Por Leonardo Sakamoto
O governo Temer comemora que as ruas não
estejam coalhadas de gente pedindo sua cabeça, tal qual ocorreu com Dilma
Rousseff. De forma cínica, seus apoiadores afirmam que isso é uma prova de que
a população entende que ele tem agido corretamente para tirar o país da crise e
confiam em sua honestidade.
Ao mesmo tempo, uma pesquisa CNI/Ibope
aponta que Temer, com seus 5% de aprovação, conseguiu a proeza de estar
abaixo dos pisos atingidos por Collor (12%), Dilma (9%) e até Sarney (7%).
O silêncio na rua, quebrado aqui e ali
por manifestações ligadas a movimentos e sindicatos, não significa que a
insatisfação não esteja no ar. Mas que há uma sensação de desalento
generalizado.
Quem apoiou a saída de Dilma, seja por
conta das denúncias de corrupção em seu governo ou pelo desgosto com a grave
situação econômica que ele ajudou a construir, agora sente desalento ao
perceber que saiu da frigideira para cair direto no fogo. Talvez haja felicidade entre
quem professa o antipetismo pelo antipetismo, mas este texto não trata de
patologias.
Quem não apoiou e protestou contra,
sente impotência diante da profusão de denúncias de corrupção decorrentes do
fisiologismo a céu aberto do atual governo e sua relação incestuosa com o
Congresso Nacional. E com a aprovação de uma agenda de desmonte da proteção
social, trabalhista e ambiental, que não foi chancelada pela população através
de eleições.
Quem não foi às ruas nem para apoiar a
queda de Dilma, nem para defendê-la, grupo que representa a maioria da
população, e assistiu bestializado pela TV ao impeachment, segue onde sempre esteve:
sentindo que o país não lhe pertence. Entende que as coisas vão piorando e,
quando bandidos não retiram o pouco que eles têm, o Estado faz isso. Seja
roubando suas aposentadorias, seja violentando-os nas periferias de todo o
país.
A falta de gente nas ruas é um sinal que
diz mais sobre o sentimento geral do país do que sobre a capacidade de engajamento
de movimentos contrários ao atual governo. Mesmo que contasse com o apoio do
poder econômico, que financiou e divulgou manifestações pró-impeachment,
a rua não atrairia tanta gente. E não apenas porque o momento catártico passou
e agora a população, cansada, se retraiu. Mas porque, para muita gente,
simplesmente não vale a pena.
A manutenção de um governo cuja
legitimidade, honestidade e competência são questionados seria suficiente para levar
o país às ruas. Contudo, a sensação é de que boa parte da população, aturdida com
tudo o que foi descrito acima, está deixando de acreditar na coletividade e
buscando construir sua vida tirando o Estado da equação. O que deixa o Estado
livre para continuar servindo à velha política e a uma parte do poder
econômico.
O Brasil está cozinhando sua
insatisfação em desalento, impotência, desgosto e cinismo. Isso não estoura em
manifestações com milhões nas ruas, mas gera uma bomba-relógio que vai explodir
invariavelmente em algum momento, ferindo de morte a democracia.
Quando o impeachment foi aprovado, um
dos receios era o esgarçamento institucional que a retirada de uma presidente
eleita pelo voto popular por um motivo frágil (pedaladas fiscais) em vez de um
caminho mais sólido (cassação da chapa por caixa 2) poderia causar. Infelizmente,
o esgarçamento aconteceu.
Vivemos um momento em que a sensação é
de desrespeito a regras e normas, principalmente por parte do governo e de
parlamentares, é amplo.
Deixar de confiar na política como arena
para a solução dos problemas cotidianos é equivalente a abandonar o diálogo
visando à construção coletiva.
Caídas em descrença, instituições levam
décadas para se reerguer – quando conseguem. No meio desse vácuo, vai surgindo
a oportunidade para semoventes que se consideram acima das leis se apresentarem
como a saída para os nossos problemas. Pessoas que prometerão ser uma luz na
escuridão, mas nos guiará para direto para as trevas.
Ou seja, talvez o tempo da indignação já
tenha passado para muita gente. E, por não ter produzido frutos, abriu caminho
para a desconstrução daquilo que três décadas de democracia ergueram por aqui.
É triste, mas talvez o principal legado
do governo Temer será um não-país.
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