‘Nunca
falhei por omissão, por covardia ou por acomodação’, despede-se Janot
Em
carta, o ex-procurador-geral da República ataca 'parcela de larápios egoístas e
escroques ousados que, infelizmente, ainda ocupam vistosos cargos em nossa
República'
Julia Affonso e Fausto Macedo
O ex-procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, enviou uma carta a todos os procuradores e servidores do
Ministério Público Federal. No documento de quatro páginas, Janot afirma que
‘nunca’ falhou ‘por omissão, por covardia ou por acomodação’ e ataca ‘parcela
de larápios egoístas e escroques ousados que, infelizmente, ainda ocupam
vistosos cargos em nossa República’.
LEIA A ÍNTEGRA DA CARTA
“Colegas procuradores e procuradoras,
Colegas servidores e servidoras,
“Há algo de podre no Reino da Dinamarca”
é uma das frases célebres em Hamlet. Segundo Amanda Mabillard, profunda
conhecedora da obra de Shakespeare, a Dinamarca apodrecia com a corrupção moral
e política. Poderia ser o Brasil deste século.
Há duzentos anos, os dragões da
Independência, que formam o 1º Regimento de Cavalaria de Guardas, são
protetores de símbolos e princípios. São sentinelas da democracia. Foi um
alferes deste regimento que entregou ao Marechal Deodoro o cavalo baio 6, que
ele montava ao extinguir o Império e proclamar a República. Os dragões guarnecem
as instalações da Presidência da República e não podem descansar durante sua
guarda.
O Ministério Público tampouco pode
esmorecer, enquanto a Constituição lhe cobra serviço; é também um guardião da
República.
Este 17 de setembro marca o fim de uma
sentinela de quatro anos. Hoje encerra-se oficialmente meu mandato à frente da
Procuradoria-Geral da República. Tenho pouco a acrescentar a tudo que já foi
dito ao longo dessa jornada.
Estivemos todos alertas, pelo Brasil,
por suas leis e por sua Constituição. Ao fim desses dois mandatos que me foram
outorgados pelos meus pares, entrego-lhes um Ministério Público diferente do
que o que recebi dos meus antecessores. Trabalhamos intensamente para
melhorias.
Temos mais estruturas institucionais,
mais membros, mais servidores, mais atribuições, mais prestígio no Brasil e no
exterior. Tais avanços estão retratados nos vários relatórios de gestão
publicados pelas diversas secretarias e assessorias da PGR nos últimos dias.
Resta-me tão-somente agradecer a todos
vocês que, de variadas formas, ajudaram-me a chegar aqui. Os críticos
alertaram-me dos perigos e ajudaram-me a desviar do abismo da soberba; os
incentivadores lançaram luz na estrada e aplainaram caminhos, tornando a
jornada mais leve e suave.
Foram quatro anos intensos. Abracei o
projeto de chefiar essa instituição não pelo simples propósito de coroar minha
carreira de 33 anos como membro do Ministério Público, mas principalmente pela
certeza de que poderia e deveria colocar minha experiência a serviço do País.
Construí, com um grupo de colegas, o projeto que foi submetido, em 2013, ao
crivo da lista tríplice. Os membros do MPF confiaram em mim e nas ideias de
inovação que minhas propostas representavam. Fui então o primeiro da lista tríplice.
Hoje, olhando para trás, percebo o
quanto mudamos nesses quatro anos de caminhada. Eu mesmo quase não me
reconheço. Cheguei carregado de certezas e saio imerso em dúvidas. Estou certo
apenas de que dei o melhor de mim, chegando muito além de onde achava que minhas
forças permitiriam. Nas minhas decisões, nunca levei em conta conveniências
pessoais ou conforto transitório. Devo ter errado mais do que imagino, mas de
uma coisa me orgulho profundamente: nunca falhei por omissão, por covardia ou
por acomodação. Fiz o que me pareceu certo fazer. A história dirá a medida
desses acertos e erros no tempo próprio.
Espero que a semente plantada germine,
frutifique e que esse trabalho coletivo de combate à corrupção sirva como
inspiração para a atual e futuras gerações de brasileiros honrados e honestos.
O Brasil é nosso! Precisamos acreditar nessa ideia e trabalhar incessantemente
para retomar os rumos deste país, colocando-o a serviço de todos os
brasileiros, e não apenas da parcela de larápios egoístas e escroques ousados
que, infelizmente, ainda ocupam vistosos cargos em nossa República.
Agradeço profundamente a todos os
membros e servidores de minha equipe, que ofereceram meses e anos de suas
vidas, às vezes com sacrifícios pessoais e financeiros, para dedicar-se a uma
penosa missão republicana. Todos vocês, meus colegas, fizeram menos pesado o
meu fardo. A solidão da cadeira de PGR foi menor graças à dedicação de tantas
pessoas que seria impossível nominar, entre servidores da casa e contratados,
terceirizados, estagiários, membros da ativa e aposentados, deste ministério
público e de outros ramos.
Meu tributo de infinita gratidão a todos
vocês. Hoje eu passo – como de resto todos nós passaremos –, mas o Ministério
Público deve seguir altaneiro e intimorato singrando mares tormentosos, em todo
o País, meus colegas, sem nunca perder a esperança e a proa do seu destino.
Sinto que ainda estamos longe do nosso ideal, mas tenho convicção de que deixo
o leme dessa nave em ponto mais próximo do porto seguro do que quando o assumi há
um quadriênio.
O MPF de 2017 é diferente do MPF de
2013. Mas o norte e os desafios são os mesmos: a luta pelo Direito e pela
Justiça, de forma incansável, de olhos abertos e prontidão constante. Por
motivos protocolares, não poderei transmitir o cargo a minha sucessora, mas
desejo-lhe sorte e sobretudo energia para os anos que virão. Que a nova PGR
encontre alegria mesmo diante das adversidades e que seja firme frente aos
desafios. De meu ofício de Subprocurador-Geral perante o STJ estarei torcendo
pelo sucesso da gestão 2017-2019, pois o êxito da colega Raquel Dodge será a
vitória de todos nós.
De meu posto, ainda como sentinela,
seguirei a promover a agenda anticorrupção. Este não foi o mote do meu mandato.
É mote do meu País.
Forte abraço!”
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