Carlos Madeiro
Colaboração para o UOL, em São Luís
Um dos principais porta-vozes da luta contra o impeachment da
ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), disse que o
primeiro ano do governo de Michel Temer, completado nesta sexta-feira (12), conseguiu
surpreendê-lo negativamente por conta da imposição de uma agenda reformista sem
debate com a sociedade.
"Imaginava que ele fosse procurar fazer um governo mais parecido com
o que foi de Itamar Franco, com mais diálogo, mais pactuado, levando em conta ser de transição", afirma.
Em entrevista ao UOL no Palácio dos Leões --sede do governo maranhense—no
último sábado (6), Dino também defendeu que o ex-presidente Lula lance imediatamente
a pré-candidatura à Presidência em 2018 e traga à sociedade o debate sobre um
programa de governo.
Citando-o como "um dos raros estadistas que o Brasil tem", Dino
diz que só o ex-presidente pode trazer de volta ao país o debate sobre
bem-estar social. "Mesmo que você não goste dele, ele é um ponto de
referência de um debate mais saudável, mais racional", pontua.
Ex-juiz federal, Dino fez elogios e críticas à operação Lava Jato e disse
que a atuação política de procuradores e juízes --acelerando processos e
convocando a população por redes sociais, por exemplo-- é algo nunca visto no
mundo e põe em risco os resultados da operação. "Acho que tem algumas
situações que geram questionamentos em razão dessa apropriação de uma causa
justa para fins políticos. Hoje isso é muito evidente, e acho muito ruim",
explica.
Para o comunista, a união da esquerda vista na greve geral do último dia
28 é "mais do que necessária", será fundamental para barrar, por
exemplo, a reforma da Previdência. "A esquerda tem essa obrigação de
impulsionar um salto civilizacional de que o Brasil precisa, recuperando itens
de uma agenda que se perdeu."
Confira, a seguir, a íntegra da entrevista:
UOL - O senhor foi uma
das principais vozes contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Como
o senhor avalia esse primeiro ano de Michel Temer?
Flávio Dino - Achava que ele fosse dialogar mais com todas as forças
sociais. Eu conheço bastante o Michel Temer; tenho muito respeito pessoal, pela
trajetória profissional; estudei nos livros dele na faculdade de direito;
convivi com ele na Câmara. Então, esperava um governo com agenda mais aberta,
de mais de pactuação, e não de polarização do país.
Surpreende-me insistir na tese absolutamente errada, numa hora errada, da
reforma da Previdência. Não há dados que sustentem esse discurso do deficit se
você não expurgar os efeitos da crise econômica. É uma distorção estatística
você pegar o pior momento da economia, fazer um cálculo em cima dele e projetar
20 anos para frente. Isso não tem cientificidade.
Além disso, ela preserva setores sociais e econômicos fazendo com que os
pobres paguem a conta. Isso é muito dilacerante. Imaginei que, diante do trauma
do impeachment, a solução fosse outra. Imagina alguém que sofre uma fratura
grave, e a solução apresentada é deixar a fratura exposta e continuar
aprofundando essa fratura? É o que tem sido feito com o país, e isso é muito
perigoso. O Brasil caminha perigosamente à margem do precipício.
Imaginava que o Temer fosse procurar fazer um governo mais parecido com o
que foi de Itamar Franco, com mais diálogo, mais pactuado, levando em conta ser
detransição até 2018; e não fazer esse tipo de reformas que não foram votadas.
Essa agenda foi derrotada em 2014. Se em 2018 alguém quiser, apresente ao povo,
vença e aí implante. Agora fazer sem apoio popular é surpreendente.
No último dia 28, houve
uma greve geral com adesão de movimentos de esquerda que pareciam dispersos. O
senhor acha que a esquerda voltou a se unir por conta dessas reformas?
Isso é mais que importante, é necessário! É mais que necessário, é
urgente. Estamos em uma conjuntura muito difícil, derivada da profundidade da
crise econômica e da resistência dela ser maior que se previa, quebrando
recorde triste com 14 milhões de desempregados formais. A dificuldade na
retomada de crescimento da economia, sobretudo o rumo errado na economia,
sobretudo com essas reformas regressivas que constituem retrocessos a direitos
e que vão impulsionar um novo ciclo de crescimento que não real. E a política
alimenta a crise porque ela própria é uma crise muito aguda, não só operacional,
mas mesmo de paradigma e bastante profunda.
Não é um momento fácil de resolver. E isso tem levado a sociedade a viver
um momento de muita polarização, de muita animosidade, de muito ódio. Vemos
isso nas redes e nas ruas. Não é algo corriqueiro e não pode ser naturalizado.
A esquerda tem essa obrigação de impulsionar um salto civilizacional de
que o Brasil precisa, recuperando itens de uma agenda que se perdeu, sobretudo
na de bem-estar social. Hoje, a agenda quase onipresente é a do combate a corrupção.
Uma agenda justa, necessária, não há dúvida, mas que tem servido de cavalo de Troia
para pôr dentro dela outras agendas nocivas ao país.
Recentemente muitos
políticos têm defendido que Lula lance candidatura à Presidência representando
parte da esquerda. O que o senhor acha disso?
Acho muito importante que ele apresente a pré-candidatura. Ele tem uma
força popular que ninguém tem, e isso ajuda a descortinar essas outras agendas.
Ele pode funcionar como locomotiva dessa agenda perdida --e que é a verdadeira.
A meu ver ele deve apresentar isso logo, se dirigir ao país discutindo o
programa de governo --que a lei permite. É preciso que o conjunto de forças
políticas que desejam que o Brasil saia desse momento nele enxergue nele um dos
poucos, um dos raros estadistas que o Brasil tem. Mesmo que você não goste
dele, ele é um ponto de referência de um debate mais saudável, mais racional.
Como ex-juiz, o senhor
acha que pode haver julgamento em segunda instância até o lançamento da
candidatura [em julho de 2018; isso tornaria Lula ficha-suja, impedindo que ele
concorresse à Presidência]?
Em condições normais, não acredito que haja tempo para torná-lo
inelegível. Os processos ainda estão em fase de instrução. Depois ainda terá de
ter uma sentença, eventuais embargos de declaração, recursos de apelação no
tribunal –e antes tem de ir ao Ministério Público. Enfim, não haveria tempo em
situações normais. De todo modo, na lei da Ficha Limpa ainda está previsto que,
mesmo havendo condenação em segundo grau, o STJ [Superior Tribunal de Justiça]
ou o STF [Supremo Tribunal Federal] pode reconhecer a plausibilidade de
pretensão recursal para afastar a inelegibilidade. De modo, não aposto nessa
ideia dele inelegível. Seria muito negativo que houvesse a implosão de nome tão
importante, como digo de outros também. Digo isso com relação ao [Geraldo]
Alckmin. É importante que ele seja candidato, ele é uma força de uma expressão
política importante para o país. Não se pode nesse processo de judicialização
esvaziar o tribunal supremo da democracia.
Mas o senhor acha que
tem gente torcendo e até lutando para evitar essa candidatura?
Parece que há muita ansiedade em torno disso, o que é muito deletério –sobretudo
à imagem dos ansiosos-- quando, por exemplo, atores do sistema de Justiça falam
em "timing" de prisão e dizem que "não é o momento". Isso
são coisas estranhas à própria existência do processo penal, que tem a proteção
pela presunção de inocência. Quando começa a se demonstrar que está ansioso no
processo, a dizer que não pode ter tanta testemunha, é bastante esquisito. Isso
acaba pondo em risco uma característica fundamental do Poder Judiciário, que é
o seu caráter técnico, seu caráter apartidário. Isso não é um detalhe, é
essencial, porque juiz e procurador não são eleitos; logo, sua legitimidade
deriva de uma presunção: de que são terceiros suprapartes de conflitos sociais,
são árbitros legítimos porque não são parte. Então é bom ter prudência,
cautela. Nunca é tarde para uma reflexão como essa. Nunca vi isso no Brasil e
acho muito ruim que esteja acontecendo.
O senhor então vê essa
ansiedade e esses erros na Lava Jato?
Oitenta por cento das decisões da Lava Jato tecnicamente são corretas, eu
teria dado idênticas decisões. O problema é aquele dito da sabedoria popular: o
demônio mora nos detalhes. Acho que têm algumas situações que geram
questionamentos em razão dessa apropriação de uma causa justa para fins
políticos. Hoje isso é muito evidente, e acho muito ruim para os próprios
resultados da Lava Jato. Essa operação serviu de cavalo de Troia para coisas
muito ruins, como o impeachment, que foi uma experiência terrível do ponto de
vista político e jurídico. Não é pouca coisa violar uma vontade popular sem
nenhuma causa constitucional legítima. A Lava Jato jogou essa ideia que, além
do trabalho processual técnico, há um trabalho politico; e isso não é papel do
Judiciário.
Então há caráter
político?
Objetivamente há uma conduta política na linha que, por exemplo, juiz e
procurador mobilizam sociedade. É papel de juiz e procurador liderar
mobilização social? Nunca vi isso na minha vida. No Brasil se naturalizou isso.
Juízes e procuradores fazem vídeo, lideram manifestações, convocam o povo a se
posicionar por uma causa ou outra. Isso é espantoso, nunca ocorreu em lugar no
mundo e está acontecendo agora.
Isso pode ser ruim para
a Lava Jato?
Como disso, ela tem mais acertos do que erros. O mérito da Lava Jato de
ter descoberto coisas escandalosas é indiscutível. É preciso nessa hora ter temperança,
prudência. Acho que é isso que o STF está se defrontando um pouco e vem
reformatando --e vai continuar, ao meu ver-- institutos novos no país, como a colaboração
premiada. Ela é uma excepcionalidade, não pode ser um vale-tudo. Você não pode
admitir que ele seja um instrumento corriqueiro porque senão você pode repetir
práticas da inquisição. Vamos retroceder 400 anos na história penal. Se você
generaliza esse instrumento de prender para gerar uma delação, você está legitimando práticas que são incompatíveis com
a busca da verdade. É claro que, se a pessoa é condenada a 50 anos de cadeia e
você chega e oferece a ela passar um ano presa em uma residência para lá de luxuosa,
ela conta qualquer história.
Acho que o STF, no seu tempo, vai se encarregar de fazer essa moderação.
Ser a favor da Lava Jato não significa canonizar uma operação. Nenhuma
instituição tem que ser santificada, tem que haver vigilância democrática. Durante
algum tempo havia o pensamento de corte fascista que qualquer crítica à Lava
Jato era uma posição que lesava os interesses da pátria. Isso aconteceu em um
certo momento, mas isso hoje tem sido mitigado, e o próprio Supremo tem
mostrado que não vai aceitar qualquer coisa. Isso é bom.
Como o senhor vê a
ascensão de nomes não políticos postulantes a cargos eletivos?
É um risco real em razão dessa brutal deslegitimação, não só Brasil. É um
típico desses tempos difíceis que vivemos. Tivemos o Trump eleito nos EUA; a Le
Pen fez 40% dos votos na França. É um momento típico de crises profundas. Foi
numa situação muito parecida que se gerou o nazifascismo nos anos 1930. Havia
crise econômica profunda, grande descrença nas instituições e na política,
levando a figuras supostamente salvadoras. Não é algo novo no mundo e está
ocorrendo no Brasil. É preciso olhar com muito cuidado essas teses
antipolíticas, elas nunca acabam bem. Vamos lembrar os militares. Eles
verbalizavam esse discurso, e todos nós percebemos que não acabou bem.
O senhor está na lista
do ministro Edson Fachin após ser delatado por um executivo da Odebrecht por
supostamente ter recebido dinheiro em troca de um parecer. Como o senhor
recebeu a denúncia?
Na verdade, já está explicado. É uma coisa muito frágil, inconsistente;
no meio dessa narrativa, é um pequena vírgula, não tem qualquer expressão, não
tem sustentação jurídica. É um fato que não aconteceu, e já provei documentalmente.
Sou acusado por um delator que diz que vendi um parecer em um projeto de lei
que ainda esta na Câmara e que nunca dei parecer, nunca levei a voto. O fato
narrado não existiu. Se não existiu, como vai ter processo? Por isso não mudou
nada nossa atuação, nunca perdi um minuto de tranquilidade por isso, É claro
que a gente se chateia, fica indignado, porque não é bom você constar numa
lista. Mas, na medida em que acontece, no meu caso adotei desde o primeiro
minuto a transparência e tenho prestado todos os esclarecimentos. Logo, logo
estará arquivado.
O senhor conhece o
delator?
Sim, claro. Um parlamentar relevante --como graças a Deus eu fui--
dialoga com representantes de todas as empresas, sindicatos. Todos os setores
sociais relevantes têm representantes no Congresso: Odebrecht, CNI, CNA, Forças
Armadas, MP, magistratura, Globo, Fiesp. E graças a Deus eu era relevante, especialmente
na Comissão de Constituição e Justiça, onde atuava. Recebia semanalmente as
demandas mais variadas, demandas de setores econômicos e sociais, como faço
hoje como governador: atendo empresas que querem mudanças na lei, benefícios
fiscais. Não há nada de errado nisso. Errado é submeter isso a contrapartidas.
O senhor recebeu ao
menos essa proposta do delator para beneficiar a Odebrecht?
Neste caso não, jamais.
E em outro caso lhe
ofereceram?
Objetivamente, de modo aberto, jamais. No governo nunca [recebi]; na
Câmara, talvez uma outra insinuação. As pessoas me conhecem. Eu tenho 28 anos
de função pública nos três Poderes, nunca respondi a um processo, nunca tive
nada. No Congresso se conhece todo mundo...
O senhor sabia desse
esquema revelado na Lava Jato?
Claro que sim! Tu conhecia, todas as pessoas que estão nos lendo
conheciam. Nas MPs [medidas provisórias] todo mundo via! As medidas chegavam
dando isenção de R$ 1 bilhão, e as emendas aumentavam para R$ 20 bilhões da
noite para o dia. Não era normal, e eu me insurgia, poderia dar dez exemplos.
Eu via, combatia, mas acabava prevalecendo pelas conjunturas das forças
políticas que existem.
Nem a quantidade de
valores e nomes espantaram o senhor?
Teve uma surpresa pela quantidade. Eu não tinha noção porque eu nunca fui
próximo a esse tipo de coisa. Mas que havia um "toma lá, dá cá",
todos sabiam. A Lava Jato tem esse mérito de jogar luz sobre isso, e a minha
esperança é que isso se corrija.
O senhor sempre diz que
pegou um Estado com problemas graves. Como o senhor avalia o governo nesses
quase dois anos e meio?
Nós pegamos um momento bem conturbado, com efeitos práticos, sobretudo fiscais.
Destaco esse ponto, mas conseguimos manter as contas do Estado equilibradas,
praticamos a responsabilidade fiscal sem algo farisaico --como se fosse ela
fosse um fim em si mesmo. Adotamos medidas de corte de gastos, com incremento
de receitas. Além disso conseguimos manter um nível de investimento alto, de
6,6% da nossa receita corrente líquida --que é extraordinário nessa conjuntura.
Roseana Sarney tem dado
recados por aliados de que pretende disputar o governo maranhense em 2018. Como
o senhor avalia essa possibilidade?
Acho que, se ela tem vontade, deve disputar, é bom para o Estado.
O senhor gostaria de
enfrentá-la?
Eu acho que qualquer resposta que der é inócua. Não sou eu que vou definir.
Que é o 'sarneyzismo' nosso maior adversário, não há dúvida. Eles mantêm uma
agenda política importante no país e no Estado; têm meios de comunicação,
parlamentares. São a principal força política da oposição. E eles têm síndrome
de abstinência, têm muita falta das coisas que o poder possibilitava a eles. E
manifestam isso diariamente, que têm muitas saudades dos privilégios e vão
tentar restabelecer o governo de privilégios, porque era bom para eles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário