de que o procurador era
acusado: formação de quadrilha. Ou seja: como a denúncia fora convertida em
ação penal na data de 26 de novembro de 2008, o crime atribuído ao procurador
estava prescrito desde o final de 2016.
Confrontada com a evidência, a Procuradoria-Geral da República deu o
braço a torcer. Reconheceu a extinção de qualquer pretensão de punir o
procurador João Sérgio. Como nenhum outro réu dispunha de foro privilegiado,
dois processos relacionados à Operação Furacão foram remetidos, há quatro dias,
à primeira instância da Justiça Federal do Rio, onde os outros réus terão de
ser julgados. A decisão foi tomada pela Corte Especial do STJ. Entre os
processos que desceram está o que envolve Paulo Medina.
A defesa de Medina ainda tentou uma última cartada. Requereu a extinção
do processo sob a alegação de que Medina sofre de insanidade mental. Teria sido
acometido, de resto, do Mal de Parkinson. Seus colegas de tribunal decidiram
que caberá ao juiz que for cuidar do caso no primeiro grau deliberar sobre o
tema. Generalizou-se no STJ a impressão de que também os crimes atribuídos a
Medina tendem a prescrever.
A prescrição é um fenômeno cada vez menos incomum nos tribunais
superiores. Políticos enrolados na Lava Jato celebram o fato de serem
processados no Supremo Tribunal Federal. No curto prazo, enxergam no escudo do
foro especial uma proteção contra a agilidade de juízes como Sergio Moro. No
longo prazo, sonham com a prescrição, que é um outro nome para impunidade.
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